segunda-feira, 29 de outubro de 2012

|ESTUDO| A Peregrinação Islâmica e as Tragédias Decorrentes da Aglomeração


Octavio da Cunha Botelho
  

Visão panorâmica da Grande Mesquita de Meca durante a
Hajj, a Grande Peregrinação Islâmica

            Este estudo foi programado para ser postado na época da Hajj, a grande peregrinação muçulmana à Meca que, este ano, no nosso calendário, acontece dos dias 24 a 29 de Outubro. O evento tem uma dimensão astronômica, pois é a maior concentração anual de religiosos do planeta, o de 2011 reuniu cerca de 2,5 milhões de fiéis, perdendo apenas para um festival hindu que acontece de 12 em 12 anos em Allahabad, Índia, o Purna Kumbha Mela, o qual habitualmente reúne cerca de 20 milhões de devotos.
            Em meio a uma aglomeração tão abarrotada, os incidentes são inevitáveis, sobretudo num lugar despreparado para receber tamanha concentração de peregrinos, os quais vão desde as contaminações de doenças graves, até as tragédias com muitas vítimas fatais por conta de incêndios e de pisoteamentos decorrentes das correrias de pânico.

O que é a Hajj

            O quinto pilar (princípio) do Islamismo é a Hajj (sendo os outros: a Profissão de Fé, a Oração, a Caridade e o Jejum), isto é, a grande peregrinação à Meca, para diferenciar da pequena peregrinação (Umra), que todo muçulmano saudável e com condição financeira é obrigado a fazer pelo menos uma vez na vida. Geralmente traduzida como peregrinação, a Hajj, mais precisamente, é uma série de ritos executados em determinados pontos e momentos do trajeto da peregrinação no interior da Grande Mesquita (al-masjid al-haram) e nos locais sagrados (Mina, Muzdalifa e Monte Arafat) ao redor da cidade de Meca. Acontece anualmente entre os dias oitavo e décimo terceiro do mês Dhul Hijja, o décimo segundo e último do calendário muçulmano. Em vista da diferença do calendário lunar dos muçulmanos com o calendário solar, este ano o evento acontecerá entre os dias 24 e 29 de Outubro. Além da Hajj, existe outra peregrinação muçulmana, a Umra (visitação) a qual pode ser feita em qualquer época do ano e não é obrigatória, conhecida também como peregrinação menor (Robinson, 2003, 127-36).

A execução da Hajj

Mapa mostrando o itinerário da Hajj
            A série de ritos da peregrinação (Hajj) começa no 8º dia do mês de Dhul-Hijja, o 12º do calendário muçulmano, e termina no 13º dia. Entretanto, antes deste período, no sétimo dia, os peregrinos se submetem à Purificação Ritual (Ihram), a qual deve ser feita antes de entrar na Al-Masjid Al-Haram (a Grande Mesquita de Meca). Esta consiste em aparar as unhas e o bigode, remover os fios de cabelo desnecessários, tomar banho e vestir os trajes brancos sem costura (o izar e o rida). Também, eles devem recitar a oração ritual (Talbiyah). As mulheres são dispensadas de alguns destes requisitos. Durante a Hajj, o peregrino deve abster-se de usar roupas costuradas, de cobrir a cabeça (as mulheres não cobrem o rosto), de se banhar e de cuidar do corpo, de praticar atividade sexual, de usar perfumes, de envolver-se em conflito e em derramamento de sangue, de caçar e de destruir plantas (Long, 1979: 16). No passado, quando os peregrinos chegavam por terra, foram instalados locais de purificação em cidades ao redor de Meca, para que os fiéis pudessem efetuar os ritos de purificação (Ihram) e, assim, alcançarem o estado de consagração, antes de entrarem na Grande Mesquita. Atualmente, como muitos chegam de avião, estes ritos preparatórios são feitos em Meca mesmo. Isto tem que ser feito até o 7º dia, pois no 8º dia iniciam-se os ritos da Hajj propriamente.
 Veja abaixo a programação da Hajj dia por dia no mês de Dhul–Hijja do calendário muçulmano (Long, 1979: 11-23; Robinson, 2003: 132-6 e Bianchi, 2004: 08-10):
- 8º dia: vestidos nos trajes brancos e previamente consagrados (Ihram), os peregrinos entram na Al-Masjid Al-Haram (a Grande Mesquita) pelo Portão da Paz (Bab as-Salam) e executam inicialmente o Tawaf da Chegada (circulação por 7 vezes ao redor da Caaba no sentido anti-horário) repetindo orações. Durante cada giro em torno da Caaba, é prescrito um toque na Pedra Preta, porém durante a Hajj não é obrigatório, em vista da multidão, que pode ser substituído por um gesto simulando o toque. Em seguida, executam a Sai (a caminhada e/ou a corrida entre as colinas de Safa e de Marwa por 7 vezes). Depois, os peregrinos retornam ao pátio da Caaba para beberem a água da fonte Zamzam para, então, em seguida, se dirigirem à Mina (3 milhas de Meca), onde realizam orações.
- 9º dia: os peregrinos deixam Mina e se dirigem ao monte Arafat, o local onde Maomé fez seu último sermão, aí permanecem em vigília contemplativa, rezam e recitam o Alcorão. Este momento é considerado o auge da Hajj. Em seguida, se dirigem para Muzdalifa, onde passam a noite dormindo no chão e no céu aberto. No dia seguinte os peregrinos retornam para Mina, para a cerimônia do apedrejamento do demônio (ramy al-jamarat). 
- 10º dia: Em Mina, os peregrinos recolhem um tanto de pedras de cascalho, para serem lançadas contra 3 muros (antes eram 3 pilares, após 2004 os pilares foram substituídos por 3 muros altos, uma vez que as pedras lançadas estavam atingindo peregrinos do outro lado), rito que significa o desafio ao demônio. Depois, se possível, os peregrinos sacrificam um animal de sua propriedade e, em seguida, os homens raspam o cabelo e as mulheres cortam uma polegada do cabelo.
- 11º dia: os peregrinos retonam à Meca e executam a segunda Tawaf (a circulação ao redor da Caaba) e a segunda Sai (a corrida entre as colinas de Safa e de Marwa).
- 12º dia: os peregrinos retornam à Mina e repetem o ritual do apedrejamento do demônio.
- 13º dia: retorno à Meca, onde executam o Tawaf do Adeus (a última circulação ao redor da Caaba) e, por fim, as cerimônias terminam e, então, os peregrinos deixam Meca.

A origem pré-islâmica

            Diante da grandiosidade deste evento, bem como da tamanha devoção dos fiéis durante as cerimônias e da beleza da Grande Mesquita de Meca, é interessante conhecer a crença que motiva a magnitude desta concentração religiosa.
A Caaba cercada por milhares de  peregrinos durante a Hajj
Em suma, os ritos da Hajj são re-encenações de lendas que relatam episódios aflitos e gloriosos das vidas de Abraão (Ibrahim para os muçulmanos), de sua escrava, Hajar, com quem teve um filho, Ismael (Bianchi, 2004: 08). Lendas, nem sempre coincidentes, preservadas pela tradição (Hadith), das quais Maomé adaptou para um contexto islâmico, a fim de atribuir uma origem gloriosa e monoteísta para o conjunto de revelações que estava transmitindo na época.  Os cultos à Caaba (lit. cubo), à Pedra Preta e aos locais ao redor (Safa, Marwa, etc.) já existiam antes de Maomé, porém eram cultos politeístas praticados pelas tribos nativas da região árabe. Maomé, após suas conquistas militares, reformou estes cultos dando-lhes um caráter monoteísta. O Alcorão III. 96-7 ufaneia: “A primeira Casa (de adoração) destinada aos homens foi aquela de Bakka (Meca). Plena de benção e guia para todos os seres. Nela estão sinais manifestos: o lugar de estadia de Abraão. Qualquer um que penetre nela alcança segurança. A peregrinação a ela é um dever que os homens devem a deus...” (Ali, 1934: 148 e Challita, 2002: 32).
A associação de Abraão com o Islã foi uma manipulação astuta de Maomé que funcionou. Nas palavras de David E. Long: “Ao vincular o Islã a Abraão, Maomé parece ter sido influenciado pela grande população judia em Medina. Não só ele conheceu a tradição judia com os judeus, como também procurava alcançar reconhecimento de si mesmo como profeta, para tanto, Maomé utilizou a tradição comumente aceita de que Abraão era o pai natural de ambos: dos árabes e dos judeus. Quando os muçulmanos romperam com os judeus de Medina, o uso de Abraão como uma figura de pai foi apropriado, visto que ele (Abraão) pré-datava tanto o Cristianismo como a Torá Judaica. Ligar Abraão com o Islã foi, mais que tudo, uma inovação e não uma adaptação da tradição pré-islâmica de Meca” (Long, 1979: 05).
A etimologia da palavra Hajj é interpretada assim: “A palavra Hajj está relacionada com o hebraico Hag, a qual refere-se aos festivais cíclicos envolvendo a peregrinação e talvez a circulação. Significa “dirigir-se para”, relacionada com o ato de peregrinação” (Long, 1979: 04).

As lendas por trás dos ritos da Hajj islâmica

Desenho mostrando o interior da Caaba
A construção da Caaba por Abraão e seu filho Ismael é mencionada no Alcorão (II. 125-7), mas os relatos mais extensos foram preservados nas tradições (Hadith). Então, um corpo de lendas se desenvolveu a partir da referência à construção da Caaba por Abrão e seu filho no livro sagrado do Islã. No entanto, “de acordo com alguns relatos, a Caaba de Abraão foi, na verdade, a segunda a ser construída no local, a primeira sendo construída por Adão, que tinha ido à Meca após ser expulso do Paraíso. Esta primeira construção, tal como a lenda relata, foi destruída durante o Dilúvio” (Long, 1979: 06). Portanto, segundo esta versão da lenda, o que Abraão fez foi, na verdade, reconstruir a Caaba.
Os relatos nas lendas são divergentes, de modo que David E. Long tenta organizá-los assim: “Abraão e seu filho Ismael tiveram ajuda sobrenatural enquanto eles construíam (ou reconstruíam) a Caaba. De acordo com uma versão, deus guiou Abraão até o local da primeira Caaba por uma nuvem, que parou acima do local e ordenou a Abraão que construísse um edifício sobre a sombra que ela projetava. Abraão começou a construir usando pedras trazidas por Ismael. Numa outra versão, as pedras eram extraídas de três montanhas: uma de Meca, uma de Jerusalém (o Monte das Oliveiras) e uma do Líbano (o Monte Hermon)” (Long, 1979: 06).
“No canto leste da Caaba (cada canto está dirigido para um ponto cardial) está a famosa Pedra Negra.  De acordo com a lenda, ela foi trazida até Abraão pelo anjo Gabriel de Jabal Abn Qubays (uma montanha perto de Meca), onde ela tinha permanecido desde o dilúvio, tendo sido parte da Caaba original. A pedra era originalmente branca, mas ficou preta pela contato com os pecados do homem. No Dia do Julgamento a pedra falará em testemunho contra a humanidade” (Long, 1979: 06).
“Outro conjunto de lendas ligando Abraão ao Islã e a Hajj trata das sagrada fonte de água Zamzam, localizada no interior da Grande Mesquita e da Sai, ou as sete travessias entre as colinas de Safa e Marwa. Não há menção da Zamzam no Alcorão, mas as colinas Safa e Marwa são elogiadas (II. 158): “Al-Safa e Al-Marwa figuram entre os lugares de Deus. Quem fizer a peregrinação à Casa (Caaba) ou a visitar (Umra) não cometerá transgressão se circundar estes dois montes...” (Ali, 1934: 62 e Challita, 2002: 14).
A Pedra Negra no interior da Caaba, a qual é vista e
tocada de fora pelos fiéis através de um objeto que
parece a combinação de vitrine e relicário

“As lendas relativas à Zamzam e à Sai variam, mas a história geral envolve Hajar e seu filho Ismael, abandonados no deserto por Abraão. De acordo com uma versão, Abraão e sua esposa Sarah, tendo deixado a Caldeia, viajaram para o Egito. Quando estavam lá, o faraó Salatis tentou por três vezes seduzir Sarah, mas foi milagrosamente impedido, de maneira que não pode fazê-lo. Liberando-a para seu marido, ele deu a ela uma lembrança, uma bela escrava, Hajar. No principio as coisas iam bem, Abraão teve um filho, Ismael, com Hajar (pois Sarah era estéril). Mas Sarah começou a ficar ciumenta e exigiu que Abraão abandonasse os dois no deserto. Relutante ele fez assim, deixando-os no Vale da Sede, o local da atual Meca. Abraão previu, contudo, que aquele era o local da primeira Caaba e que nenhum mal ocorreria a Hajar e a Ismael. Depois que ele partiu, Hajar correu em direção a uma miragem de água até que ela alcançou o topo da colina Al-Safa e regressou, então ela perseguiu a miragem até que ela alcançou o topo da colina Al-Marwa. Após correr de ida e de volta por sete vezes, ela retornou até seu filho, somente para descobrir a água surgindo de onde ele estava. Esta era a água de Zamzam. Em alguns relatos Ismael acidentalmente descobriu a água.e em outros, o anjo Gabriel golpeou a terra e fê-la surgir, enquanto que outros, foi a redescoberta da água originalmente usada por Adão e Eva quando eles foram expulsos do Éden. De qualquer maneira, a Sai existe para comemorar a corrida de ida e de volta de Hajar em busca de água” (Long, 1979: 07).
“De acordo com uma versão, Abraão foi ordenado por deus num sonho a sacrificar seu filho Ismael. No dia seguinte, ele disse ao seu filho que eles iriam sair para encontrar lenha, mas quando estavam caminhando, Abraão não se conteve e confessou a Ismael o que Deus lhe tinha instruído fazer. Ismael aceitou seu destino e seguiu seu pai mate o local do sacrifício que Abraão tinha visto no sonho, um penhasco próximo ao terceiro Jamrah (antes pilar, agora muro para arremesso de pedras) em Mina. No caminho, Satã apareceu para Ismael três vezes, uma vez em cada Jamrah e o alertou sobre o que seu pai pretendia fazer. Em cada ocasião Ismael lançou pedras contra Satã. Quando Ismael foi amarrado e colocado no local do sacrifício, Abraão colocou uma faca no seu pescoço, mas a faca recusou entrar na sua carne. Após uma terceira tentativa, o anjo Gabriel apareceu com um carneiro. Ele disse a Abraão que Deus tinha recebido seu sacrifício e não exigia a alma de Ismael, e que deveria, ao invés disto, oferecer um carneiro em seu lugar” (Long, 1979: 08). Esta é a origem do rito do apedrejamento em Mina.
A Hajj é um exemplo atual de como a crença em antigas lendas ainda é capaz de levar multidões a se exporem e a se submeterem às condições de desconforto e de risco, em troca de uma simples demonstração de submissão. Certamente, aglomerações com estas proporções não poderiam ocorrer sem incidentes, com a exposição ao risco de milhares de fiéis que, com frequência, resulta em acidentes e em casos de contaminação, apesar das providências dos organizadores sauditas, ano após ano, para evitar o aumento de ocorrências. As maiores tragédias decorrentes da grande aglomeração na Hajj, ocorridas nas últimas décadas, serão relatadas e analisadas em seguida.

As tragédias

Multidão a caminho do Rito do Apedrejamento em Mina
Os desastres alarmantes com numerosas vítimas é uma ocorrência recente na história das peregrinações islâmicas, pois a concentração de peregrinos em Meca não devia ser tão numerosa e tumultuada no passado, tal como é nos dias atuais. O aumento da facilidade de locomoção, com o surgimento de novos e mais rápidos meios de transporte (o avião, o automóvel, o ônibus, os trens de alta velocidade, etc.), tornou a viagem à Meca mais acessível para um número maior de peregrinos nas últimas décadas. Ademais, agências de viagem facilitam o empreendimento, através de financiamentos, consórcios e subsídios, bem como providenciam antecipadamente transporte, locação de tendas, refeições, acessórios para os ritos e outros serviços, facilidades tal como numa viagem turística (Bianchi, 2004: 04). Por conseguinte, as peregrinações gradativamente se tornaram cada vez mais abarrotadas de fiéis. Veja em seguida como as coisas se comercializaram: “... o gerenciamento da peregrinação moderna se espalha com notável rapidez, oferecendo pacotes subsidiados para todos os orçamentos e gostos. Os pacotes hoje incluem reserva online, reservas computadorizadas em hotel e para avião, materiais de treinamento bem ilustrado e videotape, hospitais de campo móveis, seguro de vida, bagagem e roupa com código de cores” (Bianchi, 2004: 05). E como tudo que se comercializa também se desvirtua: “... como em quase todos os casos, a administração da Hajj é manchada com o favoritismo e com a corrupção” (Bianchi, 2004: 05). Enfim, os principais causadores das tragédias são os incêndios, as explosões de pânico e as contaminações de doenças graves.
No passado, o perigo principal era outro, quando as viagens tinham que ser feitas por terra, os saques e os roubos às caravanas de peregrinos, a caminho de Meca eram as mais frequentes ocorrências. Hoje, este é um problema superado, mas que foi substituído por outros. De modo que, os problemas dos peregrinos que viajam para a Hajj não são de agora, apenas mudou a maneira de como acontecem (incêndios, correrias de pânico, atos terroristas, asfixias em túnel, epidemias, paradas cardíacas, etc.) e, mais impressionantemente, a magnitude destes acontecimentos, bem como o número de vítimas, em virtude da grande aglomeração de participantes.
Os 3 pilares do Rito do Apedrejamento, depois substituídos
por 3 muros. As pedras lançadas costumavam atingir os
 peregrinos do outro lado
Espiritualmente, a Hajj pode ser um momento magnífico para os muçulmanos, mas, por outro lado, apesar da aparente beleza e da suntuosidade do evento, esta peregrinação fisicamente é um momento de tumulto e de caos, onde muitos são expostos ao perigo. “Ela é uma experiência estafante e perigosa, quando a exaustão, com o tempo, se transforma em delírio, a serenidade dá lugar à impaciência e o perigo ao pânico. Até os mais autoconfiantes peregrinos percebem que, estar mais perto de deus também o leva para mais perto da morte” (Bianchi, 2004: 07). Mesmo assim, Robert R. Bianchi observa: “A Hajj funciona por causa do bom sentido de ajuda mútua dos peregrinos, e não por causa dos recursos precários que os governantes dispõem para ajudá-los e controlá-los. Todo o dinheiro e a tecnologia, o planejamento e a segurança, são impressionantes e crescentes a cada ano, mas nunca suficientes. O fator decisivo é o autocontrole e a cooperação mútua dos peregrinos” (Bianchi, 2004: 08).
Não adianta a rapidez com a qual as autoridades sauditas providenciam novos recursos e tentam melhorar a segurança do evento, pois elas nunca conseguem acompanhar o crescente surto de peregrinos ansiosos para se submeterem a qualquer condição. Por exemplo, nas últimas três décadas, cerca de 2.700 peregrinos morreram somente em Mina, a maioria por causa de incêndios nos acampamentos ou por causa de multidões aglomeradas em pontes de pedestres e em túnel que leva às áreas de apedrejamento (Bianchi, 2004: 10).
Abaixo segue uma lista mostrando, em ordem cronológica, as principais tragédias ocorridas nas últimas décadas (Bianchi, 2004: 11; BBC News 17/12/2007 e Aljazeera.com 19/11/2009):
- 1975: Um incêndio matou pelo menos 200 peregrinos no acampamento em Mina.
- 1979: Cerca de 250 membros de uma seita saudita tomou a Grande Mesquita. Mais de 100 invasores e 127 soldados sauditas foram mortos, depois de duas semanas de cerco.
- 1987: Polícia entrou em choque com manifestantes pró-iranianos na Grande Mesquita, deixando 402 mortos.
- 1989: Um peregrino foi morto e 16 ficaram feridos após a explosão de uma bomba colocada perto da Grande Mesquita.
- 1990: 1.426 peregrinos morreram, por pisoteamento e por asfixia, durante uma correria de pânico no interior de um túnel de pedestres através das montanhas entre Meca e Mina. Uma falha elétrica cortou o fornecimento de energia do ar condicionado e da iluminação do túnel, com isso o pânico se espalhou.
- 1994: Pisoteamento matou 270 peregrinos perto do Jamarat (rito de apedrejamento).
- 1997: Um incêndio espalhou-se pelo acampamento de peregrinos em Mina destruindo 70 mil tendas e causando 343 mortes e ferindo 1.500.
- 1998: Multidão super aglomerada e pisoteamento no Jamarat deixou 118 mortos.
- 2001: Multidão sufocada durante o Jamarat deixou 35 mortes.
- 2003: 14 peregrinos morreram quando retornavam do rito de apedrejamento
- 2004: 251 peregrinos morreram em Mina durante uma correria de pânico no Jamarat.
- 2006: 345 peregrinos morreram num pisoteamento durante o rito de apedrejamento.
            Agora, diante deste quadro funesto, a sensatez nos leva a refletir sobre o proveito em participar nesta apinhada peregrinação anual, em tão grandes circunstâncias de risco, com o dispêndio de tanto esforço, tempo e dinheiro, na confiança em lendas controvertidas sem nenhuma sustentação histórica, apenas em troca de uma demonstração de submissão ao Islã e a Deus. Portanto, seria curioso investigar a suscetibilidade à crendice dominante nas mentes destas multidões, que leva tantos fiéis a se submeterem a tal sacrifício e a tamanha exposição ao risco, porém, infelizmente, a limitação de espaço aqui nos obriga a deixar esta investigação para outra oportunidade.


Bibliografia

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ARBERRY, Arthur J. (tr.). The Koran Interpreted. New York: Macmillan Publishing Co., 1955.
BIANCHI, Robert R. Guests of God: Pilgrimage and Politics in the Islamic World. New York/Oxford: Oxford U
niversity Press, 2004.
CHALLITA, Mansour (tr.). O Alcorão. Rio de Janeiro: ACIGI, 2002.
CHITTICK, William C. and Sachiko Murata. The Vision of Islam. St. Paul: Paragon House, 1994, p. 19-20.
LONG, David Edwin. The Hajj Today: A Survey of the Contemporary Makkah Pilgrimage. Albany: State University of New York Press, 1979.
PALMER, E. H. (tr.). The Qur’an – Sacred Books of the East, vols. 6 and 9. Delhi: Motilal Banarsidass, 1994.
PETERS, Francis E. A Reader on Classical Islam. Princeton: Princeton University Press, 1994, p. 279-89.
RIPPIN, Andrew. Muslims: Their Beliefs and Pratices, vol. 2. London: Routledge, 1997, p. 136-41.
ROBINSON, Neal. Islam: A Concise Introduction. London/New York: RoutledgeCurzon, 2003, p. 127-48.
WARRAQ, Ibn. Why I am not a Muslim. Amherst: Prometheus Books, 1995, p. 35-41.
WILLIAMS, John A. Islam. New York: George Braziller, 1961. 





terça-feira, 9 de outubro de 2012

|ESTUDO| A Comicidade dos Milagres na Infância de Jesus


Octavio da Cunha Botelho

         
Pintura  do menino Jesus e seu pai José
Muitos desconhecem e, por isso, se surpreenderão ao saber da existência de evangelhos sobre a infância de Jesus. Obviamente, não são textos canonizados, portanto foram abandonados ao esquecimento pelas correntes cristãs predominantes. Mesmo entre os textos apócrifos, não são os mais conhecidos e publicados, de modo que, o artigo abaixo será para muitos leitores uma surpreendente novidade. Ao mesmo tempo que surpreendem, estes textos nos divertem também, uma vez que estão repletos de relatos sobre milagres cômicos de Jesus na sua infância, muitos deles em momentos de travessuras. Enfim, os cristãos se surpreenderão, ou talvez os abominarão, enquanto que os laicos se divertirão com a comicidade. Sendo assim, este estudo é apropriado para o Dia das Crianças, já que a infância é a fase das travessuras.
A composição e a preservação de narrativas sobre a infância de líderes religiosos não são frequentes na cultura religiosa. Exceto nos apócrifos de Jesus, só iremos encontrar mais narrativas extensas sobre a infância de Sri Krishna no livro 10 do Bhagavata Purana. A diferença é que os textos sobre a infância de Jesus nunca foram canonizados, enquanto que os relatos sobre a infância de Sri Krishna, não foram apenas amplamente reconhecidos pelos hindus, como também foram reproduzidos em muitas artes e compostas muitas canções em louvor aos episódios desta fase da sua vida. Ou seja, a infância de Sri Krishna é reverentemente cultuada.

Os Evangelhos da Infância de Jesus
           
O número de evangelhos, nos primeiros anos do Cristianismo, era tão grande que os mesmos podiam até mesmo ser classificados em gêneros. Os historiadores não apresentam números coincidentes, mas estima-se que, pelo menos, cinquenta evangelhos eram existentes na época do Concílio de Nicéia (325 e.c.). Dentre os tantos gêneros, um deles é o gênero dos Evangelhos da Infância de Jesus. Estes nunca foram canonizados, por isso, com o tempo, caíram no esquecimento, bem como foram queimados pela Igreja na Idade Média. De modo que muitos hoje, cristãos ou ateus, nem sequer sabem que estes textos apócrifos existem. Em vista do número de manuscritos sobreviventes, estes textos devem ter gozado de certa popularidade nas regiões onde a perseguição ortodoxa era menor.
            Parece que a principal intenção com a composição dos Evangelhos da Infância foi mostrar o conhecimento precoce de Jesus de sua origem sobrenatural e de seu poder sobre a vida e a morte. Bem como, outro objetivo pode ter sido preencher a omissão sentida nos textos ortodoxos quanto às informações sobre a infância de Jesus. Exceto a passagem em Lucas 2:41-50, os Evangelhos Canônicos são quase que omissos sobre os primeiros anos da sua vida (Elliott, 1996: 19).
Página interna do Evangelho Árabe da Infância
O leitor cristão dos dias de hoje ficará chocado com estes relatos, enquanto que o cético se deleitará com a comicidade dos eventos, no entanto, deve-se levar em conta que os textos cristãos e o Cristianismo dos primeiros séculos eram muito diferentes do que temos atualmente, após muitos séculos de exclusiva leitura habitual dos textos canônicos. Assim, é preciso lembrar que, nos primeiros séculos, não existia uma uniformidade textual nos relatos evangélicos, diferentes igrejas utilizavam distintos textos, até que gradativamente se consolidou uma corrente predominante, vitoriosa nos primeiros concílios, que unificou os textos e homologou o cânone. Portanto a diversidade de relatos orais e de textos era enorme, daí que os cristãos daquela época não deviam se chocar com estas narrativas, que para nós hoje parecem cômicas.
            De fato, dentre os gêneros de evangelhos, os da infância são os mais risíveis. Algumas passagens até parecem episódios de filmes de comédia. Confesso que, quando li estes textos pela primeira vez, no início dos anos 1980, não consegui conter o riso, sobretudo no episódio do milagre do alongamento da tábua durante a confecção de uma cama, para socorrer José, pai de Jesus, um carpinteiro imprevidente.
             Os Evangelhos da Infância de Jesus sobreviventes são:
- Evangelho da Infância por Tomé o Israelita (Platt Jr., 1926: 60s; Elliott, 1993: 68s; 1996: 20s e Ehrman, 2003; 57s)
- Evangelho Árabe da Infância (Donaldson, 1885: 405s; Platt Jr., 1926: 38s; Elliott, 1993: 100s e 1996: 28s)
- Livro da Infância do Salvador (Elliott, 1993: 108)
- Evangelho Armênio da Infância (Elliott, 1993: 118)
- Histórias Coptas da Infância (Elliott, 1993: 121)
            Muitos episódios se repetem nos evangelhos da infância, o Evangelho da Infância por Tomé parece ser o mais antigo, e os outros podem ter sido compostos a partir dele. O Evangelho Árabe da Infância é o mais extenso. Todos eles tratam da vida de Jesus dos cinco aos doze anos, terminando com o episódio de Jesus no templo, narrado em Lucas 2:41-50. O Evangelho da Infância por Tomé inicia a narrativa onde termina o Protoevangelho de Tiago, portanto pode ser considerado uma continuação.

Os milagres cruéis de Jesus

            Nos relatos destes evangelhos apócrifos da infância, Jesus também realiza alguns milagres cruéis, causando lesões corporais e assassinando crianças e adultos, por motivos fúteis. Veja em seguida alguns deles. No Evangelho da Infância de Jesus por Tomé o Israelita III 1-3, é relatado que Jesus, enquanto brincava, represou uma água. Um rapaz, vendo aquilo, desfez o que Jesus tinha feito. Jesus ficou irritado quando viu o que tinha acontecido e disse ao rapaz: “malvado, idiota irreverente, esta água represada lhe incomoda? Veja, agora você ficará seco como uma árvore, e você nunca terá folhas, ou raiz, ou frutos”. Imediatamente o rapaz ficou completamente seco (Elliott, 1993: 76; 1996: 20-1 e Ehrman, 2003: 58).
            Em seguida, neste mesmo evangelho, um episódio que é repetido no Evangelho Árabe da Infância, cap. XLVII, Jesus comete um assassinato por vingança, a partir de um motivo fútil, quando caminhava por uma aldeia e uma criança que corria lhe esbarrou no ombro. Jesus ficou irritado e disse a ela: “Você não prosseguirá em seu caminho”, e imediatamente a criança caiu e morreu (Donaldson, 1885: 414, Platt Jr. 1926: 57, Elliott, 1993: 76; 1996: 21 e Ehrman, 2003: 58). E a crueldade não acaba aqui, logo adiante, no capitulo V, depois desta ocorrência, os pais do rapaz assassinado foram reclamar para José, pai de Jesus. Este último advertiu Jesus, o qual lhe respondeu: “Bem sei que estas palavras não vêm de ti. Mas calarei em respeito a sua pessoa. Esses outros, ao contrário, receberão seu castigo”. E no mesmo instante, aqueles que o acusaram, ficaram cegos (Elliott, 1993: 76 e Ehrman, 2003: 58-9).
Gravura reproduzindo o milagre da infusão de vida
nos pássaros de barro
            E ainda mais, noutra passagem do Evangelho Árabe da Infância, cap. XLVI, Jesus estava brincando, num dia de Sabbath, com outras crianças na beira de um rio, onde tinham feito passarinhos de barro. Ao ver aquilo, o filho de um judeu, pois é proibido fazer tais coisas neste dia sagrado dos judeus, os advertiu e começou a destruir o que tinha sido feito. Quando Jesus estendeu as mãos em direção aos passarinhos de barro que tinha feito, estes saíram voando e cantando. Quando o filho do judeu se aproximou da poça, que Jesus tinha cavado, para destruí-la, ela secou e Jesus disse-lhe: “Vê como esta água secou, assim será com a sua vida”. E a criança secou (Donaldson, 1885: 414 e Platt Jr., 1926: 56-7). Este milagre é narrado no Evangelho da Infância por Tomé o Israelita, capítulo II, mas com a omissão do assassinato da criança que secou (Elliott, 1993: 75-6; 1996: 20 e Ehrman, 2003: 58).
            Estes milagres cruéis relatados acima, que não são todos nos Evangelhos da Infância, são muito diferentes dos milagres piedosos dos Evangelhos Canônicos. Porém, nem estes últimos textos ficaram absolutamente livres de um milagre cruel. Veja a maldição e o crime ecológico em Mateus 21:18-20 (também, Marcos 11:12-14 e 20-26), “De manhã, voltando à cidade, (Jesus) teve fome. Vendo uma figueira à beira do caminho, aproximou-se dela, mas não achou nada senão folhas, e disse-lhe: ‘Jamais nasça fruto de ti’. E imediatamente a figueira secou”.

A água de banho e as fraudas milagrosas de Jesus

            A água do banho de Jesus, enquanto bebê, segundo o Evangelho Árabe da Infância, era milagrosa e realizava curas, ela curou uma jovem leprosa (Platt Jr., 1926:43-4), um menino leproso filho da esposa de um príncipe (Platt Jr., 1926: 44-5), o feitiço de um jovem que foi transformado num mulo (Platt Jr., 1926: 45-6), duas crianças atacadas por uma peste em Belém (Platt Jr., 1925: 48) e outros milagres de cura (Platt Jr., 1926: 48s).
            Também, as fraudas de Jesus realizavam milagres e a morte de rivais. Numa passagem do Evangelho Árabe da Infância, a mãe de uma criança doente, que tinha uma mulher rival, pois seu marido era casado com duas esposas, recebe de presente as fraudas de Jesus, com as quais ela confecciona uma túnica para seu filho doente. Ao vesti-lo com esta nova roupa, ele foi curado e sua rival morreu no mesmo dia (Platt Jr., 1925: 48).
            Numa passagem mais adiante, uma jovem era atormentada por Satã, que lhe aparecia na forma de um dragão. A família vivia uma profunda tristeza. Sua mãe, ao saber das curas do menino Jesus, foi até Belém encontrar com Maria, a qual lhe deu um pouco de água do banho de Jesus, para derramá-la sobre o corpo da possuída. Em seguida, entregou-lhe as fraudas do menino Jesus. Então sua mãe retornou a sua cidade, e quando veio o tempo no qual Satã costuma atormentá-la na forma de um dragão, a jovem colocou sobre sua cabeça as fraudas e desdobrou-a, e de repente, delas saíram chamas que se dirigiam à cabeça e aos olhos do dragão. Com isso, Satã fugiu apavorado, abandonando a jovem e nunca mais apareceu (Platt Jr., 1926: 51-2).  

Os milagres mais cômicos

            Em seguida, é apresentada uma seleção dos milagres mais hilários na infância de Jesus, extraída principalmente do Evangelho Árabe da Infância e do Evangelho da Infância por Tomé o Israelita.
- Jesus fala no berço ainda bebê: Em ordem cronológica, o primeiro milagre de Jesus aconteceu quando tinha acabado de nascer, ainda bebê no berço, quando falou a sua mãe; “Eu, que nasci de ti, sou Jesus, o Filho de Deus, o Verbo, como te anunciou o anjo Gabriel, e meu Pai me enviou para a salvação do mundo” (Evangelho Árabe da Infância, cap. I; Donaldson, 1885: 405 e Platt Jr., 1926: 38). Este milagre é mencionado no Alcorão (XIX, 30-1), mas com uma fala diferente (Challita , 2002: 158).
Desenho do episódio do alongamento da tábua por Jesus
e seu pai José na carpintaria
- Medida de tábua não era problema: O pai de Jesus era carpinteiro e costumava fazer arados e cangas. Ele recebeu um pedido de um homem rico para fazer uma cama. Mas, quando a medida de uma das vigas transversais ficou pequena demais, ele não soube o que fazer. O menino Jesus disse ao seu pai, “coloque as duas peças de madeira sobre o chão e as alinhe do meio para a extremidade”. José fez assim tal como a criança disse. Então, Jesus se colocou na outra extremidade, pegou a tábua mais curta e a esticou até alcançar o mesmo comprimento da outra (Evangelho da Infância por Tomé, cap. 13; Elliott, 1993: 78 e Ehrman, 2003: 60-1).
- As estátuas de barro: Quando Jesus completou sete anos de idade, ele brincava um dia com outras crianças de sua idade. Para divertirem-se eles faziam com o barro imagens de animais, tais como lobos, asnos, pássaros, e cada um elogiava o seu próprio trabalho, esforçando-se para que fosse melhor do que os dos seus companheiros. Então Jesus disse para as outras crianças: ordenarei às estatuas de barro que fiz que andem e elas andarão. E então Jesus ordenou às imagens que andassem e elas imediatamente andaram. Quando ele mandava voltar, elas voltavam. Ele havia feito estátuas de pássaros que voavam quando ele ordenava que voassem e paravam quando ele dizia para parar, e quando ele lhes dava bebida e comida, eles bebiam e comiam (Evangelho Árabe da Infância; Platt Jr., 1926: 52-3).  
- Jesus, tintureiro adivinho: Certo dia, em que brincava e corria com outras crianças, Jesus passou em frente a uma loja de um tintureiro que se chamava Salém. Havia nesta loja tecidos que pertenciam a um grande número de habitantes da cidade, e que Salém se preparava para tingir de várias cores. Tendo Jesus entrado na loja, pegou todas as fazendas e jogou-as na caldeira. Salém ficou apavorado e disse: “Que fizeste tu, ó filho do Maria? Prejudicaste a mim e aos meus clientes”. Então, Jesus respondeu: “Qualquer fazenda que queira mudar a cor eu mudo”. E ele retirou as fazendas da caldeira, e cada uma estava tingida da cor que desejava o tintureiro (Evangelho Árabe da Infância; Platt Jr., 1926: 53).
- A explosão da cobra: José enviou seu filho Tiago para recolher lenha e trazê-la para casa. Jesus o acompanhou. Enquanto Tiago estava recolhendo a lenha, uma cobra mordeu sua mão. Quando ele estava estirado no chão para morrer, Jesus apareceu e soprou o local da mordida. A dor passou imediatamente, a cobra explodiu e Tiago recuperou a saúde (Evangelho da Infância de Jesus por Tomé, cap. 16; Elliott, 1993: 79 e Ehrman, 2003: 61).
- Jesus ressuscita um menino para inocentar-se: Jesus estava brincando num terraço de uma casa e uma das crianças, com quem brincava, caiu do terraço e morreu. Quando as outras crianças viram o que tinha acontecido, elas fugiram, de maneira que Jesus permaneceu lá sozinho. Quando os pais do menino que caiu chegaram, eles acusaram Jesus. Mas Jesus disse, “Eu não o empurrei”. Mas eles começaram a acusá-lo publicamente. Então, Jesus foi até o local do menino acidentado e com voz alta gritou, “Zenon (era o nome do menino) levanta-te e diga-me, eu empurrei você?” O menino imediatamente levantou-se e disse, “não, você não me empurrou, mas você me ressuscitou”. Quando os outros viram isto, eles ficaram impressionados (Evangelho da Infância por Tomé, cap. 09; Elliott, 1993: 78 e Ehrman, 2003: 60).
- Milagre para compensar um descuido: Quando Jesus tenha seis anjos, sua mãe lhe entregou um jarro para que buscasse água para sua casa. Mas, ele tropeçou na multidão e o jarro quebrou. Então, Jesus abriu o mando que usava e o encheu de água, carregando a água até sua mãe (Evangelho da Infância por Tomé, cap. 11; Elliott, 1993: 78 e Ehrman, 2003: 60).
- O imprevidente carpinteiro José é socorrido mais uma vez por Jesus: Um dia, o rei de Jerusalém mandou chamá-lo e disse; “Eu quero, José, que me faças um trono segundo as dimensões do lugar onde costumo sentar-me”. José obedeceu, e pondo mãos a obra, passou dois anos no palácio para construir o trono. E quando foi colocado no lugar, perceberam que de cada lado faltavam dois palmos a menos da medida fixada. Então o rei ficou bravo com José, que temendo a raiva do monarca, não conseguia comer e deitou-se em jejum. Então, Jesus perguntou-lhe qual era a causa do seu receio, e ele respondeu: “É que a obra que trabalhei durante dois anos está perdida”. E Jesus respondeu-lhe: “Não tenha medo e não perca a coragem, pega este lado do trono e eu do outro, para que possamos dar-lhe a medida exata”. E José tendo feito o que lhe havia pedido Jesus, e cada um puxando para um lado, o trono obedeceu e ficou exatamente com a dimensão desejada (Evangelho Árabe da Infância; Platt Jr., 1926: 53-4).



Bibliografia

CHALLITA, Mansour. O Alcorão. Rio de Janeiro: ACIGI, 2002.
DONALDSON, James and Alexander Roberts (eds.). The Arabic Gospel of the Infancy of the Saviour em Early Church Fathers – Ante-Nicene Fathers, vol. VIII. Edinburg: T&T Clark, 1885, reprint Grand Rapids: Wm. B. Eerdman Publishing Company, p. 405-15.
EHRMAN, Bart D. Lost Scriptures: Books that did not make it into the New Testament. New York: Oxford University Press, 2003, 57-62.
ELLIOTT, J. K. The Apocryphal New Testament: A Collection of Apocryphal Christian Literature in an English Translation. Oxford: Clarendon Press, 1993, 46-122.
______________ The Apocryphal Jesus: Legends of the Early Church. New York/Oxford: Oxford University Press, 1996, p. 19-30.
JAMES, M. R. The Apocryphal New Testament. Oxford: Clarendon Press, 1924.
PLATT Jr., Rutherford H. The Lost Books of the Bible. New York: Alpha  House, 1926, p. 38-62.


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

|ESTUDO| Maomé e seus Casamentos mais Chocantes


Octavio da Cunha Botelho
 
(Obs: este estudo está disponível em versão mais atualizada em:
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/04/maome-e-seus-casamentos-mais-chocanters/)
Cena do filme Innocence of Muslims
Atualmente testemunhamos uma onda de violência, da parte de muçulmanos inconformados com a produção de um filme denominado Innocence of Muslims (A Inocência dos Muçulmanos) exibido uma única vez nos EUA para um número pequeno de espectadores sem ser lançado no circuito, mas parcialmente disponibilizado no YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=lO7jZfQspXA) em uma montagem de trechos com a duração de 13,5 minutos. Pelos curtos episódios disponíveis nesta edição resumida, é possível perceber que filme é um deboche da pessoa de Maomé e do Alcorão. O profeta do Islã é representado como um tolo, um mulherengo, um extorsionário e um saqueador impiedoso, e o Alcorão como um livro que legitima a crueldade e os interesses de Maomé.
Segundo as investigações até agora, o produtor é um californiano chamado Nakoula Basseley Nakoula (55), um cristão copta que está em liberdade condicional depois de uma condenação por crimes financeiros. O elenco do filme agora alega que foi enganado pelo produtor, o qual, após as gravações, dublou as falas dos diálogos para alterar o texto. Os atores não sabiam que se tratava de um filme sobre Maomé, pois foram informados que o filme se chamaria O Guerreiro do Deserto. A qualidade é muito precária, com um orçamento muito pequeno, o que nos faz lembrar uma produção amadora. O elenco é totalmente desconhecido, o ator que interpreta Maomé tem a aparência de um surfista californiano. Algumas cenas no deserto são captadas no interior de estúdio, com as imagens dos atores sobrepostas às imagens do deserto ao fundo, porém com tanta artificialidade, que é possível perceber as sombras da iluminação artificial de estúdio sobre os atores.
Maomé numa cena de fúria no filme Innocence of Muslims
Diante destas ocorrências, amigos e leitores do meu blog estão me solicitando que escreva algo. Então, para aproveitar que o assunto ainda está em ebulição, acrescento abaixo um breve estudo sobre os mais chocantes casamentos de Maomé, desde uma perspectiva crítica. Algumas destas esposas são mostradas nesta montagem resumida do filme, inclusive sua primeira esposa Khadija, numa cena sensual. Mais adiante, quase no final, Maomé é flagrado na cama com a escrava de uma de suas esposas, ao depara-se com a cena, ela se enfurece e lhe aplica uma surra de chinelo com a ajuda da sua subordinada.

O primeiro casamento

Maomé se casou pela primeira vez aos vinte e cinco anos de idade com uma viúva rica de quarenta anos, a qual já tinha dois casamentos anteriores, portanto quinze anos mais velha que ele, chamada Khadija. Ela o colocou na administração dos seus negócios, uma vez que até então ele não possuía trabalho fixo, como um agente comercial, e pelos relatos nas biografias, ele se saiu bem. Os críticos percebem neste evento o oportunismo de Maomé em casar-se por dinheiro, é o que alguns denominam através da expressão popular de “golpe do baú”.  Seu casamento com Khadija durou vinte e cinco anos, até o falecimento de sua esposa aos sessenta e cinco anos de idade. Durante todo o seu período de casado, ele não teve nenhuma outra esposa e viveu dos negócios da empresa comercial da mulher. Pois, como observa Anwar Hekmat: “Khadija era uma mulher muito capaz e rica, e em vista do fato que ela era de um clã influente de Meca, é muito provável que ela tenha estipulado uma cláusula no seu contrato de casamento evitando que seu marido casasse com outra mulher. Antes, as mulheres islâmicas na Arábia eram mais independentes do que elas são hoje no Islã. (...) Financeiramente, Maomé era muito dependente de sua rica esposa, mas é claro que ela não teria suprido ele com meios bastantes para se casar com outra mulher” (Hekmat, 1997: 41).  Do que foi dito acima, não é difícil deduzir que Maomé, durante os anos que conviveu com Khadija, se comportou como um marido bem submisso da esposa, muito diferente da orientação no Alcorão IV: 34: “Os homens têm autoridade sobre as mulheres pelo que Deus os fez superiores a elas e que gastam de suas posses para sustentá-las...”.
Pintura de Maomé e Khadija
Depois da morte de Khadija, “como ele (Maomé) não tinha mais que trabalhar para seu sustento, ele gastou a maioria do seu tempo batendo papo com as pessoas que ele tinha a oportunidade de encontrar nas viagens e estudar as vidas sociais e crenças religiosas de outros povos fora de Meca” (Hekmat, 1997: 40). Bem, tudo que Maomé aprendeu, teve de ser através de bate papo, uma vez que era analfabeto. A prova de que ele foi um marido submisso enquanto casado com Khadija está no fato que, assim que esta sua primeira esposa faleceu, ele viu a oportunidade de extravasar todo o seu apetite sexual, reprimido durante aqueles anos, e se casou em seguida com várias esposas, inclusive com uma criança de nove anos (Aisha) e com sua nora (Zaynab). Nas palavras de Anwar Hekmat: “Maomé pode ter reprimido suas paixões sexuais não se atrevendo a revelá-las abertamente enquanto sua poderosa esposa estava viva, mas da descrição que ele fornece do paraíso no Alcorão, pode-se seguramente admitir que a ideia de desfrutar a companhia de jovens e belas mulheres era uma qualidade inata e sempre foi um papel dele enquanto viveu.” (Hekmat, 1997: 42). Seu apetite estava tão reprimido que o segundo casamento aconteceu apenas poucos dias após a morte de Khadija.

Os casamentos mais chocantes

Sua segunda esposa foi Sauda, a ex-esposa de um dos seus seguidores que tinha se mudado para a Etiópia, estando lá, seu marido abandonou o Islã e se converteu ao Cristianismo.  Sauda então abandonou o marido e retornou para Meca. Segundo a lei islâmica, qualquer mulçumano que muda de religião e assim torna-se um apóstata é considerado um divorciado de sua esposa, e não sendo mais legalmente ligado a ela. Com seu retorno à Meca, Maomé a tomou como esposa e consumou o casamento. Isto aconteceu apenas poucos dias após a morte de Khadija. Porém, Sauda permaneceu apenas poucos meses na companhia de Maomé (Hekmat, 1997: 43).
Foram tantas esposas que as biografias divergem quanto à quantidade. Os números podem variar de quatorze até vinte e um, mas a maioria dos biógrafos concorda em quatorze (Hekmat, 1997: 33-4). A dificuldade em estimar com precisão reside no fato que, além de esposas, ele desposou concubinas, escravas e prisioneiras de guerra. Portanto, seu harém se tornou numeroso e diversificado após a morte de sua primeira esposa. Ademais, ele se casou com algumas viúvas de seus companheiros mortos nos campos de batalha, e a justificativa para tal ato, pelos apologistas do Islamismo, é que ele desposou estas viúvas para lhes dar proteção (Robinson, 2003: 92). Bem, agora seria interessante saber por que é necessário se casar com alguém para lhe dar proteção.
Maomé na cama com Aisha
Não cabe aqui tratar de todos os numerosos casamentos de Maomé, portanto, dos tantos matrimônios, dois foram os mais chocantes. O primeiro foi com uma criança de nove anos, chamada Aisha, sua terceira esposa. Uma prática de pedofilia por alguém que se proclamava mensageiro de deus. Ela era filha de um grande amigo de Maomé, Abu Bakr, um dos seus primeiros seguidores e que depois se tornaria o primeiro Califa (sucessor) no Islamismo. O contrato de casamento foi feito quando Aisha ainda tinha seis anos de idade. Nas assustadoras palavras de Anwar Hekmat: “O apóstolo de Alá, na sua paixão de possuí-la, estava com tanta pressa que não esperou sequer pela chegada da noite, ele pediu à mãe da noiva para enviá-la para sua cama nas primeiras horas da manhã logo após a cerimônia de casamento” (Hekmat: 1997: 43). Quando esta união aconteceu, Maomé tinha mais de cinquenta anos de idade, portanto idade suficiente para ser avô de Aisha e, também, era mais velho que o pai dela, Abu Bakr. O relato seguinte é tão absurdo que chega ser cômico: “A garota era tão criança que, de acordo com os biógrafos islâmicos, ela levava seus brinquedos para a cama do Profeta. A pequena garota tinha permissão de manter seus brinquedos e suas bonecas, e algumas vezes o Profeta brincava de jogos com ela” (Hekmat, 1997: 45).
O próximo casamento chocante foi com sua nora (Zaynab), ou seja, a filha de seu filho adotivo, Zayd. Um caso incestuoso que teve origem num ato de explosão passional de Maomé. Veja a narração deste episódio por Hekmat: “Um dia Maomé foi inesperadamente até a casa de seu filho adotivo. Zayd não estava em casa, mas a nora recebeu seu sogro mesmo que ela não estivesse completamente vestida. Sendo sua nora, ela provavelmente não se importou de se vestir ou de se cobrir completamente. Maomé não deixou de notar as belezas ocultas de sua nora, e após murmurar algumas palavras incoerentes, ele exclamou: Louvor a Alá, o mais elevado; louvor a Alá, que muda o coração dos homens” (Hekmat, 1997: 56). Daí nasceu a paixão de Maomé por sua nora Zaynab, uma paixão que ele entendeu como motivada por deus. Esta união incestuosa é relatada também no Alcorão (33: 37) com a aprovação de Alá: “... E quando Zayd satisfez seu desejo de sua mulher, nós ta demos em casamento para que os crentes soubessem que não é um crime para eles casarem-se com as mulheres de seus filhos adotivos, uma vez que estes tenham satisfeito seu desejo delas. O mandamento de Deus é sempre cumprido” (Palmer, 1994: 144; Ali, 2002: 1118 e Challita, 2002: 226). E tudo que foi relatado acima é legitimado pelo Alcorão: “Ó Profeta, tornamos legais para ti as tuas esposas que dotastes e as escravas que Deus te outorgou, e as filhas de seus tios paternos e maternos, e de tuas tias paternas e maternas que emigraram contigo e qualquer outra mulher crente que se oferecer ao Profeta e que ele quiser desposar: privilégio teu, com exclusão dos demais crentes – sabemos o que lhes impusemos com relação às suas esposas e escravas – para que ninguém possa censurar-te. Deus é compassivo e misericordioso” (33: 50 – Arberry, 1955: 126-7; Palmer, 1994: 146; Ali, 2002: 1122 e Challita, 2002: 226). 
De tudo que foi dito acima, para o Alcorão, deus aprova e incentiva o incesto privilegiado, a poligamia, o pagamento de dote, a pedofilia e a escravatura.

Bibliografia

ALI, Abdullah Yusuf (tr.). The Holy Qur’an: Text, Translation and Commentary. New York: Tahrike Tarsile Qur’an Inc, 2002.
ALI, Maulana M. (tr.). A Manual of Hadith. Lahore: The Ahmadiyya Anjuman Ishaat Islam, 1944. 
ARBERRY, Arthur J. (tr.) The Koran Interpreted. New York: Macmillan, 1955.
CHALLITA, Mansour (tr.). O Alcorão. Rio de Janeiro: ACIGI, 2002.
COOK, Michael. Muhammad. New York/Oxford: Oxford University Press, 1996. 
HEKMAT, Anwar. Women and the Koran: The Status of Women in Islam. Amherst: Prometheus Books, 1997.
MOTZKI, Harald (ed.). The Biography of Muhammad: The Issue of Sources. Boston/Leiden: Brill Academic Publishers, 2000.
PALMER, E. H. (tr.) The Qur’an (Sacred Books of the East, vol. 09). Delhi: Motilal Banarsidass, 1994.
PETERS, Francis E. A Reader on Classical Islam. Princeton: Princeton University Press, 1994. 
ROBINSON, Neal. Islam: A Concise Introduction. London/New York: RoutledgeCurzon, 2003.
WARRAQ, Ibn. Why I am not a Muslim. Amherst: Prometheus Books, 1995. 
_____________ (ed.). The Origins of the Koran: Classic Essays on Islam’s Holy Book. Amherst Prometheus Books, 1998.
_____________ (ed.). The Quest for the Historical Muhammad. Amherst: Prometheus Books, 2000.
WILLIAMS, John A. Islam. New York: George Braziller, 1961.