por Octavio da Cunha Botelho
(Obs: este estudo está disponível em versão mais atualizada em:
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/02/a-bibliolatria-dos-sikhs-por-seu-livro-guru/)
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/02/a-bibliolatria-dos-sikhs-por-seu-livro-guru/)
O Harimandir Sahib, mais conhecido como Golden Temple, o principal gurdwara (templo) sikh, com o Akal Takht ao fundo, situados em Amritsar, no Punjab, Índia |
Se alguns acham que a admiração dos
cristãos pela Bíblia é exagerada, certamente reconhecerão que esta não é tanta
após conhecer a fanática adoração dos sikhs
pelo seu livro sagrado, o Guru Granth Sahib.
O Sikhismo é uma religião pouco conhecida no Brasil, mas já é considerada como
uma das maiores religiões tradicionais da atualidade. Mesmo sendo desconhecida
por aqui, será interessante conhecer este fenômeno de bibliolatria que, até o
ponto que podemos comparar, é o exemplo mais extremista conhecido na história
das religiões. A veneração e o zelo pelo seu livro sagrado são tão grandes, que
algumas circunstâncias chegam a ser cômicas, sobretudo para as pessoas desacostumadas
com os escrúpulos exóticos que cercam a sua adoração. A pompa e o protocolo de
adoração pelo livro são práticas incomparáveis. Enfim, o tratamento é idêntico
ao da veneração de um ídolo ou ao da reverência por um rei.
O que é bibliolatria
As definições variam de um
dicionário para outro, de modo que aqui a palavra será utilizada no sentido etimológico
da combinação dos termos gregos biblion
(livro) e latreia (adoração),
portanto: adoração a um livro, para diferenciar de bibliofilia (amor ao livro),
este último no sentido de amor aos livros em geral; enquanto bibliolatria é a
veneração pelo conjunto das mensagens de um livro em particular. Trata-se de um
conceito próximo ao de idolatria (adoração a um ídolo), diferenciando-se quanto
ao objeto de adoração. Sendo assim, um colecionador de livros pode ser um
bibliófilo, mas não é um bibliolatra, do mesmo modo que um religioso que venera
fanaticamente um livro sagrado é um bibliolatra, mas não é um bibliófilo. O
fenômeno é mais comum no meio religioso, porém não é generalizado. Existiram
muitas religiões antigas que não possuíram literatura escrita, preservando os
ensinamentos apenas oralmente. Ademais, os místicos em geral (iogues, sufís,
hesicastas, praticantes de Zen, etc.) atribuem menor importância às escrituras,
pois, para eles o mais importante é a experiência obtida das práticas
meditativas.
Leitura da Torá com o uso do yad, a superfície das páginas não pode ser tocada pelos dedos do leitor. |
Portanto, o grau de bibliolatria
varia de uma tradição religiosa para outra, conforme a importância atribuída às
escrituras sagradas. Existem os casos
curiosos de religiões que floresceram, por alguns séculos, em sociedades
culturalmente desenvolvidas, tais como as religiões grega e romana, mas não
possuíram escrituras sagradas. Por outro lado, o Judaísmo e o Cristianismo iniciaram
o registro de seus ensinamentos bem cedo, por isso ficaram conhecidos como
“religiões do livro”. Os judeus e os cristãos são mencionados como “Povos do
Livro” no Alcorão 4:153 e 159, 57:29, 59:01 e 11 (Haleem, 2005: 64-5, 361 e
365-6).
Da mesma maneira que a veneração
pelas escrituras sagradas, as críticas às mesmas também são recebidas de forma
variada nas religiões. Enquanto o Cristianismo já puniu os hereges que ofendiam
a Bíblia, durante o período da Inquisição, e os atuais mulçumanos radicais
perseguem os ofensores do Alcorão, os hindus, por exemplo, sempre foram muito
tolerantes diante das críticas de suas escrituras. Para eles, muito mais grave
do que criticar as escrituras é desrespeitar um costume hindu ou um símbolo
sagrado.
O ritual de leitura da Torá
Quando avaliamos as coisas e as
pessoas em geral, levamos em conta a comparação, ou seja, tomamos um item como
referência para, então, compará-lo com outros e daí avaliarmos. Em outras
palavras, sempre utilizamos um item de referência para avaliar os outros. Sendo
assim, o ritual judeu da leitura da Torá (Kriat
há-Torah), quando comparado com a extravagante veneração dos sikhs pelo seu livro sagrado, o Guru Granth Sahib, não chega a ser um
ato de bibliolatria. Enquanto que, para aqueles que não conhecem as práticas sikhs, e mais ainda para um cético, este
ritual judeu parecerá um exagerado ato de fanatismo por um livro. Enfim, conforme
o item de comparação utilizado, o resultado da avaliação é alterado. Entretanto,
mesmo assim, justifica mencioná-lo aqui, pois, excetuando os sikhs, trata-se da mais zelosa prática
de adoração a uma escritura sagrada que temos conhecimento nas seis grandes
religiões tradicionais (Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo, Judaísmo e
Sikhismo) da atualidade. Trata-se de um ritual relativamente cerimonioso para a
leitura da Torá (Kriat ha-Torah) na
sinagoga, o qual acontece nas manhãs e nas tardes do culto de Sábado, nas
manhãs de Segunda Feira e de Quinta Feira, nos festivais, nos dias de jejum e
no mês de Rosh Chodesh. Refere-se à
cerimônia de retirar o rolo do pergaminho da Torá (Sifrei Torah) da sua Arca, da leitura de seus trechos, com uma
entoação especial, e a colocação de volta na Arca. A Torá é guardada numa
escrivaninha ornamentada denominada Aron
Kodesh (Arca), reservada exclusivamente para este fim. Em geral, orações
são entoadas durante este procedimento. Em alguns seguimentos do Judaísmo, o
rolo de pergaminho da Torá (Sifrei Torah)
é erguido diante dos presentes antes da leitura, e em outros seguimentos é
erguido após a leitura.
O Kriat ha-Torah, o ritual de leitura da Torá |
O Sikhismo
A religião não é muito conhecida no
Brasil, mas para a surpresa de muitos, já se tornou a quinta religião com o
séquito mais numeroso no mundo, atrás apenas do Cristianismo, do Islamismo, do
Hinduísmo e do Budismo, portanto na frente até do Judaísmo, bem como
internacionalizada, sobretudo em virtude da diáspora para os países de língua
inglesa (EUA, Reino Unido e Canadá). Os números podem variar conforme a fonte, no
entanto, levantamentos mais recentes revelam um total de 24 milhões de sikhs no mundo, sendo 16 milhões no Punjab indiano, mais 8 milhões no resto
da Índia e no exterior (Singh, 2009: 08).
Mesmo não sendo uma religião proselitista,
pois o Sikhismo é uma tradição étnica, o seu séquito tem crescido nos últimos
anos, ao ponto de já ser considerada, pelos estudiosos, como uma das grandes
religiões da atualidade (Shackle, 2002: 70-85 e Nesbitt, 2007: 118-67). Apesar
de ser uma religião étnica, os sikhs
eventualmente aceitam convertidos. Não é muito intelectualizada, portanto não
possui uma teologia complexa como o Cristianismo, o Islamismo ou o Judaísmo,
tampouco uma extensa literatura exegética como o Hinduísmo e o Budismo.
Imagem do Guru Nanak Dev (1469-1539), fundador do Sikhismo |
Sikhismo é uma religião monoteísta fundada no
século XVI e.c. O fundador foi Guru Nanak
Dev, nascido em uma família da alta casta hindu do Punjab, Índia, em 1469. Ele foi instruído na tradição hindu por um
mestre da sua aldeia, bem como também frequentou uma escola mulçumana, onde
adquiriu uma quantidade de conhecimento dos ensinamentos islâmicos e alguma
informação sobre as línguas árabe e persa. Por volta da idade de dezesseis
anos, Nanak tornou-se um contador na
residência de um importante oficial muçulmano na aldeia de Sultanapur. Ele reuniu em torno de si um grupo de seguidores que
costumavam banharem-se juntos em um rio antes do amanhecer todos os dias, e se
encontravam em sua casa à noite para cantar canções religiosas que ele tinha
composto. Um dia ele não retornou para casa após o banho matinal. Seus amigos
encontraram suas roupas nas margens do rio e dragaram a água na tentativa de
encontrar seu corpo. Três dias depois, Nanak
reapareceu. Ele disse: “não há nem hindu nem mulçumano, assim qual caminho devo
escolher? Eu devo seguir o caminho de deus. Deus não é hindu nem muçulmano, e o
caminho que eu sigo é deus”. Mais tarde ele explicou que, durante o tempo em
que estava desaparecido, ele tinha sido levado até a presença de deus, onde ele
tinha recebido uma taça de néctar e uma mensagem de deus para sair pelo mundo
para ensinar a repetição do nome de deus e as práticas da caridade, da
meditação e da adoração.
Nanak
viajou muito para divulgar sua mensagem religiosa. Ele realizou quatro viagens,
visitando Assam no leste, Sri Lanka no sul, Ladakh e Tibete no norte, e Meca, Medina e Bagdá no oeste. Os
seguidores de Nanak começaram a se
autodenominarem de sikhs
(discípulos). Nanak enfatizava que
havia somente um deus. Embora ele observada a sua revelação como transcendendo
o Hinduísmo e o Islamismo, seus ensinamentos incluíam ideias hindus tais como a
lei do karma, a reencarnação e a
suprema realidade do mundo. Ele reforçava que o único papel de guru era a
necessidade de conduzir as pessoas até deus. Ele estimulava seus seguidores a
meditar, a adorar deus e a cantar hinos de louvor.
De acordo com o Sikhismo, o propósito supremo
da religião á a união com deus através de sua presença na alma humana.
Recebendo a graça divina deste modo, os seres humanos ficam livres do ciclo de
nascimentos e renascimentos, e então passa para além da morte para alcançar um
reino infinito e eterno de bem aventurança. O ensinamento de Nanak oferece um claro e simples caminho
para a salvação. Meditando no divino nome, os seres humanos são purificados de
suas impurezas e se tornam aptos a ascender, cada vez mais, até que eles
alcancem a união com o ser eterno. Os sikhs
sustentam que o sofrimento no mundo surge como resultado da separação entre a
humanidade e deus (Lewis, 2001: 239-40). Em suma, o Sikhismo é uma mistura
simplificada de Hinduísmo e Islamismo.
Guru Gobind Singh (1666-1708), o décimo guru, encerrou a linhagem dos gurus humanos e nomeou o Guru Granth Sahib como o 11º guru. |
Perto do fim da sua vida, Nanak assegurou que os seus ensinamentos
não morreriam, mas sobreviveriam e se tornariam uma religião. Ele então indicou
um sucessor, deixando de lado os seus dois filhos, os quais ele considerou
inapropriados para a sucessão. O indicado foi Lehna, depois batizado de Guru
Angad Dev, quem se tornou o segundo guru da linhagem dos dez gurus sikhs, todos eles altamente
reverenciados no Sikhismo, veja a relação abaixo:
1º-
Guru Nanak Dev (1469-1539)
2º-
Guru Angad Dev (1504-1552 e.c.) –
guru 1539-52 e.c.
3º-
Guru Amar Das (1479-1574 e.c.) – guru
1552-74 e.c.
4º-
Guru Ram Das (1534-1581 e.c.) – guru 1574-81
e.c.
5º-
Guru Arjan Dev (1563-1606 e.c.) –
guru 1581-1606 e.c.
6º-
Guru Hargobind (1595-1644 e.c.) – guru
1606-44 e.c.
7º-
Guru Har Rai (1630-1661 e.c.) – guru 1644-61
e.c.
8º-
Guru Krishan (1656-1664 e.c.) – guru 1661-64
e.c.
9º-
Guru Tegh Bahadur (1621-1675 e.c.) – guru
1664-75 e.c.
10º
Guru Gobind Singh (1666-1708 e.c.) –
guru 1675-1708 e.c. (Field, 1914: 09-35; Scott, 1930: 17-33; Lewis, 2001:
240-1; Cole, 2005: 19-43 e Singh, 2009: 34)
Esta é a linhagem dos dez gurus humanos da
tradição sikh, pois o 11º guru,
nomeado pelo 10º guru, Gobind Singh,
logo antes da sua morte em 1708 e.c., não é humano, mais sim um livro, o texto
sagrado dos sikhs, o Guru Granth Sahib, o qual passou a ser o
guru eterno (Mann, 2001: 03). Por isso a palavra guru foi acrescida ao título
do livro. Um fato muito excepcional e curioso na história das religiões: um
livro dando prosseguimento a uma linhagem de gurus humanos. Em virtude disto, a
admiração e a adoração dos sikhs pelo
seu “livro-guru” é excepcional e sobrepuja à de qualquer outra religião. O zelo
é tanto que, como será visto mais adiante, poderia ser chamado de bibliolatria.
Gurdwara,
o templo sikh
O interior de um gurdwara (templo sikh) |
O principal gurdwara é o Harimandir Sahib,
mais conhecido como Golden Temple, na
cidade de Amrtisar, no estado do Punjab, Índia. Sua beleza o transformou
em um dos cartões postais deste país asiático e local de atração de milhares de
turistas. Sem dúvida, uma das mais belas obras da arquitetura sacra do mundo. Enfim,
o Sikhismo está entre as religiões mais fastuosas do mundo (Singh, 2009:
98-108).
O Guru Granth Sahib, o livro-guru
Ele é a mais alta autoridade
espiritual no Sikhismo e é tratado como se fosse um guru vivo, o qual possui,
invariavelmente, 1430 páginas de extensão e está escrito em versos. É um
extenso livro de poesia rítmica. A rigor, trata-se de uma compilação de hinos e
poesias devocionais dos cinco primeiros gurus, do nono guru, dos poetas sikhs e os Bhagat Bani, das composições dos poetas Kabir, Baba Farid e Ravidas. O texto atravessou um longo
processo de acréscimos, à medida que um guru acrescia as suas composições às
dos gurus anteriores já então canonizadas. A compilação final foi feita pelo
décimo guru Gobind Singh, em 1708
e.c. (Cole, 2004: 78).
Antes do estabelecimento deste livro
como o 11º guru, o texto se chamava Adi
Granth (Livro Original). Gobind Singh,
após fazer mais uns acréscimos e decretá-lo o 11º guru, colocando então um fim
à linhagem humana dos gurus sikhs,
denominou o livro de Guru Granth Sahib
(Livro do Deus Mestre), assim, com esta decisão inusitada, elevou o status do Adi Granth de mero livro sagrado para o
de livro-guru. Parece que o nome anterior de Adi Granth foi dado pelo 5º guru Arjan Dev, o qual foi o primeiro grande compilador, nos anos de
1603-4, quando compilou os hinos dos gurus anteriores. O que o levou a se
apressar na compilação de uma versão canonizada foi o fato seu pai, o guru Ram Das, o quarto guru, ter excluído
seus dois filhos mais velhos e escolhido seu filho mais novo, Arjan, como sucessor. Porém, aconteceu
que, o irmão mais velho de Arjan e
seu filho estavam compondo hinos em nome de Guru
Nanak. Então, Arjan temeu que as
composições de seus predecessores fossem confundidas e, daí se apressou em
compilar uma versão autorizada do Adi
Granth, o qual mais tarde se chamaria Guru
Granth Sahib (Singh, 2009: 39).
O Guru Granth Sahib, o livro-guru dos sikhs, tem que ter rigorosamente 1.430 páginas e é publicado por uma única gráfica no mundo |
Este livro-guru reúne mais de 5.200
hinos e mais de 400 dísticos (versos com duas linhas) de autoria dos gurus sikhs, dos santos-poetas e dos sufís
islâmicos. As contribuições estão distribuídas da seguinte maneira: Guru Nanak
974 hinos; Guru Angad 62 hinos; Guru Amar Das 907 hinos; Guru Ram Das 638 hinos; Guru Arjan 2.218 hinos; Guru Tegh Bahadur 59 hinos e mais 56 dísticos
(versos em duas linhas) acrescentados por Guru
Gobind Singh. Os santos-poetas contribuíram com 409 hinos e 373 dísticos, os
sufís islâmicos com um número bem menor. O principal colaborador entre os
santos-poetas foi o poeta Kabir com
292 hinos e 243 dísticos (Singh, 2009: 39).
A língua na qual está registrado o Guru Granth Sahib é uma mistura de
dialetos falados no norte da Índia no período medieval, cujo nome é Sant Bhasha (Língua Sagrada). Gurinder
Singh Mann explica que “é uma espécie de língua franca usada pelos
santos-poetas medievais do norte da Índia”. E continua: “Mas, o amplo horizonte
de colaboradores ao texto produziu uma complexa mistura de dialetos regionais.
Os gurus sikhs usaram a língua punjabi em muitos de seus hinos, mas,
tal como os outros colaboradores, eles também usaram elementos do Apabhramsha (um dialeto tardio do
sânscrito), a Braj Bhasha (a língua
da região Braj em trono de Mathura), a Hindi (a língua falada em Delhi)
e uma punjabi fortemente influenciada
pela língua persa. Tudo isto faz do Adi
Granth (depois denominado Guru Granth
Sahib) um rico repertório de dialetos que eram prevalecentes no norte da
Índia medieval” (Mann, 2001: 05). Quanto ao alfabeto, no qual esta língua foi
registrada no Guru Granth Sahib, G.
Singh Mann esclarece: “Desde o início, os manuscritos sikhs foram registrados em uma escrita distinta, a Gurumukhi (literalmente, ‘da boca do
guru’), a qual contêm trinta e cinco letras. A escrita já existia numa forma
elementar antes que os sikhs
apropriassem dela para registrar seus escritos e, durante o processo,
modificaram as formas de diversos de seus caracteres e desenvolveram um
complexo sistema para o seu uso. Os sikhs
atribuem a ela um alto grau de santidade. Para Guru Nanak, o status da Gurumukhi
para os sikhs corresponde a aquele da
árabe e da Devanagari, as escritas
sagradas dos mulçumanos e dos hindus respectivamente” (Mann, 2001: 05).
A leitura do livro-guru dos sikhs é tão estimada, que existe um
cargo especial para tal tarefa, o Granthi
(leitor, o qual às vezes exerce também a função de zelador da Gurdwara). Diferente de outras religiões
tradicionais, qualquer pessoa pode lê-lo e ser um granthi (leitor) do Guru
Granth Sahib, inclusive mulheres (Cole, 2004: 13). A leitura é feita em voz
alta, em ritmo melodioso e acompanhada de instrumentos musicais, portanto,
estritamente falando, o livro não é apenas lido em voz alta, mais sim cantado.
O zelo na publicação do Guru Granth Sahib
O cuidado dos sikhs pela preservação da fidelidade da redação do seu livro-guru
sagrado é tão minucioso, que a tarefa de publicá-lo é uma exclusividade da
comunidade sikh. Ninguém pode traduzi-lo
ou editá-lo sem a expressa autorização do Parlamento dos Sikhs (Shiromani Gurdwara
Parbandhak Committee-SGPC), um órgão responsável pela administração dos gurdwaras (templos sikhs) e por outros assuntos da comunidade sikh. Não é como a Bíblia, cuja publicação é feita por centenas de
editoras cristãs espalhadas pelo mundo. Ao contrário, só existe uma editora oficial
do Guru Granth Sahib, a qual funciona
no interior do Gurdwara Ramsar Sahib,
Amrtisar, Índia, embora a ocorrência
de publicações clandestinas seja flagrante, inclusive na Internet.
O Guru Granth Sahib sendo carregado sobre a cabeça, durante o ritual de cremação do livro (Agan Bhet Seva) |
Toda edição tem que ter exatamente 1.430
páginas, qualquer publicação diferente deste número é considerada ilegítima. No
caso de defeito de páginas durante o processo de impressão, parece
inacreditável, mas a admiração pelo livro é tamanha que, os responsáveis pela
publicação realizam uma cerimônia de cremação, conhecida como Agan Bhet Seva, para as páginas
danificadas, ou seja, aquelas rejeitadas que não serão aproveitadas, uma vez
que as páginas danificadas não podem ser descartadas desrespeitosa e
informalmente, em virtude da sacralidade do livro, daí a necessidade de uma
cerimônia de cremação para as páginas descartadas. Esta cerimônia também é
efetuada no caso de exemplares envelhecidos que precisam ser desfeitos. Isto é
o que se pode chamar de admiração extremada por um livro.
O cuidado com a preservação da redação é
também rigoroso, nada pode ser alterado ou omitido no texto, quer seja nas
frases, nas palavras, na pontuação, na gramática, no significado, tampouco a
troca por sinônimos sem a autorização do SGPC (Mann, 2001: 125-9). A reprodução
precisa ser rigorosamente idêntica. Alterações, só com a autorização do SGPC. Todo
este cuidado para manter a originalidade do texto. Entretanto, apesar de todo
este rigor, algumas poucas traduções já foram autorizadas pelo SGPC (Cole,
2004: 83-5).
A bibliolatria pelo
livro-guru
A admiração e o zelo dos sikhs pela sua escritura sagrada são
incomparáveis, não existe paralelo na história das religiões. Todo devoto deve
aproximar-se ao Guru Granth Sahib com
a cabeça coberta e os pés descalços, bem como curvar-se, em algumas ocasiões tocando
a testa no chão, em sinal de reverência. Quer num gurdwara publico ou doméstico, o livro tem de ser colocado numa
posição central, na qual permaneça como o principal objeto de veneração no
templo. Não pode ser colocado num local onde exista um piso superior, pois ninguém
poder caminhar acima do livro sagrado, portanto gurdwaras (público e doméstico) não podem funcionar em prédios e em
sobrados. Durante os cultos, todos os devotos, exceto o granthi (leitor), devem permanecer sentados no cão, uma vez que ninguém
pode permanecer com a cabeça numa altura superior a do livro sagrado. Assim também,
quando está sendo transportado, o mesmo tem que ser levado sobre a cabeça em cima
de um pano de seda (rumala) ou de uma
almofada, pois, do mesmo modo, o livro não pode permanecer abaixo das cabeças
dos devotos.
Luxuoso Takht (trono) que abriga o Guru Granth Sahib no interior de um gurdwara |
Ademais, no interior do gurdwara, o livro-guru não pode ser
colocado em qualquer lugar e de qualquer jeito, pois existe uma série de exigências,
zelos e protocolos para a sua instalação e o seu uso. O livro sagrado é
colocado no centro da gurdwara, com todos
os atributos de realeza, sobre uma luxuosa plataforma (manji sahib), também denominada de takht (trono), coberta por um ornamentado dossel (palki sahib), este último cercado por ricas
cortinas dos quatro lados e, então o livro-guru é colocado sob um luxuoso pano
de seda (rumala), para protegê-lo do
calor, da poeira e da poluição, quando não está sendo lido. Durante o ato de leitura do Guru Granth Sahib em cerimônias
públicas, um devoto abana o livro com um abanador (chaur) para limpar o ar e protegê-lo de insetos e da poeira.
Em geral o culto sikh termina com a abertura ao acaso do
livro-guru em uma página e a leitura do hino encontrado no topo da página
esquerda que foi aberta, esta prática é denominada hukam, e tem um significado oracular.
Zelo e protocolos que devem
ser observados diante do livro-guru
a) Para
o oficiante do culto ao Guru Granth Sahib
-
A cabeça deve permanecer coberta o tempo todo
-
Os sapatos devem permanecer no lado de fora do salão de culto
-
Observar padrões básicos de higiene
-
Se o oficiante tiver que ir ao toilet,
terá de banhar-se e trocar de roupa antes de retornar para a continuação do
culto
-
Quando estiver lendo o livro sagrado, o granthi
(leitor|) deve cobrir a boca, com um fino pano, para não lançar saliva sobre o
mesmo
-
Não pode beber e comer durante o culto
-
Não se pode fazer conversas paralelas durante o culto.
b) Quando
estiver na proximidade do livro-guru
-
A cabeça deve estar coberta
-
Os sapatos removidos
-
Quando o livro sagrado passar, deve-se demonstrar respeito e reverência
c) O
ambiente
- -O
livro-guru deve ser colocado sempre em um cômodo separado, bem ventilado e
independente
-
O chão, as paredes e o teto devem estar limpos e lavados, bem como decorados
-
O livro sagrado deve ser colocado em uma manji
sahib (plataforma luxuosa) ou num takht
(trono)
-
Um dossel (palki sahib) deve sempre ser
colocado sobre o livro-guru
-
Um pano apropriado deve ser colocado no trono (takht) do livro, no verão, um pano fino, no inverno, um pano mais
quente
d) O
transporte
-
O livro-guru só pode ser transportado sobre a cabeça
-
Quando transportado, cinco servidores (singhs)
acompanham o livro-guru.
-
Estes servidores (singhs) devem
permanecer descalços
-
Um dos servidores deve abanar (chaur
sahib seva) o livro-guru
-
Outro servidor deve ir à frente espargindo água ou pétalas de flores molhadas
sobre o livro
-
O servidor (singh) principal, o qual
carrega o livro, deve colocar um pano de seda (rumala) sobre o turbante antes de cuidadosamente colocar o livro-guru
sobre sua cabeça.
-
A todo o momento o livro-guru deve estar coberto com uma rumala (pano de seda)
-
Os outros dois servidores cantam ao lado do servidor principal, um do lado esquerdo
e o outro do lado direito
-
Durante o trajeto, gongos e outros instrumentos musicais devem ser tocados, ou
a entoação de cantos
-
Quando transportado de carro, carregar o livro-guru sobre a cabeça ou no colo,
em cada caso, um limpo rumala deve
ser colocado abaixo do livro
e) Outras
regras
-
O livro-guru nunca deve ser guardado em armários e em guarda-louças
-
Ninguém deve se sentar acima da altura de onde o livro-guru está instalado
-
À noite, o livro-guru deve ser colocado numa cama separada ou num pequeno dossel
independentes.
Obras
consultadas
COLE,
W. Owen. Understanding Sikhism.
Edinburgh: Dunedin Academic Press, 2004.
CUNNINGHAN,
Joseph Davey. A History of the Sikhs:
From the Origin of the Nation to Battles of the Sutlej. Humphrey: Oxford
University Press, 1918.
FIELD,
Dorothy. The Religion of the Sikhs.
London: John Murray, 1914.
GLINERT,
Lewis. The Joy of Hebrew. London/New
York: Oxford University Press, 1992, p. 122.
HALEEM,
M. A. S. Abdel. The Qur´an. London/New
York: Oxford University Press, 2005.
LEWIS,
James R. Odd Gods; New Religions and the
Cult Controversy. Amherst: Prometheus Books, 2001, p. 239-56.
MACAULIFFE,
Max Arthur. The Sikh Religion: Its Gurus,
Sacred Writtings and Authors (6 volumes). Oxford: Clarendon Press, 1909.
MANN,
Gurinder Singh. The Making of Sikh Scripture.
London/New York: Oxford University Press, 2001.
MCLEOD,
W. H. Discord in the Sikh Panth em The Journal of the American Oriental
Society, vol. 119, issue 03, July-September 1999, p. 381.
NESBITT,
Eleanor. Sikhism em Ethical Issues in Six Religious Traditions.
Peggy Morgam and Clive Lawton (eds.). Edinburgh: Edinburgh University Press,
2007, p. 118-67.
SCOTT,
George Batley. Religion and Short History
of the Sikhs: 1469 to 1930. London: The Mitre Press, 1930.
SHACKLE,
Christopher. Sikhism em Religion in the Modern World: Traditions and
Transformations. Linda Woodhead et. al. (eds). London: Routledge, 2002, p.
70-85.
SINGH,
Nikky-Guninder Kaur. Sikhism. New
York: Chelsea House Publishers, 2009.
Website:
O
Guru Granth Sahib em inglês: http://www.sacred-texts.com/skh/granth/index.htm
Waheguru ji ka khalsa Waheguru ji ki fateh
ResponderExcluirSou Ratandeep Kaur, brasileira sikh
Em nome dos sikhs sou grata .......
Matéria de grande valor .......
ਵਾਹਿਗੁਰੂ ਜੀ ਕਾ ਖਾਲਸਾ ਵਾਹਿਗੁਰੂ ਜੀ ਕੀ ਫਤਿਹ
Olá, sou Brasileiro também, queria saber um pouco mais sobre a religião, e queria muito ler o livro, onde posso encontrá-lo o livro !?
Excluir