quarta-feira, 30 de maio de 2012

|ESTUDO| Os Irmãos de Jesus: Um Breve Estudo Crítico-textual


Octavio da Cunha Botelho





(Obs: este estudo está disponível em uma versão mais atualizada em:
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/03/os-irmaos-de-jesus/)


            A discussão abaixo tem relações com o assunto do artigo “A Mãe de Deus é Filha de um Casal em Desespero” postado aqui em 16/05/2012, uma vez que toca no assunto da perpétua virgindade de Maria, pois se confirmada a existência dos irmãos de Jesus, como filhos de sua mãe, este dogma torna-se uma impossibilidade. As opiniões se dividem e o estudo seguinte procura apresentar os argumentos prós e contras, a partir dos textos, sobretudos os canônicos, visto que não existe confirmação, asseguradamente comprovada, fora das citações textuais, da existência dos irmãos de Jesus. Assim, o artigo abaixo é, de certa maneira, um estudo crítico-textual.
Numa época e numa região nas quais o registro de eventos era muito precário, o estudo abaixo terá de se limitar às poucas referências textuais dos autores de evangelhos (canônicos e apócrifos), nem sempre fidedignas, para mostrar o que é possível crer de suas escassas e dúbias informações, muitas vezes imprecisas e ambíguas que, em decorrência destas imprecisões, abriram espaço para a manipulação de interpretações teológicas, mais do que para a preocupação com a fidelidade histórica.

Uma controvérsia que iniciou logo nos primeiros anos

            O fato de Jesus ter tido ou não irmãos e irmãs é uma discussão antiga. A controvérsia foi ardente nos primeiros anos do Cristianismo, sobretudo a partir do instante em que o mito da eterna virgindade de Maria começava a se firmar como um dogma consolidado da ortodoxia cristã. Parece que o primeiro grupo a desaprovar foi a seita dos ebionitas, uma corrente de judeus cristãos que sustentava a opinião de que Jesus era filho biológico de José e Maria, portanto nem sequer aceitava a imaculada concepção de Maria e o nascimento milagroso de seu filho. Por outro lado, o principal personagem para a consolidação do dogma da perpétua virgindade de Maria foi Jerônimo (347-420 e.c.), o autor da conhecida tradução latina da Bíblia (Vulgata), através de sua obra Adversus Helvidius (Contra Helvídio), mais comumente traduzida como The Perpetual Virginity of Blessed Mary (A Perpétua Virgindade da Abençoada Maria), em razão de que ele aproveitou as críticas a Helvídio para também desenvolver seus argumentos em favor da perpétua virgindade de Maria (Fremantle, 1892: 334-46). Em virtude de seu prestígio na ocasião, Jerônimo conseguiu persuadir muitos cristãos e seu ponto de vista ajudou a consolidar ainda mais o dogma da eterna virgindade de Maria, cujo reconhecimento foi homologado pelos concílios subsequentes.
            Após Jerônimo, a discussão esfriou e somente retornou à tona muitos séculos depois através dos autores protestantes ‘pós-reforma’, uma vez que Lutero, Calvino, Zwingli e outros primeiros reformadores protestantes reconheceram a perpétua virgindade de Maria. Atualmente, o quadro é mais ou menos o seguinte, as igrejas que ainda aceitam o dogma da perpétua virgindade de Maria (aeiparthenos – sempre virgem, como é conhecida pelos devotos das igrejas Ortodoxa e Oriental) são: a Igreja Católica, a Ortodoxa, a Anglicana, as Igrejas Orientais e alguns grupos protestantes conservadores. As que não aceitam são muitas igrejas protestantes, número extenso demais para ser enumerado aqui.

Os irmãos e as irmãs de Jesus no Novo Testamento canônico

            Quando este assunto surge, as discussões são acaloradas, em razão das claras e explícitas referências aos irmãos e às irmãs de Jesus nos textos canônicos, inclusive citação dos nomes dos irmãos, sobretudo por conta dos argumentos impetuosos dos defensores da Virgem Maria. A menção mais clara aparece num momento em que Jesus pregava para um grupo de ouvintes que o aclamava, então um conterrâneo perguntou surpreso ao ver a pregação de alguém familiar: “Não é este o filho do carpinteiro? Não é Maria sua Mãe? Não são seus irmãos: Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs, não vivem todas entre nós? (Mt. 13:54-5 e Mc. 6:03).
            A primeira pergunta que surge com a leitura desta passagem é saber se os irmãos especificados e as irmãs mencionadas são filhos de Maria ou de José de um casamento anterior. As opiniões dos intérpretes se dividem. Se os filhos são de Maria, ou seja, irmãos de sangue de Jesus, significa que ela e José tiveram uma vida conjugal e geraram filhos após o nascimento de Jesus, com isso a perpétua virgindade de Maria torna-se impossível.  Se estes são filhos de José de um casamento anterior, o Novo Testamento é omisso, só existem referências à paternidade de José, antes do seu encontro com Maria, num texto apócrifo, tal como será visto em seguida.
            As palavras irmãos e irmãs no texto grego consultado desta passagem são: adelfoi, que Jerônimo traduziu na Vulgata como fratres, e adelfai (Vulgata: sorores) respectivamente. Na tentativa de defender a eterna divindade de Maria, Jerônimo argumentou que estes irmãos e irmãs de Jesus não são filhos de Maria, sua mãe, mas de outra Maria, mulher de Cléofas (Fremantle, 1892: 340-1), a qual estava presente junto a Jesus crucificado, com Maria mãe de Jesus e Maria Madalena (Jo. 19:25). Existe nesta passagem uma confusão de Marias. Outro argumento muito utilizado, pelos defensores da perpétua virgindade de Maria, é o de que estes irmãos e irmãs são, na verdade, primos de Jesus, quer sejam pelo lado do seu pai ou da sua mãe. Na seguinte passagem do Evangelho de João: “Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas e Maria Madalena” (Jo. 19:25), é mencionada que Maria, mãe de Jesus, tinha uma irmã, mas a passagem é confusa, nem sequer os textos em grego e em latim auxiliam no esclarecimento, uma vez que não é possível saber qual frase é sujeito ou aposto. Ou seja, se a frase “Maria, mulher de Cléofas” é aposto de “a irmã de sua mãe”, pois sendo assim, Maria, a mãe de Jesus, teria uma irmã com o mesmo nome, fato muito improvável, de modo que o mais provável é que sejam pessoas distintas. Mesmo assim, alguns autores até acreditam que Maria, a mãe de Jesus, teve uma irmã, também chamada Maria, e que as passagens com a menção dos nomes dos irmãos de Jesus (Mt. 13:54-5 e Mc. 6:03) se referem aos seus primos, ou seja, aos filhos da Maria irmã da Maria, mãe de Jesus. O que os intérpretes cristãos não são capazes de inventar para defender suas crenças ridículas!
            Outro argumento é o de que a antiga língua aramaica, a qual era falada na época, não possuía uma palavra específica para primos, de modo que era usada uma palavra mais genérica que incluía ambos, primo e irmão no seu significado. Os textos grego e latino não observaram esta homogeneidade. A língua grega possui uma palavra para primo (anepsios) e outra para irmão (adelfos), de maneira que os tradutores gregos traduziram como adelfoi (irmãos). Esta palavra grega adelfoi (irmãos) só pode ser no sentido de irmãos de sangue, uma vez que é formada de “a” (mesmo) e “delphys” (útero), portanto o significado etimológico é “do mesmo útero”. Bart D. Ehrman é da opinião de que Jesus teve irmãos, filhos de Maria (Ehrman, 1999: 99). O argumento da inexistência de uma palavra específica para primo na língua aramaica é fraco, uma vez que na época e na região já existia o senso e a especificação dos membros da família era necessária. E caso não o tivesse, teriam de importar do grego ou do latim para o seu vocabulário, a fim de usar nos sensos. Ademais, no vocabulário de qualquer língua, quer sejam até as mais primitivas, os nomes de familiares são os primeiros a surgirem, por se tratar de um uso tão frequente. Portanto, é impossível que uma língua com tantos falantes, que já tinha até escrita, não tivesse uma palavra para diferenciar um primo de um irmão.
             Ainda outro argumento é o de que estes não eram irmãos de sangue de Jesus, mas sim irmãos no sentido afetivo de partidários. Segundo os defensores desta hipótese, era comum naquela região chamar um colega de irmão, algo como uma denominação coletiva, para incentivar o espírito de coleguismo, entre membros de um grupo de colegionários. Porém, o argumento não se encaixa na passagem acima, uma vez que ela diferencia a mãe, os irmãos e as irmãs de Jesus, do contrário poderia ter agrupado todos (mãe, irmãos e irmãs) sob a denominação coletiva de irmãos. Também, uma passagem do Evangelho de João contraria este argumento, quando seus irmãos disseram a Jesus na tentativa de evitá-lo: “Parte daqui e vai para a Judéia, a fim de que também os seus discípulos vejam as obras que fazes. Pois quem deseja ser conhecido em público não faz coisa alguma ocultamente. Já que fazes estas coisas, revela-se ao mundo. Com efeito, nem mesmo os seus irmãos acreditavam nele” (Jo. 7:03-5). Quando seus irmãos dizem “a fim que seus discípulos vejam as obras que fazes”, eles mesmos estão se excluindo do grupo de discípulos de Jesus, portanto não podiam ser irmãos no sentido de partidários, pior ainda a frase final: “nem mesmo os seus irmãos acreditavam nele (Jesus)”. Ainda mais, em outra passagem é feita a diferenciação entre seus irmãos e seus discípulos: “Depois disto desceu para Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos...” (Jo. 2:12).
            Outras passagens dos evangelhos onde os irmãos de Jesus são mencionados são as seguintes: “Chegaram sua mãe e irmãos e estando do lado de fora, mandaram chamá-lo. Ora, a multidão estava sentada ao redor dele, e disseram-lhe; tua mãe e teus irmãos estão aí fora e te procuram” (Mc. 3:31-3, também Mt. 12:46-50 e Lc. 8:19-21).
            Fora dos evangelhos, os irmãos são mencionados nos Atos dos Apóstolos: “Todos eles perseveraram unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas, Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele” (Ac. 1:14). Na Epístola aos Gálatas, Paulo relata que, quando esteve em Jerusalém: “Dos apóstolos não vi mais nenhum, a não ser Tiago, irmão do senhor” (Gl. 1:19).

Os irmãos de Jesus nos apócrifos e na obra de Flávio Josefo

            O argumento de que os irmãos de Jesus eram filhos de um casamento anterior de José, pode ter sua origem na tradição registrada no Protoevangelho de Tiago, quando o pai de Jesus sente-se envergonhado em tomar Maria como esposa por isso afirmou: “Tenho filhos e sou velho, enquanto que ela é uma menina; não gostaria de ser objeto de zombarias por parte dos filhos de Israel” (IX, 02 – Elliott, 1993: 61). O Evangelho de Tomé menciona uma passagem semelhante à de Mateus 12:46-50: “Os discípulos disseram a ele (Jesus): Teus irmãos e tua mãe estão lá fora...” (Dito 99 – Elliott, 1993: 146 e Robinson, 2007: 124).
            A morte por apedrejamento do irmão de Jesus, Tiago, é mencionada numa passagem da obra Antiguidade dos Judeus de Flávio Josefo (37-100 e.c.). Esta é a menção mais próxima dos eventos do Novo Testamento, de algum irmão de Jesus, fora dos relatos cristãos: “então ele reuniu o Sanhedrin dos juízes e trouxe diante dele o irmão de Jesus chamado Cristo, cujo nome era Tiago, e alguns outros. Quando ele os tinha acusado como infratores da lei, ele entregou-os para serem apedrejados” (Ant. of the Jews, XX: 09: 01 – Van Voorst, 2000: 83). De modo que, o historiador Josefo acreditava que Jesus teve irmãos.

A passagem mais intrigante

            O maior embaraço dos defensores da perpétua virgindade de Maria está na seguinte passagem do Evangelho de Mateus: “E, sem que ele (José) a tivesse conhecido, ela (Maria) deu a luz o seu filho primogênito, que recebeu o nome de Jesus” (Mt. 1:25, ver também Lc: 2:07). A palavra primogênito no texto grego consultado é prototokos (nascido primeiro – gerado primeiro), a qual Jerônimo traduziu na Vulgata como primogenitum. A passagem deixa o sentido de que Jesus foi o primeiro filho (primogênito) de Maria, a qual teve outros em seguida. Portanto, em vista disto, é curioso observar a grande quantidade de traduções da Bíblia que omitem a palavra primogênito nesta passagem em suas edições, cuja redação do trecho final fica assim: “ela deu a luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus”.
            Agora, é curioso também saber por que os copistas cristãos, que fizeram tantas outras alterações (tanto voluntárias como involuntárias) durante o processo de copiar os manuscritos cristãos no passado (ver: Ehrman, 2006), não retiraram do texto a palavra primogênito, uma vez que o dogma da perpetua virgindade de Maria era defendido pela corrente dominante e a palavra era polêmica. Surpreendentemente, foi mantida nos manuscritos gregos e na Vulgata.
            Jerônimo, em sua tentativa de defender o dogma da perpétua virgindade, argumentou que: “Nossa posição é esta: cada filho unigênito é um filho primogênito, mas nem todo primogênito é um unigênito. Por primogênito nós entendemos não só aquele que é sucedido por outros, mas aquele que não tem predecessor” (Fremantle, 1892: 339). Ele encontrou um duplo sentido para a palavra primogênito, ou seja, não é só um primeiro filho de uma série de outros, mas, sobretudo o que é o mais importante para ele, um primeiro filho que não tem predecessor. Quando comparado com o uso mais comum da palavra primogênito, esta interpretação de Jerônimo parece mais um jogo linguístico, pois é muito incomum alguém utilizar a palavra primogênito para um filho, quando este não é sucedido por outros. Mesmo assim, com a descoberta deste duplo sentido, a astúcia de Jerônimo funcionou e com isso foi convincente na época.

Algumas reflexões finais

            Este assunto é muito debatido entre cristãos católicos, que ainda sustentam a eterna virgindade de Maria, e cristãos protestantes que não reconhecem tal dogma. De maneira que, o estudo acima se assemelha, em parte, aos argumentos contestatórios apresentados pelos protestantes. Longe disto, este estudo não pretende defender nenhum dos lados, apenas mostrar como uma crença perdura, mesmo diante de tantas passagens adversas nas escritoras. Estritamente falando, os protestantes contestam o mito da perpétua virgindade, mas, ao mesmo tempo, com base em seu princípio da Sola Scriptura (só pela escritura, isto é, a Bíblia) acreditam em outros mitos, tão ingênuos como este; por exemplo, o mito da imaculada concepção de Maria, só porque está na Bíblia, enquanto o mito da perpétua virgindade de Maria, foi extraído, pelos primeiros cristãos, das tradições paralelas às escrituras que foram homologadas nos concílios.
             O Movimento Protestante do século XVI contestou e retirou muitos dogmas e crenças tradicionais de suas interpretações, mas conservou sua confiança literal no texto da Bíblia, com isso se prenderam ao princípio da Sola Scriptura, uma vez que na época não existiam ainda os estudos críticos das escrituras (Alta Critica e Crítica Textual), tal com nos dias de hoje. Pois se existissem, os protestantes teriam de protestar também tanto contra a hostil e repugnante batalha no processo de formação da Bíblia (Ehrman, 2008), como também as incontáveis alterações efetuadas pelos copistas de manuscritos, mesmo depois da sua formação (Ehrman, 2006).
Daí que, como resultado decepcionante deste estudo, o protesto mais sensato que um protestante poderá fazer é tornar-se um cético, tal como Bart D. Ehrman (ex-protestante com graduação em Teologia na Universidade de Princeton), o mais dedicado pesquisador de manuscritos bíblicos e da história inicial do Cristianismo da atualidade, o qual, depois de muita pesquisa, chegou a seguinte conclusão: “A Bíblia, feita todas as contas, é um livro inteiramente humano” (Ehrman, 2006: 22).

Bibliografia

EHRMAN, Bart D. Jesus: Apocalyptic Prophet of the New Millennium. New York/Oxford: Oxford University Press, 1999.
_________________ O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não Disse? Quem Mudou a Bíblia e Por Quê. Rio de Janeiro: Prestígio Editorial, 2006.
________________ Lost Christianities: The Battle for Scripture and the Faiths We Never Knew. New York/Oxford: Oxford University Press, 2003. Versão brasileira: Evangelhos Perdidos: As Batalhas pela Escritura e os Cristianismos que Não Chegamos a Conhecer. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2008.
ELLIOTT, J. K. The Apocryphal New Testament: A Collection of Apocryphal Christian Literature in an English Translation. Oxford: Clarendon Press, 1993.
FREMANTLE, W. H. (tr.). The Perpetual Virginity of Blessed Mary em The Principal Works of St. Jerome (Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, Series II, Vol. VI). Edinburg: T&T Clark, 1892, p. 334-46 (Reimpressão digital: Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, p. 758-78).
ROBINSON, James M. (ed.).  The Nag Hammadi Library in English. Leiden: E. J. Brill, 1988. Edição brasileira: A Biblioteca de Nag Hammadi. São Paulo: Madras Editora, 2007.
VAN VOORST, Robert. Jesus Outside the New Testament: An Introduction to the Ancient Evidence. Grand Rapids/Cambridge: W. B. Eerdmans, 2000.


terça-feira, 22 de maio de 2012

|CRÍTICA| Marcha para Jesus: "Quem Não Marchar Direito Vai Preso pro Inferno"



Octavio da Cunha Botelho
            No último Sábado aconteceu mais uma Marcha para Jesus, desta vez no Rio de Janeiro, onde cerca de 250 mil fiéis se aglomeraram para rezar, ouvir música gospel e protestar contra o atual texto do projeto de lei que criminaliza o preconceito homossexual. Estas modalidades de concentrações religiosas se tornaram frequentes nos últimos anos, algumas já chegaram a reunir cerca de um milhão de pessoas em São Paulo. Assim, o estudo abaixo procura comparar, de maneira descontraída, as semelhanças entre os movimentos obedientes e imitativos das marchas militares com o pensamento submisso e o comportamento imitativo dos participantes destas marchas religiosas. 

Marcha: imitação e sujeição ao ritmo

            A palavra marcha tem diferentes sentidos, pode ser até uma simples caminhada, não significando apenas aquele conjunto gestual de movimentos semelhantes e simultâneos dos soldados, conhecido como marcha militar, marcada ou não pelo acompanhamento musical de uma banda. Agora, para uma marchar militar ser executada é necessária uma padronização de movimentos executados simultaneamente, na qual cada soldado imita o movimento do outro com rigorosa semelhança. Não existe margem para o improviso, nenhum elemento pode ser criativo naquele momento, a sujeição e a obediência ao ritmo, bem como à coreografia sincronizada são as propriedades da marcha militar. Em suma, a sujeição ao ritmo e a imitação de movimentos são os fatores que fazem a marcha militar efetiva.
            Agora, não é esta marcha gestualmente ritmada que caracteriza as marchas para Jesus, estas são executadas em forma de caminhadas, com liberdade de movimentos físicos. Agora, o que assemelha a marcha militar com a marcha para Jesus é a motivação psicológica por trás da simples caminhada.
            Não é difícil observar que, em muitas pessoas, o sentimento de compartilhar o mesmo pensamento e o mesmo comportamento com uma maioria lhes traz convicção e segurança de estar pensando ou fazendo a coisa certa. É algo como nadar no sentido da correnteza, parece que se está indo para o caminho certo, mas, na verdade, o nadador está sendo levado, ele não tem absoluto controle sobre o seu destino. O instinto de rebanho é estudado pelos psicólogos há décadas e consegue explicar muitas reações irrefletidas. Enfim, todo instinto de rebanho é uma ato de imitação. Quando alguém toma uma atitude assim na vida, costuma se chamar, na linguagem popular, de “Maria vai com as outras” ou de “macaco de imitação”.
A Marcha para Jesus costuma reunir um rebanho de submissos fiéis, que está ali motivado pelo sentimento de que aquela multidão de coparticipantes lhe assegura a convicção. Em outras palavras, o aglomerado lhe transmite o sentimento de que, se tantas pessoas estão aqui e fazendo o mesmo que eu, então isto significa que o que creio é verdadeiro e o que faço está correto. Pensar e fazer como os outros é uma atitude de imitação que se assemelha à marcha militar. Assim como na marcha militar a imitação assegura o bom desempenho coreográfico, também na Marcha para Jesus a imitação de pensamento e de decisão assegura a convicção, daí os frequentes delírios de fé dos participantes nestas ocasiões.

“Quem não marchar direito vai preso pro inferno

            Muitos leitores devem ter brincado com a seguinte cantiga na infância:

            “Marcha soldado, cabeça de papel,
quem não marchar direito vai preso pro quartel”.

Pode parecer cômico, mas o que aproxima esta cantiga com o que está sendo tratado aqui é a semelhança entre a imitação e a obediência. “Marchar direito” significa marchar como os outros, portanto o mesmo que praticar a imitação. Já, “não marchar direito” representa uma ato de desobediência, o qual, num ambiente coercivo como o militar e o religioso, implica em ir “preso pro quartel”, ou ir para o inferno respectivamente. Existem muitos paralelos que podem ser apontados entre a obediência militar e a obediência religiosa. Quando o hábito de imitação se torna muito enraizado, o mesmo assume um papel coercivo sobre a pessoa, ou seja, a sujeição ao hábito de imitação se torna uma imposição de obediência. Pessoas assim muito vulneráveis à submissão pensam que, evitar um hábito até parece uma desobediência, com isso criam uma personalidade submissa, tornando-se vítimas fáceis da manipulação alheia. Nenhuma outra instituição, exceto a religião, carrega tanto este espírito submisso do que o militarismo.
Esta mentalidade em tudo contrasta com o espírito iluminista, definido nas conhecidas palavras de Emanuel Kant: “O iluminismo é a saída do homem do estado de minoridade que ele deve imputar a si mesmo. Minoridade é a incapacidade de valer-se de seu próprio intelecto sem a guia de outro. Esta minoridade é imputável a si mesmo se sua causa não depende de falta de inteligência, mas sim de falta de decisão e coragem de fazer uso de seu próprio intelecto sem ser guiado por outro. Sapare aude! Tem coragem de servir-te de sua própria inteligência! Este é o lema do iluminismo”.


Agora, o interessante é a semelhança entre o militarismo e as igrejas cristãs, as quais costumam chamar seus devotos de soldados, de modo que é frequente se ouvir as denominações “Soldados de Cristo”, “Exército do Senhor”, etc. A força com a qual as igrejas submetem seus devotos é muito parecida com a obediência militar, sobretudo entre os militares de baixa patente. Pessoas tão submissas, como estes soldados de Cristo, parecem, tal como na cantiga acima, ter “cabeça de papel”, na qual estão escritas as ordens a serem obedecidas. As Marchas para Jesus geralmente são convocadas pelos pastores, de modo que os fiéis (soldados de Cristo), com suas cabeças de papel, respondem prontamente às ordens dos seus guias e comparecem em imenso número a estes eventos. É impressionante o poder de influência que os pastores têm sobre as “cabeças de papel”, elas temem que, se não “marcharem direito irão presos pro inferno”. Pois, o ritmo da marcha é ditado pelos pastores que, em seguida, é automaticamente seguido pela submissa massa de seguidores, numa obediência e harmonia de movimentos que até parece uma marcha militar, com isso esta submissão é capar de levar multidões para estas concentrações religiosas.

Para concluir, usando de uma metáfora, o que os participantes nestas marchas religiosas precisam é apagar as inscrições, com as gravações dos comandos dos pastores gravadas em suas cabeças de papel e, em seguida, escrever um novo texto esclarecedor, que lhes mostre a decadência cultural da religião nos últimos séculos, fazendo assim que suas cabeças de papel se transformem em cabeças de verdade e, com isso lhes habilite reconhecer a inutilidade da cultura religiosa para a atualidade.  




quarta-feira, 16 de maio de 2012

|ESTUDO| A Mãe de Deus é Filha de um Casal em Desespero


Octavio da Cunha Botelho

A intenção era postar o artigo abaixo até o Dia das Mães no último domingo, mas o acúmulo de outras tarefas impossibilitou a sua finalização até aquela data. Trata-se de um breve estudo sobre as fontes de informações da Virgem Maria, a Mãe de Deus, como também é conhecida. Poucos cristãos e ocidentais sabem que ela é muito mais mencionada nos textos extra-canônicos e no Alcorão, do que nos próprios evangelhos canônicos. O livro sagrado dos muçulmanos, por exemplo, possui até um capítulo (sura XIX) com o nome de Maryam (Maria). A razão para encontramos tantas representações artísticas de Maria, inexistentes nos breves relatos canônicos, é que muitas delas foram extraídas das lendas e das tradições registradas nos evangelhos apócrifos, sobretudo no Protoevangelho de Tiago. A partir deste último texto, por fim, serão analisadas brevemente as circunstâncias desesperadoras que precederam o nascimento de Maria.

Maria, a Mãe de Deus, nos Evangelhos Canônicos

            Ela é conhecida pelas denominações de a Virgem Maria, a Mãe de Deus, Nossa Senhora, a Rainha do Céu, Madonna e Theotokos (a Geradora de Deus, pelos seguidores das igrejas ortodoxas e orientais). Também, recebeu nomes conforme a ocorrência de supostos milagres em certas regiões, cujos mais conhecidos são: Nossa Senhora Aparecida no Brasil, Virgem de Guadalupe no México, Nossa Senhora de Fátima em Portugal, Virgem de Lourdes na França e Santa Brigite na Irlanda. Sua imagem foi motivo de uma prolífera produção artística, sobretudo a partir da Idade Média. No entanto, sua veneração não é hegemônica em todo o Cristianismo. Os protestantes atribuem respeito, mas dão pouca importância para a sua devoção. As correntes que a veneram são: o Catolicismo, as Igrejas Ortodoxa, Oriental e Anglicana, e até certo ponto os espíritas kardecistas. Os primeiros concílios cristãos estabeleceram uma hierarquia para a adoração (dulia, hyperdulia e latria), ou seja, dulia (veneração) é própria para os anjos, hyperdulia (hiperveneração) é própria para a Virgem Maria e latria (adoração) é somente para Jesus (Miegge, 1955: 180). A ratificação para a veneração da Virgem Maria pelos católicos aconteceu no Segundo Concílio de Nicéia em 787 e.c., e a ratificação pelos ortodoxos no Sínodo de Constantinopla em 842 e.c., numa época quando as duas igrejas (católica e ortodoxa) estavam começando a se separarem, por isso as decisões independentes.
            Nos primeiros séculos do Cristianismo, foi influente na disseminação a prática dos Kollyridians, uma obscura seita cristã que substituía a deusa pagã por Maria e oferecia sacrifícios a ela. Esta seita desapareceu logo quando a veneração de Maria se tornou universalmente aceita na Igreja (Benko, 2004: 18).
            Consequentemente, depois de Jesus, a figura mais venerada no Cristianismo é a Virgem Maria, entretanto, é um fato curioso observa a brevidade do seu relato nos evangelhos canônicos. A passagem mais extensa está no Evangelho de Lucas (I:26-56), com outras breves menções aqui e ali nos quatro evangelhos. De modo que, muito do que se conservou sobre Maria foi extraído das tradições que circulavam, nos primeiros anos do Cristianismo, fora dos textos canônicos e, destas tradições, o relato escrito mais extenso foi preservado no Protoevangelho de Tiago, um texto apócrifo do século II e.c. (Elliott, 1993: 49 e Ehrman, 2003: 63), o qual será analisado abaixo.

 Maria no Alcorão

            Curiosamente, ela é muito mais mencionada no Alcorão do que nos evangelhos canônicos, são 34 referências diretas ou indiretas, reunindo uma quantidade de informações muito maior que a do Novo Testamento. O livro sagrado dos mulçumanos possui até um capítulo (sura) com o nome de Maryam (Maria), sura XIX, com 98 versos, mas o relato sobre Maria vai apenas até o verso 36. Também, a sura III, Al-Imran (a Família de Imran), versos 35-51, relata resumidamente o nascimento milagroso de Maria até os primeiros anos da vida de Jesus. Assim, o Alcorão admite a virgindade de Maria e reconhece Jesus como um profeta enviado por deus, mas não o reconhece como o Messias: “Cristo, o filho de Maria, não foi nada mais que um apóstolo, muitos foram os apóstolos que passaram antes dele...” (V:75 – Ali, 1934: 266). Jesus é conhecido como Isa no Alcorão, onde é mencionado 25 vezes através da expressão “Isa Ibn Maryam” - Isa, o filho de Maria (III:42-59; V:75; IV:157-9 e 171; V:72-5 e 110-7). Maria é altamente estimada no Alcorão: “... os anjos disseram: Ó Maria, Deus tem te escolhido e te purificado, te escolhido acima das mulheres de todas as nações” (III:42 – Ali, 1934: 134 e Challita, 2002: 29). Daí que o Alcorão reconhece o dogma da imaculada concepção: “Ela (Maria) disse: Ó Senhor! Como poderei ter um filho quando nenhum homem me tocou? Ele (o Senhor) disse: Que assim seja. Deus cria o que lhe deseja. Quando ele decreta um plano, ele apenas diz: que seja, e assim é” (III:47 – Ali, 1934: 135 e Challita, 2002: 29). Ela foi alimentada por deus durante sua permanência no templo no período da sua infância e adolescência (III:37 – Ali, 1934: 132 e Challita, 2002: 29), já no Protoevangelho de Tiago é mencionado que ela foi alimentada por um anjo (VIII: 01).
            Apesar de não ser possível confirmar com absoluta certeza a historicidade de todos os dados registrados nos livros sagrados, mesmo assim Anwar Hekmat aponta alguns erros históricos e cronológicos nas passagens sobre Maria no livro sagrado dos muçulmanos. Na passagem XIX:28 (“Ó irmã de Arão...”), Maria é mencionada como irmã de Arão, para Hekmat “isto é um erro, Maria não teve um irmão com o nome de Arão, na verdade, ela não teve nenhum irmão. Parece que neste caso Maomé confundiu as tradições judias e cristãs. Ele pode ter ouvido falar que a irmã de Arão e Moisés era chamada Miriam (Maryam em árabe) e enganadamente pensou que Miriam era a mesma pessoa que a mãe de Jesus” (Hekmat, 1997: 11). Em seguida prossegue: “Um erro similar acontece no capítulo três do Alcorão. Aqui a mãe de Maria (a mãe de Jesus) é descrita como a esposa de Imran (III:35). Todo cristão sabe que a mãe de Maria (Ana) não foi esposa de Imran. Nestes casos, Maomé claramente cometeu erros cronológicos” (Hekmat, 1997:11). No Protoevangelho de Tiago o nome do pai de Maria é Joaquim.
            A possibilidade de Maomé cometer erros é muito evidente, uma vez que era analfabeto e tudo que conheceu foi extraído das suspeitas revelações do arcanjo Gabriel e das conversas com outras pessoas, muitas delas também analfabetas ou semianalfabetas. A região na qual ele viveu era muito primitiva culturalmente na época, de modo que o índice de analfabetismo era muito alto. A região estava localizada na periferia do Império Bizantino, portanto distante e desprovida de intercâmbios com os grandes centros culturais da época (Constantinopla, Roma, Alexandria e outros). Hekmat conclui com as seguintes críticas mordazes contra Maomé e o Alcorão: “É praticamente impossível atribuir tais erros a um homem alfabetizado e inteligente, ainda mais a uma divindade infalível. Alguns versos do Alcorão são tão repugnantes à lógica e ao raciocínio que só poderiam ser atribuído a uma pessoa analfabeta e fanática, que se retirou em seu próprio mundo pequeno, desprovido de senso comum e ignorante das condições sociais de seus países vizinhos contemporâneos” (Hekmat, 1997: 11-2).
            Existe outra passagem do Alcorão até certo ponto cômica, extraída do Evangelho Árabe da Infância (Platt, 1926: 38 e Elliott, 1993: 102), na qual Jesus, ainda bebê no berço, fala com outras pessoas ao seu redor (Alcorão, XIX: 30-3).
Parece que as fontes das tradições sobre Maria incluídas no Alcorão são as registradas no Protoevangelho de Tiago, no Evangelho Árabe da Infância, no Evangelho de Pseudo-Mateus e no De Nativitate Marie (Sobre o Nascimento de Maria), os dois últimos são composições latinas mais tardias, porém todos são textos apócrifos. A fonte de todos eles é provável que seja o Protoevangelho de Tiago.

Maria no Protoevangelho de Tiago

            Este foi um dos mais importantes e influentes dentre os evangelhos apócrifos, haja visto pelos mais de cem manuscritos ainda existentes (Elliott, 1993: 48 e Ehrman, 2008: 306). O texto é chamado de “Protoevangelho” porque narra eventos anteriores ao nascimento e a infância de Jesus, ou seja, ao nascimento e a infância de Maria, mãe de Jesus. Sua influência foi grande na arte medieval, de maneira que muitos motivos de Maria e o menino Jesus, que não reproduzem as descrições dos evangelhos canônicos, são inspirados nas lendas e nas tradições registradas neste evangelho. Apesar da atribuição da autoria a Tiago no próprio título do evangelho, sua autoria é desconhecida. Especialistas datam sua composição na segunda metade do século II e.c. (Elliott, 1993: 49 e Ehrman: 2008: 305), pois foi mencionado por Justino (morto em 165 e.c.) e por Celso (que escreveu em 170 e.c.). Bart D. Erhman o considera uma falsificação da proto-ortodoxia cristã (Ehrman, 2008: 303). Deste exemplo é possível dimensionar o tamanho da extravagância que era a composição de textos fabulosos naquela época, pois até a ortodoxia incipiente rejeitava as composições de seus próprios partidários, de forma que este evangelho não foi reconhecido como canônico.
            A atribuição da autoria deste evangelho a Tiago, irmão de Jesus, foi a principal razão para o não reconhecimento deste texto como canônico por Jerônimo, o estudioso mais influente do século IV, pois este fato contrariava o então incipiente dogma da perpétua virgindade de Maria. Com isso, o texto foi banido do Cristianismo latino, daí a razão para o desaparecimento dos manuscritos em Latim, mas continuou popular no Cristianismo Oriental, como evidencia o grande número de manuscritos gregos (Ehrman, 2008: 306).
            Tal como os demais evangelhos, o Protoevangelho de Tiago justapõe relatos históricos e mitos criados pelos primeiros cristãos.

O desespero dos pais de Maria

            O Protoevangelho de Tiago inicia narrando os eventos, muito provavelmente mitológicos, que antecederam o nascimento de Maria. Seu pai, Joaquim, era um homem rico, mas o casal não tinha filhos, uma vez que sua esposa, Ana, era estéril.  Chegado o dia da grande festa do Senhor, Joaquim se preparava para fazer sua oferenda, quando um homem chamado Ruben tomou-lhe a frente e disse; “Não te é lícito oferecer tuas dádivas, enquanto não tiveres gerado um rebento em Israel” (I: 02).
            Joaquim ficou imensamente aborrecido com o ocorrido. Seu aborrecimento foi tanto que ele se dirigiu aos arquivos para saber se ele era o único que não tinha gerado filho em seu povoado.  Ao descobrir que somente ele não tinha gerado descendentes, ficou ainda mais aborrecido e entrou em desespero (I: 03). O tormento foi tanto que não regressou para sua casa a fim de encontrar sua mulher, retirando para o deserto. Ali armou uma tenda e jejuou por quarenta dias e quarenta noites, dizendo a si mesmo: “Não sairei daqui, nem sequer para comer e beber, até que o Senhor meu Deus me visite, que minhas preces me sirvam de comida e de bebida” (I: 04).
             Ao saber disto, sua mulher, Ana, também entrou em paranoia. Considerando seu marido como um morto, vestiu roupas de luto e passou a se lamentar dizendo: “Chorarei minha viuvez e minha esterilidade” (II: 01). Após um período de tormento, um anjo apareceu para ambos e lhes informou que deus ouviu suas preces e que Ana teria uma criança. A esta criança foi dado o nome de Maria. De modo que, a avó de Jesus (Ana), tal como sua mãe (Maria), também teve concepção milagrosa. Daí em diante o texto assemelha-se a um conto de fadas.
            Agora, especialistas e historiadores observam que a proibição de entregar sua oferenda não era uma regra do Judaísmo daquela época, daí a conclusão que este texto não foi composto por um autor judeu, portanto não pode ser de autoria de Tiago, irmão de Jesus.
            Bem, é interessante observar como um homem pode se desesperar tanto por não ter um filho, e uma esposa se desesperar tanto ao ponto de vestir roupas de luto antes mesmo de ter a evidência da morte do marido. Isto chega a ser mais cômico do que significativamente religioso.      Agora, será que eles sobreviveram por tempo suficiente para saber que seu neto (Jesus) não quis ter filhos? Se por acaso sobreviveram, será que Joaquim (avô de Jesus), que tanto se aborreceu por não ter um filho e se sacrificou tanto para obtê-lo, aprovaria a decisão de seu neto (Jesus) de não ter filho?

BIBLIOGRAFIA

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PLATT Jr., Rutherford H. The Lost Books of the Bible. New York: Alpha  House, 1926.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

|ESTUDO| O Que é o Mantra Sem a Mistificação


Octavio da Cunha Botelho





(Obs: este estudo está disponível em versão mais atualizada em:
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/07/o-que-e-o-mantra-sem-a-mistificacao/


Algumas décadas atrás, qualquer praticante de yoga no Ocidente era obrigado a explicar o significado da palavra mantra para os outros, quando o assunto surgia. Hoje, a palavra alcançou uma popularidade tal que não é mais necessário explicá-la. Ao mesmo tempo, seu significado popular e na mídia desviou para um sentido que não corresponde mais precisamente àquele atribuído pelos seus criadores: os hindus. Mantra passou a significar, no seu sentido mais corrente, qualquer palavra, frase ou slogan repetitivos. O breve estudo abaixo pretende, num primeiro momento, esclarecer o significado original do mantra sustentado pelos seus adeptos e, num segundo momento, analisar criticamente este significado fantástico e o efeito persuasivo do mantra sobre a mente do praticante.

O que é o mantra

O interesse pelas propriedades encantadoras do som fez os indianos antigos desenvolveram, desde cedo, uma sofisticada arte e uma aprimorada técnica de manipulação do poder do som. Diferente dos gregos antigos, os hindus não perceberam este poder tanto no discurso (oratória), mas sim na sonoridade da palavra falada, daí a constante constatação da dificuldade dos antigos compositores e exegetas hindus com o raciocínio discursivo. Não se tem informação da existência de oradores ou de algum tratado sobre retórica na Índia antiga. Sua obsessão era pelo encantamento da linguagem, o que os levou, em seguida, a desenvolverem fórmulas condensadas com alta carga de expressividade que ficaram conhecidas como mantras, os quais alguns preferem traduzir como “sons de poder”, “sons mágicos” ou “fórmulas de encantamento”. “Os mantras são particularmente importantes no Hinduísmo. Os mantras acompanham os rituais da vida diária no Hinduísmo; um hindu vive e morre cercado de mantras, desde o ventre da mãe até a pira funeral. Manuais de mantras são publicados por toda a Índia” (Smith, 2001: 263).
A rigor, a arte da entoação de mantras não é nem aquela noção depreciativa que se conhece popularmente, ou seja, a repetição mecânica de sons sem sentido, tampouco o conceito delirante de admiradores e de praticantes que atribuem a estes sons místicos poderes fabulosos. Portanto, para conhecer a perspectiva crédula e lisonjeira do mantra, consultar o livro Healing Mantras (Mantras que Curam) de Thomas Ashley-Farrand ou o site do autor: www.sanskritmantra.com/what, onde são reproduzidos trechos do seu trabalho e a oferta de muitos CD’s com a gravação de mantras para diversos fins, e para conhecer a perspectiva da yoga: www.dlshq.org/teachings/japayoga.htm. Também consulte a coletânea de definições e de explicações traduzida para o português sobre mantras budistas do ponto de vista laudatório em: www.dharmanet.com.br/vajrayana/mantra.  Para ouvir online a quantidade de cerca de 40 mantras hindus, consulte: http://hubpages.com/hub/popular-sanskrit-mantras-in-hindu-religion; para ouvir a entoação completa dos hinos (mantras) dos quatro Vedas por pandits do sul da Índia acesse: www.astrojyoti.com/vedamp3.htm, de todos os 18 capítulos do texto do Bhagavad Gita: www.astrojyoti.com/bhagavadgeeta.htm e para ouvir mantras e dharanis budistas pelo Youtube: www.wildmind.org/mantras
Os delírios sobre a auspiciosidade destes sons místicos podem ser encontrados em afirmações tais como “o que há de impossível para os mantras realizarem, se eles forem praticados conforme as regras?” ou “através dos sussurros repetidos dos mantras, um poder tal é gerado que pode maravilhar o mundo inteiro”, “o mantra de Ekajatâ é tão poderoso que, no momento que é murmurado, a pessoa torna-se livre do perigo, é sempre seguida pela boa sorte, seus inimigos todos são destruídos e, sem dúvida, ele se torna tão piedoso como o Buda”, e exemplos como estes podem se multiplicar (Bhattacharyya, 1989: 57-8). Contudo, quando entendido de uma perspectiva sóbria, o mantra pode ser considerado o resultado de uma engenhosa técnica de exploração dos recursos da linguagem e do som para produzir encanto, muito avançada para os padrões da Antiguidade, quando comparada com os povos contemporâneos. Foi utilizado com objetivos muito diversificados, de modo que foram inventados mantras que vão desde a tentativa de expulsar o demônio das doenças, enfeitiçar ou destruir inimigos, conseguir um bom casamento, até o uso religioso em rituais de sacrifícios, cultos, sacramentos, invocação de deuses e deusas, bem como a repetição (japa mantra) a fim de obter o controle mental preparatório para a meditação (dhyana) na prática de yoga. Com o tempo, apareceram as compilações de mantras na forma de antologias, a mais conhecida e publicada é a Mantra Mahodadhi (Grande Oceano de Mantras), de autoria de Mahidhara, composta no século XVI e.c, inclusive com traduções para o inglês. Enquanto que, a mais elaborada tentativa de sistematizar as dispersas concepções metafísicas sobre o poder do som e os mantras na literatura tântrica é a obra The Garland of Letters (A Grinalda das Letras) de John Woodroffe (primeira edição 1922), com o objetivo de apresentar uma organizada doutrina metafísica do mantra.
A etimologia da palavra é, em parte, duvidosa. A primeira parte “man”, mais seguramente, deriva da raiz verbal “pensar”, enquanto que a segunda “tra” é controvertida. Alguns conjeturam que significa “instrumentalidade” e com isso mantra poderia significar “instrumento do pensamento” (Stutley, 1977: 181). Outra sugestão para a origem de “tra” é da raiz verbal “trai” (proteger, defender), que no particípio passado é “trâna” (protegido) e o substantivo é “trânam” (proteção) (Apte, 1978: 486), portanto algo como “proteção mental”. John Woodroffe traduziu “trâna” como “liberação do cativeiro do mundo fenomenal (samsâra)” (1985: 276 e Bhattacharyya, 1987: 448; também Smith, 2001: 263 e Yelle, 2003: 11).
Em linhas gerais, um mantra pode estar no formato de:
a)      um verso (rik, shloka ou gayatri), tal como o Gâyatrî Mantra;
b)      uma frase (vakya), tal como em Om Namah Shivâya ou em Om Namo Narâyanâya;
c)      uma palavra (pâda), tal como em Soham (eu sou aquele ser supremo); 
d)      um hino (sûkta, strotam ou stuti), tal como o Purusha Sûkta ou o Durgâ Stotram;
e)      ou até mesmo uma simples sílaba (bîja), tal como em OM, hrim, shrim ou phat.

O Mantra na disciplina yóguica

No período pós-védico da Índia, a concepção e o método de praticar o mantra sofreram alterações consideráveis com a crescente penetração das técnicas de yoga na disciplina hindu. A partir daí, a prática começou a interiorizar, ou seja, a disciplina mental passou a ser mais importante do que as rígidas regras de pronúncia e de entoação prescritas pelos sacerdotes dos ritos.  A introdução da repetição de fórmulas curtas de invocação de divindades (japa mantra) revolucionou a prática. Esta novidade colocou mais ênfase na disciplina mental durante a entoação do que a observação das minuciosas regras de pronúncia e de entoação, com isso recebeu mais flexibilidade e pôde então se popularizar, rompendo assim os rígidos requisitos do ritualismo brahmânico. Não era mais preciso passar por aquele longo treinamento em língua sânscrita e em rituais védicos para se praticar. Na yoga, o mais importante é a atitude mental de devoção e de concentração no momento da prática, em outras palavras, a disciplina interna é mais importante do que a formalidade externa. Assim, a devoção (bhakti) e a fé (shraddhâ) passaram a serem ingredientes fundamentas na entoação. Ademias, o mantra foi combinado com exercícios de respiração (prânayâma) e com a invocação de uma divindade de adoração (ishta devatâ). Enfim, o sistema da yoga promoveu uma grande revolução na prática do mantra dentro do Hinduísmo. Com esta diversificação, a repetição (japa) dos mantras passou a ser classificada da seguinte maneira segundo a forma de pronunciar:
a)      vaikhari japa: repetição em voz alta;
b)      upamshu japa: repetição em forma de sussurro e
c)      manasika japa: repetição mental.
Assim, é mais comum se encontrar a afirmação, sobretudo entre os iogues, de que a repetição mental (manasika japa) é a mais eficaz, o que atesta o desenvolvimento e a diversificação no entendimento e na técnica no Hinduísmo tardio, que conduziu à interiorização do mantra.
Para os hindus, o mantra OM é o mantra por excelência, o maior dos mantras, o som primordial, ou seja, o primeiro som emanado do ser supremo (Brahman) que produz todos os outros sons, de forma que, para eles, tudo no universo está contido em OM. Sendo assim, aparece no início ou no fim da maioria dos mantras.
Com a popularização na Índia, o mantra passou a ser definido conforme a corrente ideológica que o utilizava. De maneira que foi conceituado como sons de poder que protege o devoto, ou que efetua a comunhão com a divindade adorada, ou que liberta o praticante do ciclo de nascimentos e mortes (samsâra), ou que conduz à libertação final (moksha), ou que efetua a aparição (darshana) da divindade invocada, ou que conduz o iogue à união com o ser supremo (Brahman), etc., e até aqueles ecumênicos que entendem que o mantra é capaz de levar a realização de todos estes objetivos (para conhecer esta visão ecumênica, acesse: www.dlshq.org/teachings/japayoga.htm.).  A diversificação do conceito e a simplificação da prática levaram o mantra hindu a ser importado, de maneira adaptada, pelo Budismo e pelo Jainismo (para conhecer mantras jainistas, consulte: www.terapanth.com.)
Agora, do ponto de vista da ortodoxia hindu, sobretudo do sistema Mîmâmsâ, com sua firme crença no fundamento da arte dos mantras na língua sânscrita e na sua correspondência natural com os objetos da criação faz, na estrita visão dos hindus, o mantra se diferenciar da oração e dos hinos de louvor. Portanto, a rigor, o mantra não deve ser identificado com a oração, como é feito por muitos autores ocidentais. Tampouco pode se falar de mantras em outras línguas tais como mantras do budismo tibetano, chinês ou japonês. Por exemplo, o conhecido mantra sânscrito do Budismo MahâyanaOM mani padme hum” (OM, a jóia no lótus, hum) é pronunciado no budismo tibetano como “OM mani peme hung” (para ouvir a pronúncia tibetana deste mantra, acesse: www.dharma-haven.org/tibetan/meaning-of-mani-padme-hung, portanto segundo as rígidas regras de pronúncia dos sacerdotes hindus, esta simples alteração é suficiente para desaparecer o poder místico.
Por outro lado, alguns consideram que “os mantras, tal como muitos outros fenômenos místicos, são arcaicos; tão arcaicos que de fato eles são os predecessores da linguagem no processo da evolução humana” (Smith, 2001: 263).

Análise crítica
 
Bem, mudando de perspectiva e deixando de lado as explicações mirabolantes e os resultados auspiciosos proclamados pelos adeptos do mantra, os quais podem se multiplicar ad infinitum, a fim de que seja possível aqui uma análise com os pés no chão destes sons encantadores. A rigor, o que na realidade fez desta técnica de encantamento um meio tão eficaz de atração e de manutenção de praticantes foi o fato de ser uma poderosa ferramenta de auto-persuasão, em outras palavras, um instrumento eficiente de manipulação ideologia através da auto-sugestão. O mantra, com efeito, funciona maravilhosamente como uma ferramenta auto-persuasiva que é capaz de desenvolver e complementar outras persuasões ideológicas previamente instaladas na mente do adepto, como continuação e reforço da prévia doutrinação recebida da comunidade mística na qual convive. Não resta dúvida que as sugestões de origem externa ganham força adicional quando combinadas com as auto-sugestões do praticante e, do mesmo modo, as auto-sugestões se tornam mais fortes quando sustentadas pelo ambiente religioso. Esta sinergia é estratégica para a obtenção da persuasão plena, sendo assim um forte reforço para a convicção do adepto. Robert Yelle sugere que  “eles (os mantras) constituem uma espécie de retórica, sua forma poética contribui para a crença em sua eficácia” (Yelle, 2003: 59). Em suma, o mantra será sempre mais efetivo quanto mais o praticante estiver pré-disposto e doutrinado a acreditar em seus resultados, de forma que o mantra só tem efeitos sobre aquelas pessoas suscetíveis à persuasão.
Ademais, parece que os hindus foram os primeiros a perceberem que a repetição tem poder persuasivo. A criação no passado daquelas fórmulas curtas para se repetir muitas vezes (japa), 108 vezes é a mais utilizada, tais como Om namah Shivâya, Om namo Bhâgavate Vasudevâya, Om namo Narâyanâya, etc., provou ser favorável à penetração inconsciente da mensagem (Yelle, 2003: 12). Esta técnica repetitiva deve ter sua origem na descoberta do mecanismo da mente de aceitar como verdade uma frase repetida ou ouvida muitas vezes. Quando os publicitários contemporâneos perceberam esta vulnerabilidade do mecanismo da mente, logo passaram a elaborar anúncios que martelam a mente do ouvinte, do telespectador ou do leitor com mensagens repetitivas na tentativa de que sejam aceitas como verdade. É por isso que assistimos a tantos comerciais repetitivos na TV. A repetição da veiculação dos anúncios é denominada tecnicamente de freqüência entre os profissionais de mídia: “Se você pensar nos comerciais dos quais se lembra, os que têm mais possibilidade de lhe vir à mente são aqueles que você viu ou ouviu mais de uma vez, isto é, para uma mensagem ser realmente eficaz em termos de comunicação com o público-alvo, em geral ela ter de ser transmitida mais de uma vez” (Katz: 2004: 127-32). Daí em diante, a repetição passou a ser uma técnica publicitária de persuasão.
Numa época quando ainda não existia a psicologia científica e a ciência da persuasão, os hindus confundiram o poder persuasivo dos mantras com um imaginário poder místico. Que o mantra tem efeito e transforma uma pessoa, isto é um fato e os místicos podem até se gabar, agora, a natureza persuasiva deste poder é que não é cientificamente reconhecida pelos praticantes, por atribuir-lhe origem sobrenatural. Estritamente falando, o poder influente do mantra é o mesmo poder do encantamento e da sedução, que é o poder que abre a porta para a persuasão entrar na pessoa vulnerável. Em tempos pré-científicos, portanto sem os conhecimentos científicos da psicologia e da neurociência, os antigos hindus ficaram maravilhados com este poder e o conceberam como um poder sobrenatural que, ao contrário, é tão natural quanto o poder de encantamento da arte plástica, da poesia, da música e da sedução. Enfim, o mantra chegou a ter o poder que tem devido a sua engenhosa e estratégica sinergia entre a arte de auto-persuasão pelo encantamento e a doutrinação religiosa recebida de fora. Trata-se da colocação do poder do encantamento a serviço da ideologia, e neste sentido os hindus foram engenhosos, tal como é possível alcançar os mesmos efeitos com os hinos religiosos, com os hinos nacionais, com os hinos dos times de futebol e com as marchas militares, ou seja, a música a serviço da ideologia ou da paixão, com a diferença que os hindus revestiram o mantra com um caráter sobrenatural e místico.

Bibliografia

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