Octavio da Cunha Botelho
(Obs: este estudo está disponível em versão mais atualizada em:
Pintura retratando Abelardo e Heloísa |
Este artigo deveria ter sido postado no Dia
dos Namorados (12/06/2012), mas em virtude da ocupação com outras tarefas, não
foi possível prepará-lo até aquela data comemorativa. Embora com atraso, não é
inconveniente sua postagem intempestiva, sobretudo por conta da comoção que esta
história é capaz de provocar nos amantes. Pois, trata-se de um dos mais famosos
casos de romance entre religiosos: o relacionamento romântico entre Pedro
Abelardo (um padre, depois monge) e Heloísa (educada num convento, depois
freira). O caso foi reproduzido na poesia, na música, na literatura, no teatro
e no cinema.
Pedro Abelardo (1079-1142)
Pierre
Abélard (Pedro Abelardo) foi o mais notável teólogo de sua época. Nascido
numa família de cavaleiros em uma cidade perto de Mantes, França, ele recusou a carreira de soldado para se dedicar
aos estudos. Seu ardente interesse pelo debate o levou a Paris, onde logo se
destacou por sua habilidade no uso da Lógica. Chegando lá, tornou-se aluno de Guilherme
de Champeaux, o mais afamado dentre os mestres daquela época. Porém, “a
simpatia inicial de Guilherme pelo jovem discípulo não tardou em converter-se
em profunda antipatia, pois não contente de lhe criticar certas doutrinas, Abelardo
ocasionalmente o derrotava nos debates escolares” (Gilson, 1995: 296). Assim, seu
temperamento impetuoso o manteve em permanente conflito com a Igreja, por
muitas vezes foi obrigado a alterar suas afirmações e a queimar seus escritos,
mesmo assim sua produção literária é relativamente volumosa (Historia Calamitatum, caps. I e II; Gilson,
1995: 296-7 e 306-8).
Heloisa de Argenteuil
(1101-1164)
Héloise
(Heloísa) foi uma brilhante erudita, educada num convento, com conhecimento de
Latim, de Grego e de Hebraico. Sabe-se que pertencia a uma família de status social inferior ao de Abelardo. Ela foi uma protegida de seu tio Fulbert, um
cônego de Paris. Em algum momento de sua vida, ainda na adolescência, ela
tornou-se aluna de Abelardo, o qual já tinha se transformado em um dos mais
populares professores e filósofos de Paris. Durante a convivência, os dois se
apaixonaram e consequentemente iniciaram um romance secreto, ela era cerca de
vinte anos mais nova, o qual resultou no nascimento de um filho, a quem deram o
nome exótico de Astrolabius
(astrolábio), instrumento de navegação utilizado para medir a altura das
estrelas e dos astros acima do horizonte.
O romance com fim trágico
Abelardo e Heloísa sendo surpreendidos por Fulbert; pintura de Jean Vignaud, 1819 |
Eles se casaram em segredo, mas
apesar da tentativa de encobrir os fatos, para não atrapalhar a carreira de
Abelardo, o romance secreto foi descoberto pelo tio de Heloísa, Fulbert, o qual
contratou alguns capangas para surpreender Abelardo, enquanto dormia, para
então, em seguida, castrá-lo. Com a castração, Abelardo se tornou monge e
Heloisa foi enviada como freira para o convento de Argenteuil, onde, em virtude
de sua capacidade e de sua erudição, ocupou o cargo de abadessa, depois de
alguns anos da sua chegada. Mesmo depois de separados, os dois amantes
mantiveram uma apaixonada e erudita correspondência, escrita durante os quase
quinze anos após a separação. Assim, Heloísa incentivou Abelardo em seu
trabalho filosófico e ele dedicou sua profissão de fé a ela.
A leitura destas cartas, bem como da história
deste trágico romance, comovem muitos amantes. Trata-se de uma das mais
emocionantes histórias de amor que temos conhecimento, sobretudo nos
angustiantes anos da separação. Esta dramática história foi reproduzida na
poesia, na literatura, na música, no teatro e no cinema. O livro mais popular é
o da escritora Marion Meade, Stealing
Heaven, adaptado para o cinema num filme homônimo, mas lançado no Brasil
com o título de Em Nome de Deus, de
1988, dirigido por Clive Donner, estrelado por Derek de Lint (Abelardo), Kim
Thomson (Heloísa) e Denholm Elliot (Fulbert). O filme fez muito sucesso nas
locadoras nos anos do boom do VHS. Na
poesia, ficou conhecida a frase do poeta Alexander Pope atribuída à Heloísa “eternal sunshine of the spotless mind”
(brilho eterno da mente pura), a qual foi recentemente utilizada no título de
um filme de Michel Gondry, estrelado por Jim Carrey, Kate Winslet e Kirsten
Dunst, lançado no Brasil com o título de “Brilho
Eterno de uma Mente sem Lembrança”. O
poema “Eloisa to Abelard” de
Alexander Pope foi incluído num apêndice na edição inglesa de Israel Gollancz
das cartas de Abelardo e Heloísa, de 1901 (p. 96-109).
Algumas reflexões
Numa época quando ouvimos tão frequentemente
sobre casos de pedofilia e de homossexualismo no meio religioso, sem punição,
nos indignamos ao saber de um casal que tentou o amor, em sua forma mais
natural, mas foi tão duramente punido. Se transpusermos o rigor da punição
recebida pelo casal medieval para os casos de pedofilia e de homossexualismo,
qual será a punição proporcional e equivalente para estes últimos casos? Será
que estes casos também não aconteciam na Idade Média? Se Abelardo foi castrado,
que punição mereceria um pedófilo naquela época?
O mausoléu de Abelardo e Heloísa |
A punição de Abelardo com a castração retrata
a mentalidade obsessiva da época medieval na Europa, quando a religião
(Cristianismo) dominava a vida das pessoas em tudo e para sempre, desde o
nascimento ao funeral, com isso o rigorismo moral regia a vida da sociedade. Não
existia outro tribunal de apelação, senão o da Igreja.
A lição que permanece deste trágico caso
medieval é que Abelardo e Heloísa, apesar das punições e do sofrimento, aos
quais foram submetidos, deixaram uma mensagem de triunfo sobre a religião, pois
o relacionamento que procuraram cultivar, o romance, continua vivo e
florescente até os dias de hoje, tanto nas vidas dos casais, como na poesia, na
literatura, no teatro, na música e no cinema; enquanto que o relacionamento com
deus, de lá para cá, só acumulou decadência, ou seja, a religião, de poder
regente e cultura dominante nas vidas das pessoas, transformou-se em subalterna
assistente e mera consoladora para os desamparados e desinformados
respectivamente. De modo que, o que encontramos nos dias de hoje não é mais a
religião dos tempos gloriosos, mas sim o resto da religião.
Bibliografia
BELLOWS,
Henry A. (tr.) Historia Calamitatum: The
Story of My Misfortunes. New York: Macmillan, 1972.
GILSON,
Etienne e Philotheus Boehner. História da
Filosofia Cristã. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 295s.
GOLLANCZ,
Israel (ed.). The Love Letters of Abelard
and Heloise. London: J.M. Dent and Co., 1901.
MEADE,
Marion. Stealing Heaven: The Love Story
of Heloise and Abelard. New York: E-rights/E-reads Ltd Publishers,
2010.
Não existe força maior que amor.
ResponderExcluiré preciso distinguir religião e fé. Religião, no caso, o catolicismo,
ResponderExcluirainda comete erros, porém fé num ser absoluto que energisa para o bem e a vida no caso Deus que faz o homem alçar sua mais profunda subjetividade penso que é outra coisa. ver kierkegaard.
Linda história!
ResponderExcluirLinda história!
ResponderExcluir