Octavio
da Cunha Botelho
(Obs: este textos está disponível em versão mais atualizada em:
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/08/marcha-para-jesus-quem-nao-marchar-direito-vai-preso-para-o-inferno/)
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No último Sábado aconteceu mais uma Marcha para
Jesus, desta vez no Rio de Janeiro, onde cerca de 250 mil fiéis se aglomeraram
para rezar, ouvir música gospel e protestar contra o atual texto do projeto de
lei que criminaliza o preconceito homossexual. Estas modalidades de concentrações
religiosas se tornaram frequentes nos últimos anos, algumas já chegaram a
reunir cerca de um milhão de pessoas em São Paulo. Assim, o estudo abaixo
procura comparar, de maneira descontraída, as semelhanças entre os movimentos
obedientes e imitativos das marchas militares com o pensamento submisso e o
comportamento imitativo dos participantes destas marchas religiosas.
Marcha:
imitação e sujeição ao ritmo
A palavra marcha tem diferentes
sentidos, pode ser até uma simples caminhada, não significando apenas aquele
conjunto gestual de movimentos semelhantes e simultâneos dos soldados,
conhecido como marcha militar, marcada ou não pelo acompanhamento musical de
uma banda. Agora, para uma marchar militar ser executada é necessária uma padronização
de movimentos executados simultaneamente, na qual cada soldado imita o
movimento do outro com rigorosa semelhança. Não existe margem para o improviso,
nenhum elemento pode ser criativo naquele momento, a sujeição e a obediência ao
ritmo, bem como à coreografia sincronizada são as propriedades da marcha
militar. Em suma, a sujeição ao ritmo e a imitação de movimentos são os fatores
que fazem a marcha militar efetiva.
Agora, não é esta marcha
gestualmente ritmada que caracteriza as marchas para Jesus, estas são
executadas em forma de caminhadas, com liberdade de movimentos físicos. Agora,
o que assemelha a marcha militar com a marcha para Jesus é a motivação
psicológica por trás da simples caminhada.
Não é difícil observar que, em
muitas pessoas, o sentimento de compartilhar o mesmo pensamento e o mesmo
comportamento com uma maioria lhes traz convicção e segurança de estar pensando
ou fazendo a coisa certa. É algo como nadar no sentido da correnteza, parece
que se está indo para o caminho certo, mas, na verdade, o nadador está sendo
levado, ele não tem absoluto controle sobre o seu destino. O instinto de
rebanho é estudado pelos psicólogos há décadas e consegue explicar muitas
reações irrefletidas. Enfim, todo instinto de rebanho é uma ato de imitação.
Quando alguém toma uma atitude assim na vida, costuma se chamar, na linguagem
popular, de “Maria vai com as outras” ou de “macaco de imitação”.
A
Marcha para Jesus costuma reunir um rebanho de submissos fiéis, que está ali
motivado pelo sentimento de que aquela multidão de coparticipantes lhe assegura
a convicção. Em outras palavras, o aglomerado lhe transmite o sentimento de que,
se tantas pessoas estão aqui e fazendo o mesmo que eu, então isto significa que
o que creio é verdadeiro e o que faço está correto. Pensar e fazer como os
outros é uma atitude de imitação que se assemelha à marcha militar. Assim como
na marcha militar a imitação assegura o bom desempenho coreográfico, também na
Marcha para Jesus a imitação de pensamento e de decisão assegura a convicção,
daí os frequentes delírios de fé dos participantes nestas ocasiões.
“Quem
não marchar direito vai preso pro inferno”
Muitos leitores devem ter brincado
com a seguinte cantiga na infância:
“Marcha soldado, cabeça de papel,
quem
não marchar direito vai preso pro quartel”.
Pode parecer cômico, mas o que aproxima esta cantiga com o que está sendo tratado aqui é a semelhança entre a imitação e a obediência. “Marchar direito” significa marchar como os outros, portanto o mesmo que praticar a imitação. Já, “não marchar direito” representa uma ato de desobediência, o qual, num ambiente coercivo como o militar e o religioso, implica em ir “preso pro quartel”, ou ir para o inferno respectivamente. Existem muitos paralelos que podem ser apontados entre a obediência militar e a obediência religiosa. Quando o hábito de imitação se torna muito enraizado, o mesmo assume um papel coercivo sobre a pessoa, ou seja, a sujeição ao hábito de imitação se torna uma imposição de obediência. Pessoas assim muito vulneráveis à submissão pensam que, evitar um hábito até parece uma desobediência, com isso criam uma personalidade submissa, tornando-se vítimas fáceis da manipulação alheia. Nenhuma outra instituição, exceto a religião, carrega tanto este espírito submisso do que o militarismo.
Esta
mentalidade em tudo contrasta com o espírito iluminista, definido nas conhecidas
palavras de Emanuel Kant: “O iluminismo é a saída do homem do estado de
minoridade que ele deve imputar a si mesmo. Minoridade é a incapacidade de
valer-se de seu próprio intelecto sem a guia de outro. Esta minoridade é
imputável a si mesmo se sua causa não depende de falta de inteligência, mas sim
de falta de decisão e coragem de fazer uso de seu próprio intelecto sem ser
guiado por outro. Sapare aude! Tem
coragem de servir-te de sua própria inteligência! Este é o lema do
iluminismo”.
Agora,
o interessante é a semelhança entre o militarismo e as igrejas cristãs, as
quais costumam chamar seus devotos de soldados, de modo que é frequente se
ouvir as denominações “Soldados de Cristo”, “Exército do Senhor”, etc. A força
com a qual as igrejas submetem seus devotos é muito parecida com a obediência
militar, sobretudo entre os militares de baixa patente. Pessoas tão submissas,
como estes soldados de Cristo, parecem, tal como na cantiga acima, ter “cabeça
de papel”, na qual estão escritas as ordens a serem obedecidas. As Marchas para
Jesus geralmente são convocadas pelos pastores, de modo que os fiéis (soldados
de Cristo), com suas cabeças de papel, respondem prontamente às ordens dos seus
guias e comparecem em imenso número a estes eventos. É impressionante o poder
de influência que os pastores têm sobre as “cabeças de papel”, elas temem que,
se não “marcharem direito irão presos pro inferno”. Pois, o ritmo da marcha é
ditado pelos pastores que, em seguida, é automaticamente seguido pela submissa
massa de seguidores, numa obediência e harmonia de movimentos que até parece
uma marcha militar, com isso esta submissão é capar de levar multidões para
estas concentrações religiosas.
Para
concluir, usando de uma metáfora, o que os participantes nestas marchas
religiosas precisam é apagar as inscrições, com as gravações dos comandos dos
pastores gravadas em suas cabeças de papel e, em seguida, escrever um novo
texto esclarecedor, que lhes mostre a decadência cultural da religião nos
últimos séculos, fazendo assim que suas cabeças de papel se transformem em
cabeças de verdade e, com isso lhes habilite reconhecer a inutilidade da cultura
religiosa para a atualidade.
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