Octavio da Cunha Botelho
Visão panorâmica da Grande Mesquita de Meca durante a Hajj, a Grande Peregrinação Islâmica |
Este estudo foi programado para ser
postado na época da Hajj, a grande
peregrinação muçulmana à Meca que, este ano, no nosso calendário, acontece dos
dias 24 a 29 de Outubro. O evento tem uma dimensão astronômica, pois é a maior
concentração anual de religiosos do planeta, o de 2011 reuniu cerca de 2,5
milhões de fiéis, perdendo apenas para um festival hindu que acontece de 12 em
12 anos em Allahabad, Índia, o Purna Kumbha Mela, o qual habitualmente reúne
cerca de 20 milhões de devotos.
Em meio a uma aglomeração tão
abarrotada, os incidentes são inevitáveis, sobretudo num lugar despreparado
para receber tamanha concentração de peregrinos, os quais vão desde as
contaminações de doenças graves, até as tragédias com muitas vítimas fatais por
conta de incêndios e de pisoteamentos decorrentes das correrias de pânico.
O que é a Hajj
O quinto pilar (princípio) do Islamismo
é a Hajj (sendo os outros: a
Profissão de Fé, a Oração, a Caridade e o Jejum), isto é, a grande peregrinação
à Meca, para diferenciar da pequena peregrinação (Umra), que todo muçulmano saudável e com condição financeira é
obrigado a fazer pelo menos uma vez na vida. Geralmente traduzida como peregrinação,
a Hajj, mais precisamente, é uma série
de ritos executados em determinados pontos e momentos do trajeto da
peregrinação no interior da Grande Mesquita (al-masjid al-haram) e nos locais sagrados (Mina, Muzdalifa e Monte Arafat) ao redor da cidade de Meca. Acontece
anualmente entre os dias oitavo e décimo terceiro do mês Dhul Hijja, o décimo segundo e último do calendário muçulmano. Em
vista da diferença do calendário lunar dos muçulmanos com o calendário solar,
este ano o evento acontecerá entre os dias 24 e 29 de Outubro. Além da Hajj, existe outra peregrinação
muçulmana, a Umra (visitação) a qual
pode ser feita em qualquer época do ano e não é obrigatória, conhecida também
como peregrinação menor (Robinson, 2003, 127-36).
A execução da Hajj
Mapa mostrando o itinerário da Hajj |
A série de ritos da peregrinação (Hajj)
começa no 8º dia do mês de Dhul-Hijja,
o 12º do calendário muçulmano, e termina no 13º dia. Entretanto, antes deste
período, no sétimo dia, os peregrinos se submetem à Purificação Ritual (Ihram), a qual deve ser feita antes de
entrar na Al-Masjid Al-Haram (a
Grande Mesquita de Meca). Esta consiste em aparar as unhas e o bigode, remover
os fios de cabelo desnecessários, tomar banho e vestir os trajes brancos sem
costura (o izar e o rida). Também, eles devem recitar a
oração ritual (Talbiyah). As mulheres
são dispensadas de alguns destes requisitos. Durante a Hajj, o peregrino deve abster-se de usar roupas costuradas, de
cobrir a cabeça (as mulheres não cobrem o rosto), de se banhar e de cuidar do
corpo, de praticar atividade sexual, de usar perfumes, de envolver-se em
conflito e em derramamento de sangue, de caçar e de destruir plantas (Long,
1979: 16). No passado, quando os peregrinos chegavam por terra, foram
instalados locais de purificação em cidades ao redor de Meca, para que os fiéis
pudessem efetuar os ritos de purificação (Ihram)
e, assim, alcançarem o estado de consagração, antes de entrarem na Grande
Mesquita. Atualmente, como muitos chegam de avião, estes ritos preparatórios
são feitos em Meca mesmo. Isto tem que ser feito até o 7º dia, pois no 8º dia
iniciam-se os ritos da Hajj
propriamente.
Veja abaixo a programação da Hajj dia por dia no mês de Dhul–Hijja do calendário muçulmano (Long,
1979: 11-23; Robinson, 2003: 132-6 e Bianchi, 2004: 08-10):
-
8º dia: vestidos nos trajes brancos e previamente consagrados (Ihram), os peregrinos entram na Al-Masjid Al-Haram (a Grande Mesquita) pelo
Portão da Paz (Bab as-Salam) e
executam inicialmente o Tawaf da Chegada
(circulação por 7 vezes ao redor da Caaba
no sentido anti-horário) repetindo orações. Durante cada giro em torno da Caaba, é prescrito um toque na Pedra
Preta, porém durante a Hajj não é
obrigatório, em vista da multidão, que pode ser substituído por um gesto
simulando o toque. Em seguida, executam a Sai
(a caminhada e/ou a corrida entre as colinas de Safa e de Marwa por 7
vezes). Depois, os peregrinos retornam ao pátio da Caaba para beberem a água da fonte Zamzam para, então, em seguida, se dirigirem à Mina (3 milhas de Meca), onde realizam orações.
-
9º dia: os peregrinos deixam Mina e
se dirigem ao monte Arafat, o local
onde Maomé fez seu último sermão, aí permanecem em vigília contemplativa, rezam
e recitam o Alcorão. Este momento é considerado o auge da Hajj. Em seguida, se dirigem para Muzdalifa, onde passam a noite dormindo no chão e no céu aberto. No
dia seguinte os peregrinos retornam para Mina,
para a cerimônia do apedrejamento do demônio (ramy al-jamarat).
-
10º dia: Em Mina, os peregrinos
recolhem um tanto de pedras de cascalho, para serem lançadas contra 3 muros
(antes eram 3 pilares, após 2004 os pilares foram substituídos por 3 muros
altos, uma vez que as pedras lançadas estavam atingindo peregrinos do outro
lado), rito que significa o desafio ao demônio. Depois, se possível, os
peregrinos sacrificam um animal de sua propriedade e, em seguida, os homens
raspam o cabelo e as mulheres cortam uma polegada do cabelo.
-
11º dia: os peregrinos retonam à Meca e executam a segunda Tawaf (a circulação ao redor da Caaba)
e a segunda Sai (a corrida entre as
colinas de Safa e de Marwa).
-
12º dia: os peregrinos retornam à Mina
e repetem o ritual do apedrejamento do demônio.
-
13º dia: retorno à Meca, onde executam o Tawaf
do Adeus (a última circulação ao redor da Caaba)
e, por fim, as cerimônias terminam e, então, os peregrinos deixam Meca.
A origem pré-islâmica
Diante da grandiosidade deste
evento, bem como da tamanha devoção dos fiéis durante as cerimônias e da beleza
da Grande Mesquita de Meca, é interessante conhecer a crença que motiva a
magnitude desta concentração religiosa.
A Caaba cercada por milhares de peregrinos durante a Hajj |
Em suma, os ritos da Hajj são re-encenações de lendas que
relatam episódios aflitos e gloriosos das vidas de Abraão (Ibrahim para os
muçulmanos), de sua escrava, Hajar, com
quem teve um filho, Ismael (Bianchi, 2004: 08). Lendas, nem sempre
coincidentes, preservadas pela tradição (Hadith),
das quais Maomé adaptou para um contexto islâmico, a fim de atribuir uma origem
gloriosa e monoteísta para o conjunto de revelações que estava transmitindo na
época. Os cultos à Caaba (lit. cubo), à Pedra Preta e aos locais ao redor (Safa, Marwa, etc.) já existiam antes de Maomé, porém eram cultos
politeístas praticados pelas tribos nativas da região árabe. Maomé, após suas
conquistas militares, reformou estes cultos dando-lhes um caráter monoteísta. O
Alcorão III. 96-7 ufaneia: “A primeira Casa (de adoração) destinada aos homens
foi aquela de Bakka (Meca). Plena de
benção e guia para todos os seres. Nela estão sinais manifestos: o lugar de
estadia de Abraão. Qualquer um que penetre nela alcança segurança. A
peregrinação a ela é um dever que os homens devem a deus...” (Ali, 1934: 148 e
Challita, 2002: 32).
A associação de Abraão com o Islã foi
uma manipulação astuta de Maomé que funcionou. Nas palavras de David E. Long:
“Ao vincular o Islã a Abraão, Maomé parece ter sido influenciado pela grande
população judia em Medina. Não só ele conheceu a tradição judia com os judeus,
como também procurava alcançar reconhecimento de si mesmo como profeta, para
tanto, Maomé utilizou a tradição comumente aceita de que Abraão era o pai
natural de ambos: dos árabes e dos judeus. Quando os muçulmanos romperam com os
judeus de Medina, o uso de Abraão como uma figura de pai foi apropriado, visto
que ele (Abraão) pré-datava tanto o Cristianismo como a Torá Judaica. Ligar Abraão
com o Islã foi, mais que tudo, uma inovação e não uma adaptação da tradição
pré-islâmica de Meca” (Long, 1979: 05).
A etimologia da palavra Hajj é interpretada assim: “A palavra Hajj está relacionada com o hebraico Hag, a qual refere-se aos festivais
cíclicos envolvendo a peregrinação e talvez a circulação. Significa “dirigir-se
para”, relacionada com o ato de peregrinação” (Long, 1979: 04).
As lendas por trás dos
ritos da Hajj islâmica
Desenho mostrando o interior da Caaba |
A construção da Caaba por Abraão e seu filho Ismael é mencionada no Alcorão (II.
125-7), mas os relatos mais extensos foram preservados nas tradições (Hadith). Então, um corpo de lendas se
desenvolveu a partir da referência à construção da Caaba por Abrão e seu filho no livro sagrado do Islã. No entanto,
“de acordo com alguns relatos, a Caaba
de Abraão foi, na verdade, a segunda a ser construída no local, a primeira
sendo construída por Adão, que tinha ido à Meca após ser expulso do Paraíso.
Esta primeira construção, tal como a lenda relata, foi destruída durante o
Dilúvio” (Long, 1979: 06). Portanto, segundo esta versão da lenda, o que Abraão
fez foi, na verdade, reconstruir a Caaba.
Os relatos nas lendas são divergentes,
de modo que David E. Long tenta organizá-los assim: “Abraão e seu filho Ismael
tiveram ajuda sobrenatural enquanto eles construíam (ou reconstruíam) a Caaba. De acordo com uma versão, deus
guiou Abraão até o local da primeira Caaba
por uma nuvem, que parou acima do local e ordenou a Abraão que construísse um
edifício sobre a sombra que ela projetava. Abraão começou a construir usando
pedras trazidas por Ismael. Numa outra versão, as pedras eram extraídas de três
montanhas: uma de Meca, uma de Jerusalém (o Monte das Oliveiras) e uma do
Líbano (o Monte Hermon)” (Long, 1979: 06).
“No canto leste da Caaba (cada canto está dirigido para um ponto cardial) está a
famosa Pedra Negra. De acordo com a
lenda, ela foi trazida até Abraão pelo anjo Gabriel de Jabal Abn Qubays (uma montanha perto de Meca), onde ela tinha
permanecido desde o dilúvio, tendo sido parte da Caaba original. A pedra era
originalmente branca, mas ficou preta pela contato com os pecados do homem. No
Dia do Julgamento a pedra falará em testemunho contra a humanidade” (Long,
1979: 06).
“Outro conjunto de lendas ligando Abraão
ao Islã e a Hajj trata das sagrada
fonte de água Zamzam, localizada no
interior da Grande Mesquita e da Sai,
ou as sete travessias entre as colinas de Safa
e Marwa. Não há menção da Zamzam no Alcorão, mas as colinas Safa e Marwa são elogiadas (II. 158): “Al-Safa
e Al-Marwa figuram entre os lugares
de Deus. Quem fizer a peregrinação à Casa (Caaba)
ou a visitar (Umra) não cometerá
transgressão se circundar estes dois montes...” (Ali, 1934: 62 e Challita,
2002: 14).
A Pedra Negra no interior da Caaba, a qual é vista e tocada de fora pelos fiéis através de um objeto que parece a combinação de vitrine e relicário |
“As lendas relativas à Zamzam e à Sai variam, mas a história geral envolve Hajar e seu filho Ismael, abandonados no deserto por Abraão. De
acordo com uma versão, Abraão e sua esposa Sarah,
tendo deixado a Caldeia, viajaram para o Egito. Quando estavam lá, o faraó Salatis tentou por três vezes seduzir
Sarah, mas foi milagrosamente impedido, de maneira que não pode fazê-lo.
Liberando-a para seu marido, ele deu a ela uma lembrança, uma bela escrava, Hajar. No principio as coisas iam bem,
Abraão teve um filho, Ismael, com Hajar
(pois Sarah era estéril). Mas Sarah começou a ficar ciumenta e exigiu
que Abraão abandonasse os dois no deserto. Relutante ele fez assim, deixando-os
no Vale da Sede, o local da atual Meca. Abraão previu, contudo, que aquele era
o local da primeira Caaba e que
nenhum mal ocorreria a Hajar e a
Ismael. Depois que ele partiu, Hajar
correu em direção a uma miragem de água até que ela alcançou o topo da colina Al-Safa e regressou, então ela perseguiu
a miragem até que ela alcançou o topo da colina Al-Marwa. Após correr de ida e de volta por sete vezes, ela
retornou até seu filho, somente para descobrir a água surgindo de onde ele
estava. Esta era a água de Zamzam. Em
alguns relatos Ismael acidentalmente descobriu a água.e em outros, o anjo Gabriel
golpeou a terra e fê-la surgir, enquanto que outros, foi a redescoberta da água
originalmente usada por Adão e Eva quando eles foram expulsos do Éden. De
qualquer maneira, a Sai existe para
comemorar a corrida de ida e de volta de Hajar
em busca de água” (Long, 1979: 07).
“De acordo com uma versão, Abraão foi
ordenado por deus num sonho a sacrificar seu filho Ismael. No dia seguinte, ele
disse ao seu filho que eles iriam sair para encontrar lenha, mas quando estavam
caminhando, Abraão não se conteve e confessou a Ismael o que Deus lhe tinha
instruído fazer. Ismael aceitou seu destino e seguiu seu pai mate o local do
sacrifício que Abraão tinha visto no sonho, um penhasco próximo ao terceiro Jamrah (antes pilar, agora muro para
arremesso de pedras) em Mina. No caminho, Satã apareceu para Ismael três vezes,
uma vez em cada Jamrah e o alertou
sobre o que seu pai pretendia fazer. Em cada ocasião Ismael lançou pedras
contra Satã. Quando Ismael foi amarrado e colocado no local do sacrifício,
Abraão colocou uma faca no seu pescoço, mas a faca recusou entrar na sua carne.
Após uma terceira tentativa, o anjo Gabriel apareceu com um carneiro. Ele disse
a Abraão que Deus tinha recebido seu sacrifício e não exigia a alma de Ismael,
e que deveria, ao invés disto, oferecer um carneiro em seu lugar” (Long, 1979:
08). Esta é a origem do rito do apedrejamento em Mina.
A Hajj
é um exemplo atual de como a crença em antigas lendas ainda é capaz de levar
multidões a se exporem e a se submeterem às condições de desconforto e de
risco, em troca de uma simples demonstração de submissão. Certamente,
aglomerações com estas proporções não poderiam ocorrer sem incidentes, com a exposição
ao risco de milhares de fiéis que, com frequência, resulta em acidentes e em
casos de contaminação, apesar das providências dos organizadores sauditas, ano
após ano, para evitar o aumento de ocorrências. As maiores tragédias decorrentes
da grande aglomeração na Hajj,
ocorridas nas últimas décadas, serão relatadas e analisadas em seguida.
As tragédias
Multidão a caminho do Rito do Apedrejamento em Mina |
Os desastres alarmantes com numerosas
vítimas é uma ocorrência recente na história das peregrinações islâmicas, pois
a concentração de peregrinos em Meca não devia ser tão numerosa e tumultuada no
passado, tal como é nos dias atuais. O aumento da facilidade de locomoção, com
o surgimento de novos e mais rápidos meios de transporte (o avião, o automóvel,
o ônibus, os trens de alta velocidade, etc.), tornou a viagem à Meca mais
acessível para um número maior de peregrinos nas últimas décadas. Ademais,
agências de viagem facilitam o empreendimento, através de financiamentos,
consórcios e subsídios, bem como providenciam antecipadamente transporte, locação
de tendas, refeições, acessórios para os ritos e outros serviços, facilidades
tal como numa viagem turística (Bianchi, 2004: 04). Por conseguinte, as
peregrinações gradativamente se tornaram cada vez mais abarrotadas de fiéis. Veja
em seguida como as coisas se comercializaram: “... o gerenciamento da
peregrinação moderna se espalha com notável rapidez, oferecendo pacotes
subsidiados para todos os orçamentos e gostos. Os pacotes hoje incluem reserva
online, reservas computadorizadas em hotel e para avião, materiais de
treinamento bem ilustrado e videotape, hospitais de campo móveis, seguro de
vida, bagagem e roupa com código de cores” (Bianchi, 2004: 05). E como tudo que
se comercializa também se desvirtua: “... como em quase todos os casos, a
administração da Hajj é manchada com
o favoritismo e com a corrupção” (Bianchi, 2004: 05). Enfim, os principais
causadores das tragédias são os incêndios, as explosões de pânico e as
contaminações de doenças graves.
No passado, o perigo principal era
outro, quando as viagens tinham que ser feitas por terra, os saques e os roubos
às caravanas de peregrinos, a caminho de Meca eram as mais frequentes
ocorrências. Hoje, este é um problema superado, mas que foi substituído por
outros. De modo que, os problemas dos peregrinos que viajam para a Hajj não são de agora, apenas mudou a
maneira de como acontecem (incêndios, correrias de pânico, atos terroristas,
asfixias em túnel, epidemias, paradas cardíacas, etc.) e, mais
impressionantemente, a magnitude destes acontecimentos, bem como o número de
vítimas, em virtude da grande aglomeração de participantes.
Os 3 pilares do Rito do Apedrejamento, depois substituídos por 3 muros. As pedras lançadas costumavam atingir os peregrinos do outro lado |
Espiritualmente, a Hajj pode ser um momento magnífico para os muçulmanos, mas, por
outro lado, apesar da aparente beleza e da suntuosidade do evento, esta
peregrinação fisicamente é um momento de tumulto e de caos, onde muitos são
expostos ao perigo. “Ela é uma experiência estafante e perigosa, quando a
exaustão, com o tempo, se transforma em delírio, a serenidade dá lugar à impaciência
e o perigo ao pânico. Até os mais autoconfiantes peregrinos percebem que, estar
mais perto de deus também o leva para mais perto da morte” (Bianchi, 2004: 07).
Mesmo assim, Robert R. Bianchi observa: “A Hajj
funciona por causa do bom sentido de ajuda mútua dos peregrinos, e não por
causa dos recursos precários que os governantes dispõem para ajudá-los e
controlá-los. Todo o dinheiro e a tecnologia, o planejamento e a segurança, são
impressionantes e crescentes a cada ano, mas nunca suficientes. O fator
decisivo é o autocontrole e a cooperação mútua dos peregrinos” (Bianchi, 2004:
08).
Não adianta a rapidez com a qual as
autoridades sauditas providenciam novos recursos e tentam melhorar a segurança
do evento, pois elas nunca conseguem acompanhar o crescente surto de peregrinos
ansiosos para se submeterem a qualquer condição. Por exemplo, nas últimas três
décadas, cerca de 2.700 peregrinos morreram somente em Mina, a maioria por causa de incêndios nos acampamentos ou por
causa de multidões aglomeradas em pontes de pedestres e em túnel que leva às
áreas de apedrejamento (Bianchi, 2004: 10).
Abaixo segue uma lista mostrando, em
ordem cronológica, as principais tragédias ocorridas nas últimas décadas
(Bianchi, 2004: 11; BBC News 17/12/2007 e Aljazeera.com 19/11/2009):
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1975: Um incêndio matou pelo menos 200 peregrinos no acampamento em Mina.
-
1979: Cerca de 250 membros de uma seita saudita tomou a Grande Mesquita. Mais
de 100 invasores e 127 soldados sauditas foram mortos, depois de duas semanas
de cerco.
-
1987: Polícia entrou em choque com manifestantes pró-iranianos na Grande
Mesquita, deixando 402 mortos.
-
1989: Um peregrino foi morto e 16 ficaram feridos após a explosão de uma bomba
colocada perto da Grande Mesquita.
-
1990: 1.426 peregrinos morreram, por pisoteamento e por asfixia, durante uma
correria de pânico no interior de um túnel de pedestres através das montanhas
entre Meca e Mina. Uma falha elétrica
cortou o fornecimento de energia do ar condicionado e da iluminação do túnel,
com isso o pânico se espalhou.
-
1994: Pisoteamento matou 270 peregrinos perto do Jamarat (rito de apedrejamento).
-
1997: Um incêndio espalhou-se pelo acampamento de peregrinos em Mina destruindo 70 mil tendas e causando
343 mortes e ferindo 1.500.
-
1998: Multidão super aglomerada e pisoteamento no Jamarat deixou 118 mortos.
-
2001: Multidão sufocada durante o Jamarat
deixou 35 mortes.
-
2003: 14 peregrinos morreram quando retornavam do rito de apedrejamento
-
2004: 251 peregrinos morreram em Mina durante uma correria de pânico no Jamarat.
-
2006: 345 peregrinos morreram num pisoteamento durante o rito de apedrejamento.
Agora, diante deste quadro funesto, a
sensatez nos leva a refletir sobre o proveito em participar nesta apinhada
peregrinação anual, em tão grandes circunstâncias de risco, com o dispêndio de
tanto esforço, tempo e dinheiro, na confiança em lendas controvertidas sem
nenhuma sustentação histórica, apenas em troca de uma demonstração de submissão
ao Islã e a Deus. Portanto, seria curioso investigar a suscetibilidade à crendice
dominante nas mentes destas multidões, que leva tantos fiéis a se submeterem a
tal sacrifício e a tamanha exposição ao risco, porém, infelizmente, a limitação
de espaço aqui nos obriga a deixar esta investigação para outra oportunidade.
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Adorei seus escritos. Parabéns pela lucidez e coragem.
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