Octavio da Cunha Botelho
(Obs: este estudo está disponível em versão mais atualizada em:
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/04/a-maconaria-e-a-sua-origem-com-os-pedreiros-analfabetos/)
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Neste próximo Domingo irá se comemorar
mais um Dia de São João Batista, apesar de ser mais conhecida pela comemoração
dos cristãos, esta data (24 de Junho) é também importante para a história da
Maçonaria, pois nela comemora-se o aniversário da reunião entre representantes de
quatro lojas maçônicas de Londres, na taberna Goose and Gridiron, para a fundação da Grande Loja de Londres em 24
de Junho de 1717 (Mazet, 1992: 257; Cerinotti, 2004: 14 e Jacob, 2007: 11), depois
reformulada como Grande Loja Unificada da Inglaterra em 1813, com a adesão da
Loja de York, inicialmente descontente. A escolha desta data para a reunião não
foi por acaso, mas em razão da afinidade com este santo cristão, admirado por
outras sociedades esotéricas, sobretudo pelos Templários, as quais os maçons da
época supunham serem fontes da Maçonaria (Cerinotti, 2004: 109). Mesmo não
tendo jurisdição universal, pois a Maçonaria está fragmentada em incontáveis
divisões (no Brasil, segue-se mais o Grande Oriente, de origem francesa), a
multiplicidade aumenta ainda mais quando se leva em contas as lojas
irregulares, este foi um marco importante na história da Maçonaria Moderna.
Agora, quem conhece os fascinantes
símbolos e os pomposos rituais, bem como a suntuosidade dos templos (lojas) e a
celebridade dos adeptos da atual Maçonaria, terá dificuldade em acreditar que
esta faustosa sociedade secreta teve sua origem numa corporação (craft) de pedreiros analfabetos, a qual
pode ser a razão da conservação de seus ensinamentos, durante a fase da
Maçonaria Operativa, exclusivamente através de símbolos e de ritos, ao invés também
de textos escritos.
As pesquisas sobre a origem da Maçonaria
estão envolvidas numa teia intricada de teorias controvertidas, desde as mais
delirantes até as mais sóbrias (Cerinotti, 2004: 8-11). O assunto ainda carece
de mais pesquisa acadêmica, quando comparado com a grande quantidade de estudos
sobre outras tradições, pois o número de estudos acadêmicos é escasso, de modo
que a quantidade de publicações pelas mais importantes universidades do mundo é
muito pequena. Tentando contornar estes obstáculos, o estudo abaixo pretende
apontar, em meio a um oceano de relatos fabulosos (para conhecer um exemplo,
ver: Anderson, 1734: 07-45), a origem iletrada da corporação dos Pedreiros Livres
(Free-masons), durante o período denominado
pelos pesquisadores de Maçonaria Operativa, a partir dos poucos estudos crítico-históricos,
independentes das interpretações da tradição e da propaganda maçônicas.
Etimologia da
denominação Franco Maçonaria
Do inglês Freemasonry e do francês Franc
Maçonnerie, não existe consenso entres os pesquisadores quanto à origem do
termo. Alguns apontam que significa que estes pedreiros (do francês: maçon) e construtores medievais, em
virtude do ofício, tinham salvo-conduto
das autoridades para transitarem livremente de uma região para outras, conforme
as obras exigiam seu trabalho, portanto a denominação de pedreiros livres (free-masons). Outros acreditam que
receberam esta denominação em razão do caráter mais especializado das suas
habilidades de ofício, portanto eram profissionais livres, para diferenciá-los
dos escravos que, no passado, eram a mão de obra majoritária nas edificações. Ainda,
outra etimologia é apontada na palavra inglesa free stone (pedra de cantaria), aquela pedra particularmente
adequada ao trabalho do entalhador (Cerinotti, 2004: 14-6).

Maçonaria e religião
Os maçons são unânimes em afirmar que a
Maçonaria não é uma religião, a definição clássica é: “um peculiar sistema de
moralidade, velado em alegoria e ilustrado por símbolos” (Mazet, 1992: 248). Apesar
da recusa, os maçons insistem que que todo candidato deve ser um religioso, pois não é possível ingressar na sociedade sem
acreditar em deus (Anderson 1734: 48 e Cerinotti, 2004: 102). Os juramentos dos
adeptos são feitos diante de um livro religioso (Bíblia, etc.), conforme o
regulamento da jurisdição. Enfim, a Maçonaria é uma sociedade que não se
considera religiosa, mas aos seus adeptos se solicita que sejam religiosos.
Agora, o que leva os maçons a pensarem
que a Maçonaria não é uma religião deve-se ao conceito circunscritamente
cristão de religião, entretanto, quando se expande o conceito de religião para
além dos limites do teísmo, a Maçonaria demonstra traços muito comuns com
outras tradições não teístas. Por exemplo, o Hinduísmo também tem um sistema de
moral (dharma shastra), grande parte
das suas concepções estão veladas por símbolos, concede iniciações e, ademais,
pratica uma quantidade de ritos muito maior que a Maçonaria. Os maçons não são
teístas, mas sim deístas, a realidade suprema é o Grande Arquiteto do Universo
(GADU), de maneira que, na Maçonaria, não existe cultos de louvor, adoração ao
senhor, orações, súplicas pela graça divina, romaria, bem como sacramentos de
batismo, de casamento, etc. Em suma, o conceito de religião é controvertido,
porém, conforme a abrangência, a Maçonaria apresenta elementos tão comuns com
as religiões em geral, que se torna difícil excluí-la do rol das religiões,
sobretudo quando se tem em mente que religião não é só teísmo, fé e devoção.
Para resumir, a Maçonaria não se considera uma religião, mas, paradoxalmente,
tudo nela tem origem e natureza religiosas.
Maçonaria Operativa e Maçonaria Especulativa (Moderna)
A história da Maçonaria possui um
crucial turning point, a transição de
Maçonaria Operativa (composta exclusivamente de pedreiros e construtores) para
a de Maçonaria Especulativa (composta de adeptos que não são mais pedreiros e
construtores, portanto denominados de “maçons aceitos”). Esta transição
aconteceu nos séculos XV, XVI e XVII e.c., quando houve uma redução drástica no
número de construções de catedrais, de fortalezas e de mosteiros, bem como a
expansão da Reforma Protestante, as quais resultaram em prejudicais
consequências na corporação dos maçons. Consequentemente, perderam o elo com os
padres da Igreja, que patrocinavam as construções, para então, buscarem
trabalho em outras fontes, a fim de que a corporação sobrevivesse (Mazet, 1992:
253 e Jacob 2007: 12). Foi nestas circunstâncias que a Maçonaria, de uma
corporação exclusivamente constituída por pedreiros e mestres de obra, abriu as
portas para a entrada de membros de fora da profissão.

Este processo de busca do significado
da simbologia e de criação de novos graus continua até hoje, cujo resultado foi
o surgimento de incontáveis lojas e ordens irregulares (aquelas não
reconhecidas por uma Grande Loja ou por um Grande Oriente). Mas este critério
de reconhecimento é vago, pois se os próprios fundadores da Maçonaria Moderna
(Especulativa) tiveram de especular sobre o significado e a origem da Maçonaria
que herdaram dos maçons operativos, nos séculos XVI e XVII, os quais eles
julgaram como perdidos, não significa que a busca está concluída, pois eles
mesmo herdaram uma tradição desprovida de exegese.
O fascínio pelo
segredo

A modalidade de analfabetismo
da Maçonaria Operativa
Os historiadores são unânimes em
afirmarem que, durante a Antiguidade e a Idade Média, de 80% a 90% da população
destas épocas era analfabeta. O alfabetismo era um privilégio de poucos, pois
não existia o imenso sistema de educação em grande escala, aberto para todos,
como atualmente. Porém, dentro desta grande população analfabeta, existiam os
que eram apenas analfabetos funcionais (aqueles que só conseguiam ler ou
escrever os assuntos dentro de sua ocupação funcional), bem como os que só eram
treinados na sua profissão, através de um processo de treinamento, geralmente
passado de pai para filho, o qual os historiadores da educação denominam, para
diferenciar da educação priopriamente, de “aprendizagem do trabalho” ou de
“tecnização do conhecimento” (Manacorda, 2006: 70-2, 106-10; 138-9 e 161-7).
Este processo consistia inicialmente da aprendizagem das técnicas da profissão
(artesãos, lavradores, carpinteiros, etc.) transmitida pelos pais aos filhos,
sem a necessidade da alfabetização, até a formação das primeiras corporações de
aprendizagem na Europa (Manacorda, 2006: 161-7).

Os escassos conhecimentos que temos da
Maçonaria operativa da Idade Média são extraídos dos Old Charges (Antigos Deveres), sobretudo os dois textos mais
antigos: o manuscrito Regius (1390
e.c.) e o manuscrito Crook (1450 e.c.), sendo que, curiosamente, ambos foram escritos por padres (Haywood, 1923b
e Mazet, 1992: 251). Segundo E. Mazet, “eles contem (especialmente o Regius) um conjunto de instruções
religiosas e morais que expressam o interesse dos padres em moralizar e
catequizar os maçons” (Mazet, 1992: 251). Os Old Charges seguintes, que só aparecem a partir de 1583 e.c.
(Mazet, 1992: 253), podem ter sido escritos por maçons. Portanto, mais uma
evidência de que, quanto mais antiga a referência aos maçons operativos, maior
a confirmação do seu analfabetismo. Enfim, sendo analfabetos, eles só podiam
registrar através de símbolos e de ritos, o que aprendiam com os padres
cristãos e com as esculturas que esculpiam nas catedrais, nas fortalezas e nos
mosteiros.
Bibliografia
ANDERSON,
James. The Constitutions of the
Free-Masons. Printed London: 1723, reprinted Philadelphia: 1734; Online
Eletronic Edition, Loncoln: University of Nebraska.
CERINOTTI,
Angela. Maçonaria, São Paulo: Editora
Globo, 2004.
HAYWOOD, H. L. Symbolical
Masonry: An Interpretation of the Three
Degrees. New York :
George H. Doran Company, 1923a.
________________ The
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Builder. September, 1923b.
JACOB, Margaret C. Living
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University Press, 1991.
__________________The
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Fictions. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2007.
MANACORDA, Mario A. História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias. São Paulo:
Cortez Editora, 2006.
MAZET,
Edmond. Freemasonry and Esotericism
em Modern Esoteric Spirituality.
Antoine Faivre and Jacob Needleman (eds.). New York: Crossroad, 1992, p.
248-76.
PIKE, Albert. Moral and Dogma of the Ancient and Accept Scottish
Rite of Freemasonry. Charleston: Supreme Council of the Thirty-Third
Degree, 1871.
STEVENSON, David. The Origins of Freemasonry: Scotland's Century 1590 to 1710. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
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WILMSHURS, W. L. The
Meaning of Masonry. London :
P. Lund, Humphries & Co, 1922.
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