quinta-feira, 22 de novembro de 2012

|ESTUDO| A Linhagem dos Dalai Lamas: um Breve Estudo Crítico-histórico


Octavio da Cunha Botelho
       
   


(Obs: este estudo está disponível em versão mais atualizada em:
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/02/a-linhagem-dos-dalai-lamas-2/)



O Palácio Potala em Lhasa, construído pelo 5º Dalai Lama
no século XVII, foi o centro do governo e a residência
 do Dalai Lama até 1959, atualmente aberto ao turismo
 
Nunca na história do Tibete um Dalai Lama teve tanta popularidade internacional como o atual, Tenzin Gyatso, o décimo quarto, cujo carisma o leva a ser bajulado em todos os cantos por onde viaja. A ocupação chinesa do Tibete, o massacre de seu povo e o exílio do seu líder comoveram o mundo e o transformaram numa celebridade mundial.
Entretanto, por trás da sua habitual mensagem de paz e de não violência está uma história de violência, que poucos conhecem, a qual esclarece como os dalai lamas chegaram a terem tanto poder sobre o povo tibetano. O breve estudo abaixo procura resumir estes esclarecimentos.     
 
O isolamento do Tibete

            Sobre a impenetrabilidade do Tibete, Emil Schlagintweit, um dos primeiros a escrever, em forma de livro, sobre esta região tão desconhecida dos ocidentais na época, observou em 1863: “pois penetrar no Tibete sempre foi uma matéria de grande dificuldade, ambas, em virtude dos obstáculos apresentados pelas grandes elevações do território, como também pelos sentimentos ciumentos e hostis dos nativos para com os estrangeiros” (Schlagintweit, 1863: 145). L. Austine Waddell, quem teve a rara oportunidade de estar com os lamas tibetanos por várias vezes no século XIX e.c., bem como permanecendo por longos períodos de tempo, aprendeu a língua tibetana, tinha mais facilidades de penetrar nesta região quase impenetrável, em virtude de ter sido um militar britânico (mesmo assim, nalgumas vezes teve de entrar disfarçado), disse em 1895: “Tibete, a terra mística do Grande Lama (Dalai Lama) ... é ainda o mais impenetrável país no mundo. Por trás de suas barreiras de gelo, erguidas pela própria natureza, e quase intransponíveis, seus sacerdotes guardam seus desfiladeiros cuidadosamente contra estrangeiros. Poucos europeus entraram no Tibete, e nenhum, desde meio século atrás, alcançou a cidade sagrada (Lhasa). Dos viajantes dos últimos tempos, que têm se atrevido a entrar nesta terra obscura, após escalarem suas fronteiras e penetrarem em seus desfiladeiros, enfiando-se nos desertos de neve, mesmo os mais intrépidos fracassaram em ir além dos arredores da sua província central” (Waddell, 1972: 01-2; 1ª edição: 1895).
Tashilhumpo, fundado pelo 1º Dalai Lama no século XV,
um dos quatro mais importantes mosteiros da seita Gelugpa
De modo que, o Tibete foi uma região tão fechada para o Ocidente, que os visitantes europeus, que a visitaram até o final do século XIX, podem ser contados nos dedos. Veja em seguida os relatos dos escritores que escreveram, na segunda metade do século XIX e no início do século XX, sobre os pouquíssimos visitantes europeus que alcançaram Lhasa (capital do Tibete). Curiosamente, os pioneiros foram missionários cristãos, porém nenhuma missão alcançou êxito, pois os religiosos eram logo expulsos.
O primeiro europeu a alcançar Lhasa, capital do Tibete, foi o frade Odorico de Pordenne, por volta de 1328 (Landon, 1905: 05-6) ou 1330 (Waddell, 1972: 02). Em 1661, os jesuítas Albert Dorville e Johann Gruher visitaram Lhasa em seus caminhos da China para a Índia. Depois, em 1706, os padres capuchinhos Josepho de Asculi e Francisco Maria de Toun entraram em Lhasa desde Bengala. Em 1716, o jesuíta Ippolito Desideri a alcançou vindo da Caxemira, permanecendo lá por cinco anos (1716-21). Ele foi o primeiro ocidental a aprender a língua tibetana. Em 1741, uma missão capuchinha conduzida por Horacio de La Penna, com cinco companheiros, chegou até Lhasa, no entanto seus esforços em propagar a fé cristã teve pouco sucesso, embora tenha sido recebida amavelmente pelas autoridades tibetanas. Entre os anos de 1774 e 1812 vieram os primeiros exploradores, George Bogle, um jovem escritor da East India Company, tenente Samuel Turner e Thomas Manning, um excêntrico matemático e pesquisador oriental, todos eles alcançaram, com relativo sucesso, o interior deste país de mistério. Os subsequentes foram os missionários Evariste Huc e Joseph Gabet, os quais alcançaram Lhasa em 1845, mas foram expulsos sete semanas depois da chegada (Schlagintweit, 1863: 145-6; Waddell, 1972: 02 e para aprofundamento, ver: Landon, 1905: 05-17). Bem, estes são os relatos dos que conseguiram, por outro lado não sabemos quantos foram os que tentaram, mas morreram ou desapareceram no caminho (Landon, 1905: 16).
A dificuldade para entrar no Tibete continuou pelos anos seguintes. Nos anos 1850, todos os estrangeiros foram expulsos e as fronteiras fechadas a todos de fora. Durante os anos 1923-49, o Tibete desfrutou de uma independência de facto, quando a China estava ocupada com guerras internas, com o movimento comunista e com a Segunda Guerra Mundial, mesmo assim o Tibete continuou a manter limitados contatos com o resto do mundo e Lhasa foi fechada aos estrangeiros. Porém, apesar desta situação, alguns exploradores conseguiram penetrar naquelas misteriosas terras naquele período. Desde então, foram possíveis descrições mais acertadas sobre a cultura e a religião dos tibetanos, com os trabalhos esclarecedores de W. W. Rockhill (1854-1914), Laurence Austine Waddell (1854-1938 e Sir Charles Bell (1870-1945). Atualmente, a situação é muito diferente, a região está aberta ao turismo, desde algumas décadas, o palácio Potala em Lhasa, antiga residência do Dalai Lama, transformou-se em ponto turístico, até os antigos aposentos íntimos do líder lamaísta podem ser visitados. No entanto, a prática do Budismo é atentamente controlada pelas autoridades chinesas.

O resultado da introversão tibetana

Drepung, outro dos quatro mais importantes mosteiros
da seita Gelugpa, a corrente dominante no Tibete a partir
do século XVII
            O isolamento do Tibete o manteve como o grande baluarte da cultura supersticiosa no mundo, onde se podia encontrar o maior cultivo das práticas mágicas. A cultura e a vida tibetanas testemunhadas pelos que as conheceram no século XIX, E. Schlagintweit, W. W. Rockhill, L. A. Waddell e Charles Bell lembram a retrógada mentalidade supersticiosa da Antiguidade e da Idade Média, com seu devotado envolvimento com as práticas da feitiçaria, do exorcismo, da bruxaria, da demonolatria, da adivinhação, da necromancia, etc. (Waddell, 1972: 403-19, 450-500 e passim), enfim, em outras palavras, o Tibete por muito tempo foi o “covil dos magos”.
            Enquanto, no século XIX, a Europa e outros países do mundo experimentavam as transformações da Revolução Industrial, o Tibete se introvertia ainda mais, fechando suas fronteiras aos estrangeiros, mergulhando mais fundo na sua obsoleta cultura supersticiosa.
            Parece que grande engano dos tibetanos, talvez estejam colhendo o que semearam, foi sempre pensar que a característica étnica era o suficiente para caracterizar o conceito de Estado. Em virtude do seu isolamento, eles não acompanharam as transformações no conceito de Estado que aconteciam na Europa, com as novas ideias de Montesquieu, de Rousseau e da Revolução Francesa, eles pensavam que apenas a propriedade étnica era suficiente para caracterizar a formação de um Estado. O resultado foi que nunca conseguiram o reconhecimento internacional como um estado independente. Enfim, os tibetanos não conheceram o conceito moderno de Estado:
1-    Território: o Tibete nunca teve um território com fronteiras permanentes e claramente definidas, pois ora estava fragmentado por feudos rivais ou invadido por estrangeiros (mongóis, chineses e manchus).
2-    Povo: a população sempre foi profundamente religiosa, na qual em cada província predominava uma ou outra seita do Lamaísmo, conforme a época e a dominação estrangeira. As seitas estavam sempre brigando entre si. Algumas seitas, ou mesmo mosteiros, tinham até seus exércitos particulares (Richardson, 1962: 39).
3-    Governo: desde o século XVII, o Dalai Lama acumulou os poderes religiosos e políticos do Tibete, porém ele é apenas o líder na hierarquia de uma das seitas do Budismo Tibetano, a seita dominante, Gelugpa, e não uma unanimidade. As outras seitas também possuem suas hierarquias com seus líderes (Minmapa, Kargyupa, Sakyapa, Kadampa, Karmapa, etc.). Portanto, para o conceito moderno de Estado, o Tibete é uma região com um povo profundamente religioso governado por um líder de uma seita budista dominante. Enfim, o Tibete é mais uma “grande igreja” com poderes políticos e administrativos, do que um Estado. 

Introdução e desenvolvimento do Budismo no Tibete

            Dos tantos países por onde o Budismo se espalhou, o Tibete foi um dos últimos a recebê-lo e, mesmo assim, sua penetração foi lenta, até alcançar uma implantação definitiva. Em virtude da chagada tardia, a modalidade de Budismo recebida foi uma já heterogeneamente desenvolvida na Índia, o Budismo Vajrayana (o Veículo do Diamante).
Padmasambhava (sec. VIII e.c.), a seita Ninmapa
o considera o verdadeiro introdutor do Budismo no Tibete
            Apesar de ser habitualmente conhecido como um dos países mais fechados do mundo, o Tibete, assim como outros países, também experimentou, no passado, sua época dourada, ou seja, durante o seu período de abertura e de expansão territorial, o Império Tibetano da dinastia Yar-Lung dos séculos VII e VII e.c., quando expandiu suas fronteiras até algumas regiões da China, do norte de Índia, do leste da Ásia Central, bem como incorporou o Nepal e o Butão. Este foi o império do rei Song-Tsen Gampo (604-650 e.c.), o maior personagem da história tibetana. No entanto, este foi o único momento de glória imperial do Tibete, pois, em seguida sucedeu-se uma fragmentação do seu território e um longo período de subordinação e de domínio por forças estrangeiras (mongóis, chineses e manchus revezaram o domínio por séculos.), intercalado por curtos períodos de independência, de unificações parciais e de pequenas expansões, até a última ocupação estrangeira, a dos chineses em 1949.
            Com o aumento do seu poder militar, Song Tsen Gampo atormentou as fronteiras da China, de maneira que o então imperador chinês, Tai Tsung, da dinastia T’sang, ficou contente em chegar a um acordo com o jovem imperador tibetano e, para consolidar a aliança, deu-lhe a mão de sua filha, a princesa Wencheng, em casamento no ano de 641 e.c. Dois anos antes, ele já tinha se casado com a filha do rei do Nepal, a princesa Bhrikuti. Ambas as princesa eram budistas devotas. O jovem imperador tibetano se interessou pelo Budismo e, assim, enviou seu vassalo Thonmi Sambhoda para estudar Sânscrito na Índia. Após seu retorno, um alfabeto tibetano foi criado e a gramática foi codificada. Alguns textos budistas em Sânscrito foram traduzidos para o tibetano neste período. O sistema de escrita auxiliou a criar um sentido de comunidade cultural. Antes desta época (século VII e.c.), o Tibete era uma região selvagem, a chegada do Budismo, então, civilizou o Tibete.
            Entretanto, este primeiro impulso não foi suficiente para fazer o Budismo decolar, a nova religião importada ainda sofria muita oposição da nativa religião xamânica Bon. No século seguinte, novo impulso foi dado pelo imperador Thri Song de Tsen (742-98 e.c.) quando este convidou monges budistas da Índia para ensinarem no seu país. Então, foi neste período que chegou ao Tibete, em 747 e.c., o monge tântrico Padmasambhava, o qual seria posteriormente envolvido em muitos relatos lendários (Waddell, 1972: 24-8; 380-2 e Evans-Wentz, 2000b: 101-92), um professor da escola budista de Nalanda, norte da Índia. A seita Minmapa o considera como o verdadeiro introdutor do Budismo no Tibete. Também, importante foi a vinda do erudito monge budista Santarakshita, nesta mesma época. Este último ordenou os primeiros monges tibetanos após a construção do primeiro mosteiro budista em Samye, no ano de 775 e.c. Neste período foram feitas ainda mais traduções de textos budistas para o tibetano.
Tsong Khapa, o fundador da seita
Gelugpa no século XIV e.c.
            Entretanto, no século seguinte, quase tudo foi por água abaixo com a perseguição aos budistas empreendida pelo imperador apóstata Lang-Darma, quem governou a partir de 836 e.c., bem como com o seu assassinato em 842 e.c. Uma guerra civil eclodiu e o império desintegrou-se, perdendo, com isso, seu poder militar e político. Lang-Darma foi o último imperador. Em seguida, segui-se um período de hibernação do Budismo Tibetano até o final do século X e início do século XI.
Com a queda do Império, perdeu-se também uma liderança central no Budismo Tibetano e, consequentemente, o sistema monástico enfraqueceu-se, abrindo as portas para o aumento das práticas tântricas por praticantes que não eram monges, geralmente adeptos casados. Sucedeu-se, então, um choque de opiniões entre os defensores da vida monástica, com base nos sutras do Mahayana, os quais acusavam os tântricos de deformarem o ensinamento do Dharma; e os tântricos, por sua vez, insistiam que não era necessária a vida monástica, considerando esta como inferior às práticas tântricas.
Para solucionar este conflito, o então rei do Tibete Ocidental, Ye-Shay-o, defensor do reestabelecimento do monasticismo, convidou o monge indiano Atisha (982-1054 e.c.) para residir no Tibete, o qual chegou em 1038 e.c. Ele foi o primeiro grande reformador do Budismo Tibetano. Atisha entusiasmou os tibetanos com seus ensinamentos e forneceu a base para a solução do conflito entre as práticas monásticas e tântricas, ele incluiu ambas em sua síntese. Seu discípulo, Drom-Don-ba (1005-64 e.c.), enfatizou o monasticismo e a prática do aspecto exotérico do Budismo. Esta ênfase o levou a fundar, em 1050 e.c., a seita Kadampa, a precursora da grande seita Gelugpa, esta última foi fundada pelo grande reformador tibetano Tsong Khapa (1357-1417 e.c.), em 1407 e.c., a corrente dominante do Budismo Tibetano até os dias de hoje.
A partir, então, do século XI, inicia-se uma efervescência no Budismo Tibetano, com o surgimento de muitos reformadores e a multiplicação de novas seitas, o que torna muito extenso expor todo o assunto aqui. Para conhecer um esquema geral das sitas do Budismo Tibetano, consultar a obra Tibetan Buddhism de L. A. Waddell, p. 55, onde as correntes são divididas em: reformadas (Gelugpa e Kadampa), semi reformadas (Kargyupa, Karmapa, Sakyapa e outras) e as não reformadas (sobretudo Minmapa). Para aprofundamento na história do Budismo no Tibete, ver: Waddell, 1972: 18-53; Conze: 1996: 104-6 e 127-38; Obermiller, 1996: 181s; Dreyfus, 2003: 17-31 e Wayman: 2006: 250-6.             

A heterogeneidade do Budismo Tibetano

            Quatro camadas se integram e se sobrepõem no Lamaísmo:
1ª camada: relativa à corrente do Hinayana (Pequeno Veículo, recebe este nome porque sua embarcação (yana) abriga poucos pretendentes, os quais precisam ser monges e passar por austeras disciplinas para alcançarem o Nirvana) os ensinamentos básicos de Buda, o monasticismo. Esta é a visão budista que gira principalmente em torno das três categorias: Samsara, Karma e Nirvana. Na tradição tibetana, estas ideias e práticas budistas raramente são autossuficientes, ao invés, elas são combinadas com a segunda camada.
2ª camada: as ideias e as práticas nos sutras (sermões) do Budismo Mahayana (Grande Veículo, recebe este nome porque sua embarcação (yana) abriga muitos pretendestes, não precisa ser monge para alcançar o Nirvana e está aberto a todos) que propõe o ideal do Bodhisattwa, a renúncia ao Nirvana para auxiliar os outros a alcançarem o budado. Isto exige a prática da conduta à Libertação, que consiste na prática de: moralidade, concentração, insight, compaixão e o caminho conhecido como “Veículo da Perfeição” (Paramitayana). Esta é a parte exotérica do Budismo Tibetano.
3ª camada: consiste nos textos esotéricos, as ideias e as práticas encontradas no Tantras, os quais ensinam o cominho secreto, o Mantra Secreto, ou Vajrayana (Veiculo do Diamante, recebe este nome porque sua embarcação (yana) abriga os ensinamentos do Hinayana, do Mahayana e dos Tantras). O objetivo da prática tântrica é ativar o potencial interno do discípulo para apressar a conquista do Nirvana.
4ª camada: o Budismo Tibetano não está limitado a estas três correntes canônicas. Existe uma grande quantidade de práticas populares tratando de: possessão, exorcismo, adivinhação, cura, adoração de demônios, invocação de elementos da natureza e de espíritos, busca de riqueza e de poder, etc. Este é o substrato xamânico da nativa religião Bon, o qual nunca se desgarrou da tradição budista do Tibete (Dreyfus, 2003: 18-20).

A linhagem dos Dalai Lamas

            Poderá ser novidade para muitos, mas Dalai Lama não é o nome de uma pessoa, senão o nome de um cargo de líder religioso, assim como é o nome Papa no Catolicismo, o nome Patriarca na Igreja Ortodoxa e o nome Califa no Islamismo. O nome do atual Dalai Lama é Tenzin Gyatso (1935- , nome religioso), ele é o décimo quarto Dalai Lama, seu nome de família é. O nome Gyatso (oceano em tibetano) acompanha os nomes de todos os Dalais, exceto o primeiro, Gendun Drup (1391-1474 e.c.), tal como será visto em seguida.
A história dos Dalai Lamas começa em 1578 e.c., quando Sonam Gyatso (então abade do mosteiro Gelugpa de Drepung, quem depois se tornaria o terceiro Dalai Lama) visitou a Mongólia, por ser um brilhante erudito e um hábil missionário, converteu ao Budismo o líder mongol, Altan Khan, juntamente com um grande número de seus seguidores. Este último, por sua vez, concedeu a Sonam Gyatso o título de “Dalai” (oceano em mongol), uma tradução da palavra “Gyatso” (oceano em tibetano, no sentido de “oceano de conhecimento”). Depois, o título de Dalai Lama foi retrospectivamente concedido aos abades dos mosteiros de Drepung que antecederam Sonam Gyatso, estes foram, Gedun Truppa (1391-1474), sobrinho de Tsong Khapa, e Gedun Gyatso (1475-1542), de modo que, os dois primeiros Dalai Lamas receberam o título postumamente. Sonam Gyatso afirmou que ele era a reencarnação dos dois abades anteriores de Drepung (Gedun Truppa e Gedun Gyatso), aproveitando-se do então emergente sistema de lamas reencarnados (tulku, o qual acontece com a transferência da consciência de um mestre falecido para um recém-nascido), já utilizado por outras seitas lamaístas (Sakyapa, Karmapa, etc.) para assegurar a continuidade da linhagem e evitar que os bens dos mosteiros caíssem nas mãos de aproveitadores, a fim de, então, introduzir na seita Gelugpa, a linhagem de mestres reencarnados (tulku). Daí, a partir de então, todo Dalai Lama é a reencarnação de todos os Dalai Lamas anteriores, os quais, por sua vez, são conjuntamente a reencarnação de Avalokiteshwara, o Bodhisatwa da compaixão. O importante mosteiro Gelugpa de Tashilhumpo foi fundado por Gedun Truppa (o primeiro Dalai Lama) em 1445 e.c. Após o terceiro Dalai Lama (Sonam Gyatso), o mosteiro de Tashilhumpo passou a ter a sua própria linhagem de líderes, conhecidos como Panchen Lamas, paralelamente à linhagem dos Dalai Lamas. A linhagem dos Panchen Lamas (ou Tashi Lamas) são a segunda em autoridade na hierarquia da seita Gelugpa, após a linhagem dos Dalai Lamas, e também utilizam o sistema de mestres reencarnados (ver a lista da linhagem em: Waddell, 1972: 236 e para os relatos dos primeiros Dalai Lamas, ver: Richardson, 1962: 40-1 e Wayman, 2006: 253-4).
O 5º Dalai Lama, Logsang Gyatso (1617--82),
aclamado pelos tibetanos como "O Grande Quinto"
Após a morte do terceiro Dalai Lama, Sonam Gyatso, o seu sucessor, Yonten Gyatso (1589-1617 e.c.) foi suspeitamente encontrado, não por acaso, num dos bisnetos de Altan Khan, uma eficiente estratégia política para consolidar a aliança entre a seita Gelugpa e os mongóis, o que nos leva a suspeitar da honestidade do sistema de reencarnação de mestres (transferência de consciência de um mestre falecido para uma criança recém-nascida), já dotado pela seita Gelugpa (Wayman 2006; 254). Este fato consolidou a supremacia da seita Gelugpa, primado que, desde o século XVI, vigora até os dias de hoje. Porém, esta aproximação entre a seita Gelugpa e os mongóis provocou a revolta das seitas rivais, sobretudo da seita Karmapa, destronada pelos Gelugpas, então, apoiada pelo rei de Tsang (Tibete Central), desfechou um ataque contra os mosteiros Gelugpas de Drepung e Sera e o jovem Dalai Lama foi forçado a fugir. Os Gelugpas buscaram ajuda dos seus aliados mongóis, mas estes últimos não interviram imediatamente, e o Dalai Lama acabou morrendo com a idade de 25 anos de idade (Wayman, 2006: 254).
O quinto Dalai Lama, Ngawang Lobsang Gyatso (1617-1682 e.c.), foi o mais admirado de todos, por isso os tibetanos atribuíram-lhe o título de “O Grande Quinto”. Ele aliou-se com o líder mongol Gushri Khan (o grande patrono da ordem Gelugpa) que derrotou o rei Tsang, depois de uma guerra sangrenta de demorada, assim destituindo o poder militar dos Karmapas e, em seguida devolveu a liderança ao Dalai Lama, o qual expandiu o seu poder por todo o Tibete. O 5º Dalai Lama foi colocado no trono, como o líder religioso e temporal do Tibete, em 1642 e.c., e Gushri Khan ofereceu-lhe suas conquistas do Tibete Central e Oriental como presente.  
Diante desta nova situação, o antigo palácio de Ganden, no mosteiro de Drepung, não servia mais aos propósitos do novo estado, uma vez que o palácio não podia ser considerado a capital política do Tibete. Então, iniciou-se a construção do palácio de Potala em 1645 e.c., cuja conclusão em 1649 e.c., transferiu a sede do governo para Lhasa. 
Entretanto, mais uma vez, a escolha sucessória de um Dalai Lama está cercada de suspeita. Sabemos que, um dos sinais utilizados pelos lamas tibetanos para reconhecer que uma criança é a reencarnação de um lama falecido é pelo reconhecimento dos objetos pessoais utilizados por este último. O próprio “Grande Quinto” denunciou depois a fraude, sobre o seu teste de identificação de objetos, em um de seus escritos: “O oficial Tsawa Kachu do palácio Ganden (no mosteiro Drepung) mostrou-me estátuas e rosários (que pertenceram ao quarto Dalai Lama e outros lamas), mas eu fui incapaz de distingui-los. Quando ele deixou o quarto, eu o ouvi dizer aos outros do lado de fora que eu tinha passado no teste. Mais tarde, quando ele tornou-se meu tutor, ele sempre me censurava e dizia: você precisa se esforçar, visto que você foi incapaz de reconhecer os objetos” (Karmay, 2005: 12). Esta denúncia é perturbadora, porém o autor do artigo, Samten G. Karmay, não cita a fonte do registro de onde ele retirou a citação. Todos os outros livros consultados, quando tratam deste Dalai Lama, não mencionam esta denúncia.
O Sexto Dalai Lama, Tsangyang Gyatso (1683-1706), foi o mais exótico de todos. Em razão da sua vida libertina e de poeta (foi o único compositor de versos líricos do Tibete), foi deposto, preso e assassinado em 1706, com apenas 23 anos de idade (Waddell, 1972: 234 e Wayman, 2006: 262).
Os próximos dalai lamas, do sétimo ao décimo segundo, nenhum chegou até a maturidade. O sétimo Dalai Lama, Kelzang Gyatso (1708-1757) morreu aos 49 anos de idade, porém exerceu o cargo por pouco tempo, uma vez que foi exilado por muitos anos e só conseguiu assumir no final da sua vida; o oitavo, Jamphel Gyatso (1758-1804), morreu aos 46 anos. Pior ainda foram os quatro próximos, o nono, Lungtok Gyatso (1805-1815) morreu aos 10 anos de idade; o décimo, Tsultrin Gyatso (1816-1837) aos 21 anos; o décimo primeiro, Khendrup Gyatso (1838-1856) aos 18 anos e o décimo segundo, Trimley Gyatso (1857-1875) aos 22 anos de idade, todos sob fortes suspeitas de terem sido assassinados (Richardson, 1962: 59 e Waddell, 1972: 234-5).
O 13º Dalai Lama, Thubten Gyatso (1876-1933),
introduziu importantes inovações no Tibete
O décimo terceiro Dalai Lama, Thubten Gyatso (1876-1933) interrompeu esta sequência de mortes prematuras e viveu até os 57 anos de idade, foi capaz de exercer o cargo por 38 anos, porém intercalados com períodos de permanência no exílio, para fugir das invasões britânica (1904-1909) e chinesa (1910-1913). Ele foi o primeiro Dalai Lama a perceber a importância das relações estrangeiras. Após seu retorno do exílio em 1913, introduziu algumas inovações no Tibete: o primeiro selo postal, a célula de dinheiro em papel, a polícia, etc. Neste mesmo ano, declarou independência da China e padronizou a bandeira tibetana, a qual é utilizada até os dias de hoje pelos militantes do movimento de independência do Tibete. Seu principal empenho foi evitar a dominação estrangeira no Tibete, embora com pouco sucesso, uma vez que os chineses, os britânicos e os russos cobiçavam a região.
O próximo, o décimo quarto, é o atual Dalai Lama, Tenzin Gyatso (1935-). De todos os líderes tibetanos, é o único que não necessita de apresentação, pois foi o primeiro Dalai Lama a se transformar em celebridade mundial. Notícias sobre ele estão sempre nos noticiários de todos os países do mundo. Para onde vai, ele é recebido por um séquito de admiradores e de bajuladores. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1989. Ele residiu no Tibete até 1959, após o fracassado levante tibetano contra a ocupação chinesa, desde então ele vive em Dharamsala, Índia, onde formou um Governo Tibetano no Exílio.
Agora, o intrigante é que ele é um insistente pregador da paz e da não violência, à maneira gandhiana, no entanto, quando observamos, no breve estudo acima e, mais detalhadamente, através de um estudo da história do Tibete, a maneira violenta e sangrenta com a qual a sua seita lamaísta, a ordem Gelugpa, construiu e manteve a supremacia sobre as outras seitas rivais, nos tornamos perplexos. O primado da ordem Gelugpa sobre as outras rivais, no período do quinto Dalai Lama, foi obtido com muita violência e com muito sangue e graças à aliança com um sanguinário líder mongol, Gushri Khan.

Uma reflexão descontraída

            O surpreendente, e até certo ponto intrigante, é a atribuição do titulo de Gyatso (oceano, em tibetano, no sentido de oceano de conhecimento) e Dalai (oceano, em mongol) para quase todos os líderes da seita Gelugpa, exceto o primeiro Dalai Lama. O curioso é que ambas as regiões (Tibete e Mongólia) não são banhadas pelo oceano. Pelo que se percebe do temperamento fechado dos tibetanos e a aversão pelos estrangeiros, é certo que quase a totalidade da população tibetana, por todos os séculos, nunca viu o mar, pois os tibetanos não costumavam viajar para longe. As praias mais próximas do Tibete estão nas regiões de Bangladesh e da província de Bengala na Índia, a muitas dezenas de kilometros de distância. Na época da atribuição do título (século XVI), não existiam a fotografia, o cinema e o vídeo, para que a imagem do oceano pudesse ser conhecida, pelo menos, através de reprodução. Talvez o primeiro Dalai Lama a ver o oceano seja o atual, uma vez que vive no exílio e viaja muito. Então, seria curioso saber a razão que levou um povo, que vive tão distante do mar, a atribuir o título importante de Oceano (Gyatso) para o seu maior líder.
O 14º e atual Dalai Lama, Tenzin Gyatso (1935-),
 transformou-se numa celebridade mundial

            Então, um leitor espirituoso deste estudo, poderá estar imaginando como poderá ser este oceano no qual viveram os Dalai Lamas. Pelas lutas violentas e o derramamento de sangue, nas disputas por poder e pela supremacia, tal como descritas acima, ele será imaginativamente levado a pensar que se trata de um oceano habitado por tubarões predadores, no qual cada um, com a ajuda de seu cardume, procura manter a soberania em suas águas e conquistar o poder sobre as dos outros, a fim de alcançar domínio sobre todo o oceano.  Esta foi a briga entre as seitas tibetanas durante séculos.
            Quanto à localização deste oceano, este mesmo leitor imaginará que, com tanto derramamento de sangue em busca de poder, certamente esta região não será o Oceano Pacífico, então, a região oceânica mais provável deverá ser o Mar Vermelho. Os períodos de exílio de alguns Dalai Lamas e os seus sofrimentos devem ter acontecido no Cabo das Tormentas e as misteriosas mortes prematuras dos Dalai Lamas IX ao XII, bem como o desaparecimento misterioso do quinto Dalai Lama (sua morte foi ocultada por alguns anos pelo regente tibetano na época) devem ter acontecido na região do Triângulo das Bermudas.
            Enfim, aqueles que ouvem as pregações de paz e de não violência do atual Dalai Lama, Tenzin Gyatso, e não conhecem a história tibetana, sobretudos os admiradores e os bajuladores, não são capazes de imaginar que, por trás desta mensagem pacífica, se esconde uma história de sangrentas lutas de sua seita, a Gelugpa, a fim de alcançar a supremacia sobre as outras correntes, até se tornar a ordem dominante do Budismo Tibetano.

Bibliografia

BHATTAVHARYYA, N. N. History of the Tantric Religion. New Delhi: Manohar Publications, 1987, p. 215-48.
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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

|ESTUDO| A Peregrinação Islâmica e os Problemas à Saúde Consequentes da Aglomeração




Por Octavio da Cunha Botelho e Gabriel Shimizu Bassi




(Obs: Para auxílio dos estudantes e dos pesquisadores, este estudo está disponível também, mas no formato .docx, em um layout mais próximo do manográfico e com paginação, a fim de facilitar o trabalho de consulta, de download, de impressão e de manuseio em pesquisa, em: 
http://www.academia.edu/4479058/A_Peregrinacao_Islamica_e_os_Problemas_a_Saude_Consequentes_da_Aglomeracao)



Multidão de peregrinos ao redor da Caaba durante a Hajj

            Este estudo é sobre a  Hajj, a Grande Peregrinação Muçulmana à Meca que, este ano, no nosso calendário, aconteceu dos dias 24 a 29 de Outubro. O evento tem dimensões astronômicas, pois é a maior concentração anual de religiosos do planeta, o deste ano reuniu cerca de 3,1 milhões de fiéis, segundo as autoridades sauditas, perdendo apenas para um festival hindu que acontece de 12 em 12 anos em Allahabad, Índia, o Purna Kumbha Mela, o qual habitualmente reúne cerca de 20 milhões de devotos.
            O estudo, num primeiro momento, informa o que é a Hajj, a execução dos seus ritos, a sua origem pré-islâmica e as lendas por trás dos seus ritos, esta parte inicial escrita por Octavio da Cunha Botelho. Para então, num segundo momento, relatar e analisar os principais problemas de saúde decorrentes da excessiva aglomeração de peregrinos neste evento, esta segunda parte escrita por Gabriel Shimizu Bassi.

O que é a Hajj

            O quinto pilar (princípio) do Islamismo é a Hajj (sendo os outros: a Profissão de Fé, a Oração, a Caridade e o Jejum), isto é, a grande peregrinação à Meca, para diferenciar da pequena peregrinação (Umra), que todo muçulmano saudável e com condição financeira é obrigado a fazer pelo menos uma vez na vida. Geralmente traduzida como peregrinação, a Hajj, mais precisamente, é uma série de ritos executados em determinados pontos e momentos do trajeto da peregrinação no interior da Grande Mesquita (al-masjid al-haram) e nos locais sagrados (Mina, Muzdalifa e Monte Arafat) ao redor da cidade de Meca. Acontece anualmente entre os dias oitavo e décimo terceiro do mês Dhul Hijja, o décimo segundo e último do calendário muçulmano. Em vista da diferença do calendário lunar dos muçulmanos com o calendário solar, este ano o evento acontecerá entre os dias 24 e 29 de Outubro. Além da Hajj, existe outra peregrinação muçulmana, a Umra (visitação) a qual pode ser feita em qualquer época do ano e não é obrigatória, conhecida também como peregrinação menor (Robinson, 2003, 127-36).

A execução da Hajj
Mapa mostrando o itinerário da Hajj

            A série de ritos da peregrinação (Hajj) começa no 8º dia do mês de Dhul-Hijja, o 12º do calendário muçulmano e termina no 13º dia. Entretanto, antes deste período, no sétimo dia, os peregrinos se submetem à Purificação Ritual (Ihram), a qual deve ser feita antes de entrar na Al-Masjid Al-Haram (a Grande Mesquita de Meca). Esta consiste em aparar as unhas e o bigode, remover os fios de cabelo desnecessários, tomar banho e vestir os trajes brancos sem costura (o izar e o rida). Também, eles devem recitar a oração ritual (Talbiyah). As mulheres são dispensadas de alguns destes requisitos. Durante a Hajj, o peregrino deve abster-se de usar roupas costuradas, de cobrir a cabeça (as mulheres não cobrem o rosto), de se banhar e de cuidar do corpo, de praticar atividade sexual, de usar perfumes, de envolver-se em conflito e em derramamento de sangue, de caçar e de destruir plantas (Long, 1979: 16). No passado, quando os peregrinos chegavam por terra, foram instalados locais de purificação em cidades ao redor de Meca, para que os fiéis pudessem efetuar os ritos de purificação (Ihram) e, assim, alcançarem o estado de consagração, antes de entrarem na Grande Mesquita. Atualmente, como muitos chegam de avião, estes ritos preparatórios são feitos em Meca mesmo. Isto tem que ser feito até o 7º dia, pois no 8º dia iniciam-se os ritos da Hajj propriamente.
 Veja abaixo a programação da Hajj dia por dia no mês de Dhul–Hijja do calendário muçulmano (Long, 1979: 11-23; Robinson, 2003: 132-6 e Bianchi, 2004: 09):
- 8º dia: vestidos nos trajes brancos e previamente consagrados (Ihram), os peregrinos entram na Al-Masjid Al-Haram (a Grande Mesquita) pelo Portão da Paz (Bab as-Salam) e executam inicialmente o Tawaf da Chegada (circulação por 7 vezes ao redor da Caaba no sentido anti-horário) repetindo orações. Durante cada giro em torno da Caaba, é prescrito um toque na Pedra Preta, porém durante a Hajj não é obrigatório, em vista da multidão, que pode ser substituído por um gesto simulando o toque. Em seguida, executam a Sai (a caminhada e/ou a corrida entre as colinas de Safa e de Marwa por 7 vezes). Depois, os peregrinos retornam ao pátio da Caaba para beberem a água da fonte Zamzam para, então, em seguida, se dirigirem à Mina (3 milhas de Meca), onde realizam orações.
- 9º dia: os peregrinos deixam Mina e se dirigem ao monte Arafat, o local onde Maomé fez seu último sermão, aí permanecem em vigília contemplativa, rezam e recitam o Alcorão. Este momento é considerado o auge da Hajj. Em seguida, se dirigem para Muzdalifa, onde passam a noite dormindo no chão e no céu aberto. No dia seguinte os peregrinos retornam para Mina, para a cerimônia do apedrejamento do demônio (ramy al-jamarat). 
- 10º dia: Em Mina, os peregrinos recolhem um tanto de pedras de cascalho, para serem lançadas contra 3 muros (antes eram 3 pilares, após 2004 os pilares foram substituídos por 3 muros altos, uma vez que as pedras lançadas estavam atingindo peregrinos do outro lado), rito que significa o desafio ao demônio. Depois, se possível, os peregrinos sacrificam um animal de sua propriedade e, em seguida, os homens raspam o cabelo e as mulheres cortam uma polegada do cabelo.
- 11º dia: os peregrinos retornam à Meca e executam a segunda Tawaf (a circulação ao redor da Caaba) e a segunda Sai (a corrida entre as colinas de Safa e de Marwa).
- 12º dia: os peregrinos retornam à Mina e repetem o ritual do apedrejamento do demônio.
- 13º dia: retorno à Meca, onde executam o Tawaf do Adeus (a última circulação ao redor da Caaba) e, por fim, as cerimônias terminam e, então, os peregrinos deixam Meca.

A origem pré-islâmica da Hajj

            Diante da grandiosidade deste evento, bem como da tamanha devoção dos fiéis durante as cerimônias e da beleza da Grande Mesquita de Meca, é interessante conhecer a crença que motiva a magnitude desta concentração religiosa.
Visão noturna da Grande Mesquita de Meca durante a Hajj
Em suma, os ritos da Hajj são re-encenações de lendas que relatam episódios aflitos e gloriosos das vidas de Abraão (Ibrahim para os muçulmanos), de sua escrava, Hajar, com quem teve um filho, Ismael. Lendas, nem sempre coincidentes, preservadas pela tradição (Hadith), das quais Maomé adaptou para um contexto islâmico, a fim de atribuir uma origem gloriosa e monoteísta para o conjunto de revelações que estava transmitindo na época.  Os cultos à Caaba (lit. cubo), à Pedra Preta e aos locais ao redor (Safa, Marwa, etc.) já existiam antes de Maomé, porém eram cultos politeístas praticados pelas tribos nativas da região árabe. Maomé, após suas conquistas militares, reformou estes cultos dando-lhes um caráter monoteísta. O Alcorão III. 96-7 ufaneia: “A primeira Casa (de adoração) destinada aos homens foi aquela de Bakka (Meca). Plena de benção e guia para todos os seres. Nela estão sinais manifestos: o lugar de estadia de Abraão. Qualquer um que penetre nela alcança segurança. A peregrinação à ela é um dever que os homens devem a deus...” (Ali, 1934: 148 e Challita, 2002: 32).
A associação de Abraão com o Islã foi uma manipulação astuta de Maomé que funcionou. Nas palavras de David E. Long: “Ao vincular o Islã a Abraão, Maomé parece ter sido influenciado pela grande população judia em Medina. Não só ele conheceu a tradição judia com os judeus, como também procurava alcançar reconhecimento de si mesmo como profeta, para tanto, Maomé utilizou a tradição comumente aceita de que Abraão era o pai natural de ambos: dos árabes e dos judeus. Quando os muçulmanos romperam com os judeus de Medina, o uso de Abraão como uma figura de pai foi apropriado, visto que ele (Abraão) pré-datava tanto o Cristianismo como a Torá Judaica. Ligar Abraão com o Islã foi, mais que tudo, uma inovação e não uma adaptação da tradição pré-islâmica de Meca” (Long, 1979: 05).
A etimologia da palavra Hajj é interpretada assim: “A palavra Hajj está relacionada com o hebraico Hag, a qual refere-se aos festivais cíclicos envolvendo a peregrinação e talvez a circulação. Significa “dirigir-se para”, relacionada com o ato de peregrinação” (Long, 1979: 04).

As lendas por trás dos ritos da Hajj islâmica

Peregrinos executando o Rito do Apedrejamento
A construção da Caaba por Abraão e seu filho Ismael é mencionada no Alcorão (II. 125-7), mas os relatos mais extensos foram preservados nas tradições (Hadith). Então, um corpo de lendas se desenvolveu a partir da referência à construção da Caaba por Abrão e seu filho no livro sagrado do Islã. No entanto, “de acordo com alguns relatos, a Caaba de Abraão foi, na verdade, a segunda a ser construída no local, a primeira sendo construída por Adão, que tinha ido à Meca após ser expulso do Paraíso. Esta primeira construção, tal como a lenda relata, foi destruída durante o Dilúvio” (Long, 1979: 06). Portanto, segundo esta versão da lenda, o que Abraão fez foi, na verdade, reconstruir a Caaba.
Os relatos nas lendas são divergentes, de modo que David E. Long tenta organizá-los assim: “Abraão e seu filho Ismael tiveram ajuda sobrenatural enquanto eles construíam (ou reconstruíam) a Caaba. De acordo com uma versão, deus guiou Abraão até o local da primeira Caaba por uma nuvem, que parou acima do local e ordenou a Abraão que construísse um edifício sobre a sombra que ela projetava. Abraão começou a construir usando pedras trazidas por Ismael. Numa outra versão, as pedras eram extraídas de três montanhas: uma de Meca, uma de Jerusalém (o Monte das Oliveiras) e uma do Líbano (o Monte Hermon)” (Long, 1979: 06).
“No canto leste da Caaba (cada canto está dirigido para um ponto cardial) está a famosa Pedra Negra.  De acordo com a lenda, ela foi trazida até Abraão pelo anjo Gabriel de Jabal Abn Qubays (uma montanha perto de Meca), onde ela tinha permanecido desde o dilúvio, tendo sido parte da Caaba original. A pedra era originalmente branca, mas ficou preta pelo contato com os pecados do homem. No Dia do Julgamento a pedra falará em testemunho contra a humanidade” (Long, 1979: 06).
“Um outro conjunto de lendas ligando Abraão ao Islã e a Hajj trata da sagrada fonte de água Zamzam, localizada no interior da Grande Mesquita e da Sai, ou as sete travessias entre as colinas de Safa e Marwa. Não há menção da Zamzam no Alcorão, mas as colinas Safa e Marwa são elogiadas (II. 158): “Al-Safa e Al-Marwa figuram entre os lugares de Deus. Quem fizer a peregrinação à Casa (Caaba) ou a visitar (Umra) não cometerá transgressão se circundar estes dois montes...” (Ali, 1934: 62 e Challita, 2002: 14).
“As lendas relativas à Zamzam e à Sai variam, mas a história geral envolve Hajar e seu filho Ismael, abandonados no deserto por Abraão. De acordo com uma versão, Abraão e sua esposa Sarah, tendo deixado a Caldeia, viajaram para o Egito. Quando estavam lá, o faraó Salatis tentou por três vezes seduzir Sarah, mas foi milagrosamente impedido, de maneira que não pode fazê-lo. Liberando-a para seu marido, ele deu a ela uma lembrança, uma bela escrava, Hajar. No principio as coisas iam bem, Abraão teve um filho, Ismael, com Hajar (pois Sarah era estéril). Mas Sarah começou a ficar ciumenta e exigiu que Abraão abandonasse os dois no deserto. Relutante ele fez assim, deixando-os no Vale da Sede, o local da atual Meca. Abraão previu, contudo, que aquele era o local da primeira Caaba e que nenhum mal ocorreria a Hajar e a Ismael. Depois que ele partiu, Hajar correu em direção a uma miragem de água até que ela alcançou o topo da colina Al-Safa e regressou, então ela perseguiu a miragem até que ela alcançou o topo da colina Al-Marwa. Após correr de ida e de volta por sete vezes, ela retornou até seu filho, somente para descobrir a água surgindo de onde ele estava. Esta era a água de Zamzam. Em alguns relatos Ismael acidentalmente descobriu a água, e em outros, o anjo Gabriel golpeou a terra e fez ela surgir, enquanto que outros, foi a redescoberta da água originalmente usada por Adão e Eva quando eles foram expulsos do Éden. De qualquer maneira, a Sai existe para comemorar a corrida de ida e de volta de Hajar em busca de água” (Long, 1979: 07).
Peregrinos se espremendo ao redor da Caaba
“De acordo com uma versão, Abraão foi ordenado por deus num sonho a sacrificar seu filho Ismael. No dia seguinte, ele disse ao seu filho que eles iriam sair para encontrar lenha, mas quando estavam caminhando, Abraão não se conteve e confessou a Ismael o que Deus lhe tinha instruído fazer. Ismael aceitou seu destino e seguiu seu pai até o local do sacrifício que Abraão tinha visto no sonho, um penhasco próximo ao terceiro Jamrah (antes pilar, agora muro para arremesso de pedras) em Mina. No caminho, Satã apareceu para Ismael três vezes, uma vez em cada Jamrah e o alertou sobre o que seu pai pretendia fazer. Em cada ocasião Ismael lançou pedras contra Satã. Quando Ismael foi amarrado e colocado no local do sacrifício, Abraão colocou uma faca no seu pescoço, mas a faca recusou entrar na sua carne. Após uma terceira tentativa, o anjo Gabriel apareceu com um carneiro. Ele disse a Abraão que Deus tinha recebido seu sacrifício e não exigia a alma de Ismael, e que deveria, ao invés disto, oferecer um carneiro em seu lugar” (Long, 1979: 08). Esta é a origem do rito do apedrejamento em Mina.
A Hajj é um exemplo atual de como a crença em antigas lendas ainda é capaz de levar multidões a se exporem e a se submeterem às condições de desconforto e de risco, em troca de uma simples demonstração de submissão. Certamente, aglomerações com estas proporções não poderiam passar sem incidentes, com exposição ao risco de milhares de fiéis que, com frequência, resulta em acidentes e em casos de contaminação, apesar das providências dos organizadores sauditas, ano após ano, para evitar o aumento de ocorrências. Os problemas de saúde decorrentes da grande aglomeração na Hajj, ocorridos nas últimas décadas, serão relatados e analisados em seguida.

Epidemiologia da Hajj

A Hajj é conhecida mundialmente pelos epidemiologistas e infectologistas como um dos eventos de maior ocorrência de doenças potenciais à saúde física coletiva (Shaffi et al., 2006; Memish, 2002).
A aglomeração é um dos maiores problemas mundiais de saúde pública (Memish, 2002). A grande quantidade de pessoas que faz o itinerário da Hajj (o trânsito de mais de 2 milhões de pessoas num percurso relativamente curto) pode propiciar o rápido aparecimento de epidemias. O calor extremo, o conglomerado e o congestionamento humano entre animais e carros, bem como a preparação e o armazenamento inadequados de alimentos e água podem facilitar o contágio dos indivíduos por patógenos diversos, principalmente por agentes aéreos. Tais fatores foram o estopim que propiciaram o surgimento da epidemia de meningite por Neisseria meningiditis na Hajj dos anos de 2000-2001 (Ahmed et al., 2006). Além disso, a taxa de infecção por tuberculose resistente a antibióticos é três vezes mais alta em Meca e em Medina que a média nacional para a Arábia Saudita (Al-Kassimi et al., 1993; Khan et al., 2001). O próprio governo saudita tentou por vezes impedir a entrada de peregrinos que vinham de países em risco de epidemia. Por exemplo, na Hajj deste ano (2013), o governo saudita proibirá a entrada de peregrinos provindos de Uganda e da República Democrática do Congo por medo de estarem infectados com ebola (MacKenzie, 2013)
Peregrinos se encaminhando para o Rito do Apedrejamento
O suíço John Lewis Burkhardt foi o primeiro europeu a relatar os perigos de contaminações potencialmente fatais durante a peregrinação (Hajj) no ano de 1813 (Burkhardt, 1829). Burkhardt, posteriormente estudando os trabalhos de historiadores árabes, mostrou que na Hajj do ano de 1271 houve o aparecimento de uma “pestilencia” não específica, matando 50 pessoas por dia. Outra “pestilencia” surgiu no ano de 1424, matando 2000 pessoas (Burkhardt, 1829). Entre os sintomas mais aparentes estava a “febre intermitente” (cujo pico de febre ocorre em períodos, como as vistas num indivíduo parasitado por malária), “febre pútrida” (provavelmente devido à infecção por difteria ou tifo) e, por último, mas não menos importante, as disenterias diversas. Nos anos de 2000 e 2001, a Hajj recebeu especial atenção pela ocorrência de uma epidemia meningocócica (infecções que acometem as meninges, membranas que envolvem o encéfalo, e uma das causadoras das meningites) que acometeu mais de 2400 pessoas (Aguilera et al., 2002; Ahmed et al., 2006). Bernieh e colaboradores (1995) mostraram que dentre 94 pacientes atendidos durante a Hajj no setor de hemodiálise do hospital de Madinah Al Munawarah (cidade de Medina), 54 pacientes (60%) foram positivos para o vírus da hepatite C (embora nenhum membro da equipe de saúde tenha sido positivo para o vírus).  
Porém os problemas sanitários envolvendo o festival da Hajj começam muito antes de se alcançar o local de adoração, localizado em Meca. Os peregrinos inicialmente trocam suas vestimentas diárias por pedaços de tecidos amarrotados e desalinhados, simbolizando a morte em vigilância constante do mundo mundano (Winston, 2005; Hanlon, 2000). Os peregrinos então se abstêm do uso de artigos de higiene pessoal (tais como sabonetes e papel higiênico devido ao perfume), relações sexuais e cortes de cabelos e unhas.  

Qualidade da Água

Sabe-se que o suprimento de água fornecido em Meca durante a Hajj é fornecido por usinas de desalinização ao sul de Jeddah e de poços artesianos. E essa água é transportada por meio de caminhões-pipa para locais e áreas residenciais onde não se consegue chegar com a água por meios convencionais (tubulações). Mashat e colaboradores (2010) avaliaram a qualidade da água contida em 508 caminhões-pipa que transportavam água, durante o festival da Hajj, a partir da usina de dessalinização (160) e de poços artesianos (348) entre os anos de 2006-2008. Os níveis de coliformes e de E. coli excediam os níveis máximos permitidos pela Agência de Medidas e Especificações Saudita (SASM). Contaminantes químicos (sólidos totais dissolvidos, NH4, NO3, NO2, SO4, Cl, Cu, Ca, Mg, F) também excediam os níveis máximos especificados pela SASM.

Qualidade dos Alimentos

A diarreia é um sintoma comum para qualquer peregrino que participa da Hajj, porém há poucos estudos envolvendo sua epidemiologia. Baseando-se em estatísticas internacionais (Organização Mundial da Saúde e pesquisadores independentes), durante o período da Hajj entre 1992-2004, relatos de epidemias de infecção alimentar variaram de 44 a 132 casos (Organização Mundial da Saúde, 2002; Green & Roberts, 2002). Isso se deve à chegada de pessoas de diversos países com diferentes culturas, posições sociais e estilos de vida que são expostas a sanitários lotados e pouco higienizados e a patógenos alimentares raros em seus países de origem (Organização Mundial da Saúde, 2002; Green & Roberts, 2002).
Peregrinos reverenciando a Caaba 
De acordo com o Ministério da Saúde da Arabia Saudita (MSAS), esse número pode ser muito maior, pois grande parte das epidemias de intoxicação alimentar não é relatada ao MSAS (Mazrou, 2004). Baseando-se nos relatos que chegaram aos escritórios do MSAS, houve um grande aumento no número de epidemias de intoxicação alimentar entre a Hajj de 1989 e 2002 (Ministério da Saúde da Arábia Saudita, 2002) (figura 1). Porém, como os casos dependem da notificação por parte dos sistemas de avaliação estatais, fica difícil ter certeza se o evento observado é resultados de um aumento real do envenenamento dos alimentos ou simplesmente uma melhora no sistema de avaliação (Mazrou, 2004). Mas o período de ocorrência dessas epidemias vai de Junho a Agosto (período de férias escolares) (Ministério da Saúde da Arabia Saudita, 2002) e durante a temporada da Hajj (Organização Mundial da Saúde, 2002; Green & Roberts, 2002).
As grandes causadoras destas epidemias durante a Hajj são o Staphylococcus aureus, acometendo por volta de 41% dos casos (Kurdi et al., 1998), e a Salmonella spp., acometendo por volta de 33% dos casos (Al-Turki et al., 1998). Na Hajj de 1986, a causa mais comum de internação foi a gastroenterite (76,6% das internações), com uma taxa de incidência de 4,4 por 10 mil pessoas, sendo que 41% dos internados por essa sintomatologia tinham mais de 60 anos (Ghaznawi & Khalil, 1986). Em 2002, essa doença acometeu 6,3% das internações, ficando atrás somente das doenças respiratórias (57%) e das doenças cardiovasculares (19,4%) (Al-Ghamdi et al., 2003). O Vibrio cholera (causador do cólera) foi responsável por várias epidemias nas Hajjs de 1984-1986 (Onishchenko et al., 1995ab), porém a melhora no sistema de distribuição de água e canalização do esgoto praticamente aboliram a contaminação por cólera desde então.
Porém, o sistema de saneamento nos locais de peregrinação ainda se mantém precário, o que pode acarretar o surgimento de diversas doenças que se utilizam de outros vetores.
Tabela 1. Fatores que predispõem a doenças durante a peregrinação (Hajj). Adaptado de Memish et al., 2003.

Infecções dermatológicas

Rituais prolongados de permanecer em pé, andar, carregar ornamentos, o calor e o suor excessivo promovem infecções de pele que são bem comuns aos peregrinos da Hajj. Além disso, em algums áreas sagradas, os peregrinos precisam andar descalços em locais onde o chão é extremamente quente devido ao sol do meio-dia, podendo levar a sérios casos de queimaduras (Al-Qattan, 2000; Fried et al., 1996). Dos 1441 pacientes dermatológicos da cidade de Meca durante a Hajj, impetigos, carbúnculos, furúnculos, foliculites e eczemas agravados por pioedemas foram os problemas mais comuns (Fatani et al., 2000, 2002). Outro problema é o convívio com animais para posterior sacrifício, causando contaminações por fezes e sangue em contato com cortes de mãos durante o abatimento de animais, além do contágio por parasitas (Hawary et al., 1997) (ver tópico risco de traumas).

Doenças causadas pelo sangue – hepatites

Já se é conhecido de longa data o potencial para a epidemia de hepatite associada à contaminação do sangue, de alimentos e da água durante a peregrinação da Hajj (Zuckerman & Steffen, 2000; Khuroo, 2003). De um modo geral, todas as hepatites dividem um mesmo modo de contaminação: contato com sangue contaminado, dejetos humanos, contato com mucosas, alimentos e água contaminados, etc (talvez possamos excluir as relações sexuais devido às características culturais da Hajj, descrita brevemente acima). Curiosamente, grande parte dos peregrinos que executam a Hajj é de países endêmicos aos diversos tipos de hepatite.
Frutas, particularmente as descascadas, podem ser vetores de contaminação. Apesar de a Arábia Saudita ter banido a entrada de alimentos provindo de peregrinos e visitantes (exceto enlatados para serem consumidos em até 24 horas), 37% desses ainda trazem alimentos de seus respectivos países (Alrabeh et al., 1998). Além disso, 34% dos peregrinos compram alimentos de ambulantes e de lojas provisórias, muitos com padrões duvidosos de higiene (Alrabeh et al., 1998). Outro fator preocupante é a não utilização de sabonetes e detergentes (devido ao perfume) ou de álcool para mãos durante o acampamento que ocorre em Mina. Outro fator potencial é o contato pessoal durante os diferentes rituais, tais como a caminhada de Safa-Marwah e a estadia em Arafat.
Os 3 pilares do Rito do Apedrejamento, depois
 substituídos por 3 muros, as pedras lançadas 
costumavam atingir os peregrinos do outro lado
A prática de raspar a cabeça pode aumentar o risco de contaminação por hepatite e outras doenças de maior ou menor morbi-mortalidade (Al-Salama & El-Bushra, 1998; Gatrad & Sheikh, 2001; Rashid % Shafi, 2006). Ao final do festival, por volta de 90% dos homens tem sua cabeça raspada por barbeiros locais ou outros peregrinos (Turkistani et al., 2000). Em dois estudos separados, 61% dos peregrinos cujas cabeças foram raspadas tinham cortes no escalpo (máximo de 18 cortes), e 25% dos barbeiros reaproveitavam as lâminas (Alrabeh et al., 1998; Turkistani et al., 2000). Entre os barbeiros, ao menos 4% tinham antígenos para o vírus da hepatite B, 0,6% tinham antígenos para a hepatite C e 10% estavam contaminados pela hepatite C (Turkistani et al., 2000). Num outro estudo de 1998, 23% dos barbeiros possuíam cortes abertos nas mãos, 21% utilizavam a mesma lâmina para mais de um corte e 82% jogavam ao menos uma lâmina usada no chão (aumentando a chance de alguém se cortar durante a peregrinação) (Al-Salama & El-Bushra, 1998).
Como a utilização de drogas intravenosas e a prática de sexo desprotegido não são efetuados devido às proibições religiosas, a hepatite C pode ter seu vetor em transfusões de sangue e por infecções nosocomiais durante a Hajj. Num estudo com 689 peregrinos de 49 países (muitos dos quais endêmicos à hepatite C) que foram admitidos ao menos em 1 dos 6 hospitais de campanha em Meca para o tratamento de condições médicas diversas durante a Hajj de 2005, 5% (32 pessoas) foram atendidas por sinais e sintomas de doenças hepáticas crônicas, e outras 5% (34 pessoas) por sangramento intestinas (Khan et al., 2005).

Febre Hemorrágica de Alkhumra

Esta é uma doença transmitida por um carrapato (Ornithodoros savignyi) que leva a uma encefalite viral por flavivírus, altamente associada à Hajj devido à movimentação de animais entre os peregrinos para alimentação (Charrel et al., 2001, 2007; Zaki, 1997). Os sintomas clínicos da febre de Alkhumra são típicos de encefalites virais, tais sintomas semelhantes a resfriados, gripes e hepatite (100%), manifestações hemorrágicas (55%) e encefalites (20%), sendo que a taxa de mortalidade é superior a 30% (Zaki, 1997). Trinta e sete casos de infecções pelo vírus Alkhumra foram relatados somente em Meca entre os anos de 2001 e 2002 (Charrel, 2001, 2007; Zaki, 1997). Um estudo mostrou que entre 1994 e 1995, a contaminação pelo vírus se deu por meio de feridas na pele, picada de carrapatos ou consumo de leite de camelo não pasteurizado (Charrel et al., 2005).

Febre do Vale do Rift

A febre do Vale do Rift é uma infecção endêmica causada por flebovírus, sendo transmitida por mosquitos. Os sinais e sintomas incluem hepatite e síndrome hepatorrenal e, quando hemorrágica, a taxa de mortalidade é alta. No período de agosto a novembro de 2000, ocorreu na Arábia Saudita uma epidemia da febre do Vale do Rift, provavelmente causada pela importação de gado provindo da África para a Hajj (Madani et al., 2003). Apesar das imposições do governo saudita sobre a importação de gado e a vacinação compulsória, gado infectado foi identificado em 2004 (Davies, 2006).
Além dos animais serem assintomáticos ao vírus, ele pode se disseminar facilmente durante o momento de abate do animal quando o sangue sofre aspersão ou gotejamento por meio do corte da carne, podendo atingir facilmente mucosas e locais de feridas (Davies et al., 2006).

Infecções Respiratórias

As infecções respiratórias são as causas mais comuns de atendimentos nos hospitais durante a Hajj (57% do total de atendimentos), tendo-se a pneumonia como principal doença para internação em 39% de todos os pacientes atendidos (Al-Ghamdi et al., 2003). Os patógenos mais comuns são Haemophilus influenza, Klebsiella pneumoniae e o Streptococcus pneumoniae, tendo-se as infecções bacterianas responsáveis por 30% de todos os casos de internação (El-Sheikh et al., 1998).
Durante a Hajj de 1994, 46 pacientes (72% dos internados) foram diagnosticados com patógenos bacterianos e, desses, 13 (20%) continham Mycobacterium tuberculosis no escarro (Alzeer et al., 1998). Um estudo envolvendo a resposta imune à tuberculose em 357 peregrinos originários de Cingapura antes e 3 meses após a Hajj, 149 eram negativos antes de irem à Hajj. Porém 15 deles (10%) continham anticorpos anti-tuberculose após 3 meses (Wilder-Smith, 2005). Num outro estudo com 761 pacientes com infecções do trato respiratório superior, 152 (20%) estavam contaminados por influenza A e adenovírus (El-Sheikh et al., 1998). Extrapolando esse número e de outros estudos para o total de peregrinos que visitaram Meca em 2003, os pesquisadores chegaram a uma conclusão na qual 400 mil peregrinos tiveram sintomas respiratórios com 24 mil casos potenciais de influenza durante a Hajj (Ahmed et al., 2006; Blakhy et al., 2004)

Doenças Cardiovasculares

As doenças cardiovasculares são a maior causa de morte (43%) durante a Hajj (Ministério da Saúde Saudita, 2005). Muitos pacientes têm ataques cardíacos durante a peregrinação, sendo difícil a chegada do corpo de saúde para tentar a ressuscitação devido à multidão e ao congestionamento de pessoas, de carros e de animais. O calor, o esforço físico, a má alimentação e outros fatores predispõem o organismo a um estresse físico que pode facilmente levar à isquemia cardíaca.

Risco de Traumas

O trauma é a maior causa de morbi-mortalidade nos dias de celebração da Hajj. Num estudo com 713 pacientes que sofreram algum tipo de trauma musculoesquelético durante a Hajj, 248 (35%) tiveram de ser atendidos nas unidades cirúrgicas e de tratamento intensivo (Al-Harthi & Al-Harbi, 2001). Além disso, uma das grandes causas de traumas musculoesqueléticos é o abate de centenas de milhares de animais, o qual é feito em grande parte por leigos. Na Hajj de 2001, 603.393 ovelhas e 6.136 vacas e camelos foram mortos (Memish et al., 2003). Muitas vezes a morte do animal é feita por leigos sem qualquer experiencia prévia e, como resultado, lesões acidentais nas mãos são comuns. Em um estudo de 4 anos com 298 pacientes com lesões nas mãos relacionados ao abate de animais em Meca, 80% dos acidentes foram causadas por facas (Rahman et al., 1999).

Conclusões

A Hajj aglomera, por um curto período, um grande número de pessoas de diversas culturas e diversos países. A participação na peregrinação de Meca possui muitos perigos que podem ser evitados ou não, por isso medidas sanitárias e a educação dos peregrinos são necessárias para evitar a ocorrência de acidentes que, em grande parte, podem ser evitados. As autoridades sauditas têm feito esforços neste sentido, mas nunca são suficientes para atenderem o aumento anual de peregrinos. 
Tabela 2. Perigos comunicáveis e não comunicáveis que ocorrem durante a Hajj. Adaptado de Memish et al., 2003.
            Agora, diante deste quadro funesto, a sensatez nos leva a refletir sobre o proveito em participar nesta apinhada peregrinação anual, em tão grandes circunstâncias de risco, com o dispêndio de tanto esforço, tempo e dinheiro, apenas em troca de uma demonstração de submissão ao Islã e a Deus. Portanto, seria curioso investigar a força por trás da crença na mente das multidões, que leva tantos fiéis a se submeterem a tal sacrifício e a tamanha exposição ao risco, porém a limitação de espaço aqui nos obriga a deixar este assunto para outra ocasião.

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Gabriel Shimizu Bassi
Coordenador da Sociedade Racionalista da USP

Octavio da Cunha Botelho
Pesquisador da UFU