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Rajneesh-Osho em seus habituais trajes luxuosos: por
trás desta serenidade escondia-se uma vida tumultuada,
que o levou até à prisão. |
Ele se transformou no guru oriental
mais popular do mundo na primeira metade dos anos 1980, superando em
popularidade os então aclamados líderes de outros Novos Movimentos Religiosos,
tais como Swami Prabhupada (líder dos
Hare Krishnas), Maharishi Mahesh Yogi (fundador da Meditação Transcendental), Guru Maharaj (da Missão Luz Divina),
Reverendo Moon (da Igreja da
Unificação) e Sathya Sai Baba. No
auge da fama, era comum encontrar livrarias com prateleiras abarrotadas de
livros de Rajneesh. Caso deseje ter
uma ideia da dimensão da sua produção literária, a edição digital de suas
obras, pela Osho International Foundation,
reúne 225 publicações, sendo muitas delas registros de suas palestras,
quantidade esta que pode ser incompleta, pois alguns autores falam em mais de
500 escritos de sua autoria. O seu sucesso foi tanto que, entre os
espiritualistas new agers daquela
época, era vergonhoso alguém dizer que não tinha lido um livro de Rajneesh, ou seja, ler e admirar este
guru tinha se transformado em uma referencia de espiritualidade, bem como
passou a ser um modismo intelectual nos primeiros anos de 1980.
A repercussão da sua celebridade podia
ser medida pela enorme disponibilidade de livros, de sua autoria, nas
prateleiras das livrarias. Ele foi o autor que mais vendia entre os
espiritualistas new agers. Quando orientalistas e esoteristas se
encontravam, o assunto era sempre Rajneesh.
A febre também alcançou o Brasil. Lembro-me de uma ocasião em 1983, quando
estava em uma livraria de Brasília, aguardando a abertura da Embaixada da Índia
para tirar o meu visto, ao lado das prateleiras de livros sobre esoterismo,
então uma garota puxou assunto e iniciamos em seguida uma entusiasmada e
reciprocamente confiante conversa, até o momento em que lhe disse que não
aprovada as ideias de Rajneesh.
Então, imediatamente, a expressão do seu rosto mudou e ela passou a
transparecer que não acreditava mais no que eu dizia, consequentemente a
conversa esfriou. Isto porque Rajneesh
tinha alcançado tanto prestígio no circulo espiritual new age daquela época, que se tornou uma referência para se medir o
grau de intelectualidade em assuntos espirituais de um buscador, isto é, para
ser um new ager instruído, era preciso ter lido e ser um
admirador de Rajneesh.
Carreira inicial
Rajneesh-Osho
(1931-90) nasceu em uma família de doze filhos na vila de Kuchawada, estado de Madhya
Pradesh, Índia, seu nome de nascimento era Mohan Chandra Rajneesh Jain, de modo que ele foi criado fora da
dominante tradição hindu. Seus pais morreram enquanto era pequeno, então ele
foi criado pelos avós, um rico casal jainista (religião fundada por Mahavira, contemporâneo de Buda). Desde
cedo, Rajneesh relatou ter tido
várias experiências de êxtases, finalmente alcançando a “plena iluminação” na
idade de vinte e um anos. Ele se formou na Universidade de Saugar e logo em seguida conseguiu um emprego na Raipur Sanskrit College. Suas palestras
criaram muitas controvérsias, por exemplo, ele chegou até a atacar heróis
nacionais, tal como Mahatma Gandhi,
quem ele ridicularizou chamando-o de “chauvinista pervertido e masoquista”
(Urban, 2003: 237). Então,
|
Rajneesh-Osho fazendo a posição de saudação com
as mãos algemadas, dois agentes federais o escoltam |
Rajneesh
se transferiu para outra faculdade no ano seguinte, para a cidade de Jabalpur, onde ele sofreu um período
traumático de depressão e anorexia, chegou até a tentar suicídio, depois de
algum tempo e recuperado, ele recebeu uma promoção para professor em 1960.Quando a faculdade estava em férias, ele costumava viajar pela Índia
palestrando sobre política, sexualidade e espiritualidade. Com o tempo, suas
cativantes palestras atraíram um número de comerciantes e empresários ricos.
Estes clientes lhe davam doações por consultas sobre desenvolvimento espiritual
e sobre vida diária. O rápido crescimento da sua clientela, contudo, foi algo
fora do comum, mostrando que ele era um talentoso terapeuta espiritual. Em
1964, um grupo de banqueiros ricos formou um consórcio para sustentar Rajneesh, bem como os retiros de
meditação que ele conduzia. Tal como muitos profissionais, cuja clientela
cresce rapidamente, ele contratou uma gerente de negócios, ela era Lakshmi, uma mulher da classe alta, bem
relacionada politicamente, a qual se tornou a sua primeira secretária
particular e chefe administrativa.
A carreira inicial de Rajneesh refletiu bem seus carismáticos
atributos individuais de inteligência, de apelo emocional e de habilidade em
comunicar-se diretamente com indivíduos, mesmo quando eles eram parte de uma
grande plateia. Ele era altamente enfático, com uma fascinante volatilidade
emocional, que atraía tanto os buscadores da Índia, como um pequeno, mas
crescente número de europeus e de norte americanos. Atendendo a solicitação dos
encarregados da universidade onde lecionava, Rajneesh afastou-se do seu cargo na Universidade de Jabalpur em 1966, e começou a usar o
nome de Acharya Rajneesh (Mestre Rajneesh) anunciando que, a partir de
então, sua ocupação principal seria a de um líder espiritual. Assim, ele passou
a se sustentar de palestras, da realização de acampamentos de meditação e,
individualmente, de aconselhamentos a influentes clientes indianos. Rajneesh criticava a política e as
religiões institucionalizadas e, ao mesmo tempo, defendia uma sexualidade
liberada e mais aberta.
Sua popularidade aumentou fora da Índia,
o que trouxe muitos ocidentais aos acampamentos de meditação sob sua direção,
bem como ao seu apartamento em Mumbai (Bombaim), onde também aconteciam aulas
de meditação. Então, ele enviou alguns de seus seguidores ocidentais de volta
para casa, a fim de fundarem uma rede internacional de centros de meditação. Em
1971, seu séquito cresceu e diversificou, daí ele alterou, mais uma vez, seu
nome para Bhagavan Sri Rajneesh, que
significa Reverenciável Rajneesh, o
Senhor Supremo.
À medida que o movimento crescia nos
anos 1970, uma nova estrutura organizacional surgia. Os seguidores passaram a
receber novos nomes, geralmente de reverenciados deuses e deusas hindus,
significando seu renascimento espiritual através do voto de renúncia (samnyasa), abrindo-se, cada vez mais, a Bhagavan Sri Rajneesh e renunciando ao
seu passado. Ele também pediu aos seus seguidores que usassem uma vestimenta de
cor alaranjada, tal como os santos ascetas (samnyasis)
da Índia. No entanto, estes novos nomes e a sagrada vestimenta dos ascetas
hindus, somados à disciplina sexual e à atitude libertina dos devotos,
ofenderam profundamente a população local. Com o tempo, o número de seguidores
ocidentais ultrapassou o de seguidores indianos, aumentando assim o auxílio
financeiro, o que fez com que, em 1974, ele mudasse a sede de Mumbai para Pune (antiga Puna), ao sul de Mumbai (Goldman, 2004: 122-3).
Rajneeshpuram
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Vista aérea da comunidade de Rajneeshpuram
(Cidade de Rajneesh), durou apenas quatro anos. |
Esta nova sede altamente lucrativa,
contudo, logo se envolveu em problemas legais e financeiros com o governo da
Índia. Então, em 1981, Bhagavan e
seus devotos foram forçados a fugir do país “rastreados por alguns milhões de
dólares em dívidas, bem como por uma grande quantidade de cobradores de
impostos e pela polícia” (Urban, 2003: 237). Anunciando-se como o “messias que
a América estava aguardando”, Rajneesh
refugiou-se nos EUA. Após uma breve permanência em uma mansão em New Jersey,
ele e seu séquito compraram uma fazenda de 64 mil acres na pequena aldeia de
Antelope, condado de Wasco, no estado de Oregon, a qual ele batizou com o nome
de Rajneeshpuram (cidade de Rajneesh). Rapidamente, a cidade
comunitária se transformou em um complexo financeiro notavelmente lucrativo, de
modo que Rajneeshpuram acumulou US$
120 milhões em renda durante os seus quatro anos de existência (Urban, 2003:
237 e Goldman, 2011: 309). Rajneeshpuram
transformou-se em uma máquina de fazer dinheiro, lá “os preços se estendiam
desde US$ 50 por um dia de introdução à meditação de Rajneesh, até US$ 7.500 por um completo programa de reequilíbrio de
três meses” (Urban, 2003: 239). Enquanto isto, o séquito se espalhava pelos
EUA, pela Europa, pela Índia, alcançando 25 mil membros iniciados em seu pico,
daí transformando-se em um diversificado e internacionalizado complexo de
negócios (Urban, 2003: 237-8). De Rajneeshpuram
para o mundo, o ‘Rajneeshismo’ se transformou em um modismo internacional entre
os espiritualistas na primeira metade dos anos 1980.
Os objetivos dos seguidores, com a
construção da cidade comunitária de Rajneeshpuram,
eram, nas palavras de Marion Goldman, os seguintes: “Eles esperavam fundir
espiritualidade e materialismo enquanto construíam uma comunidade internacional
que pudesse servir também como um retiro e um centro luxuoso de peregrinação
para samnyasis de todas as partes do
mundo, suplantando o ashram anterior
de Pune (Puna), Índia” (Goldman, 2011: 309). Um fato que chamou a atenção em Rajneeshpuram foi a sua capacidade de
atrair pessoas de alta escolaridade e de sucesso profissional, portanto era uma
comunidade de intelectuais e não de fracassados, tal como em muitas outras
comunidades religiosas. Segundo os resultados da minuciosa pesquisa de Marion
Goldman, “a maioria dos samnyasis que
viviam na cidade comunitária em Oregon, nos anos 1980, relataram que eles
tinham diplomas de quatro anos de faculdade. Uma proporção substancial destes samnyasis representavam o melhor e o
mais brilhante da geração babyboom,
que tinha sobressaído na faculdade e em suas carreiras subsequentes” (Goldman,
2011: 309). Em seu auge, cerca de seis mil devotos (samnyasis) viviam em Rajneeshpuram
(Usborne, 1995: 03).
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Rajneesh-Osho durante o passeio diário em um dos seus
96 Rolls Royces em Rajneeshpuram |
Logo após o início das atividades da
comunidade, Rajneesh decidiu manter
voto de silêncio por três anos, no entanto ele aparecia diariamente, sempre à
tarde, em um passeio com um dos seus 96 Rolls Royces, por um trajeto já
pré-estabelecido, acenando para os samnyasis,
os quais se alinhavam na lateral da rua, com as mãos juntas em posição de
reverência, diante da passagem do guru. Excetos em seus passeios diários nos
automóveis de luxo, Rajneesh não era
mais visto em público, delegando a liderança administrativa à Ma Amand Sheela, sua secretária
particular. Naturalmente, uma comunidade tão extravagante como esta não poderia
deixar de causar aborrecimentos aos vizinhos pacatos, o que gerou oposição por
toda a redondeza, criando um clima de animosidade. O mais escandaloso evento
aconteceu no Outono de 1984, quando Sheela
e seus auxiliares recolheram cerca de 3 mil moradores de rua, na maioria
homens, trouxeram-nos para a comunidade, transformaram-nos em eleitores, em uma
tentativa de controlar os resultados das eleições do condado de Wasco, porém o monitoramento
estadual de eleitores e o partido de oposição impediram a concretização do
plano (Usborne, 1995: 02 e Goldman, 2011: 309-10).
Logo após o fracasso do plano (1985),
Sheela e seus auxiliares próximos
fugiram para a Europa. Ela só foi presa em 1990, após extradição para os EUA
(Usborne, 1995: 03). Então, assim que a comunidade desintegrou, Rajneesh voltou a falar publicamente
acusando Sheela e sua turma de drogar
samnyasis dissidentes, de grampo
telefônico, de incêndio criminoso, de promover imigração ilegal, de tentativa
de assassinato e de desfalque nas contas da comunidade. Ainda mais, em uma
revelação chocante, Rajneesh
publicamente afirmou que Sheela
ordenou que alguns membros do círculo interno colocassem Salmonella (veneno) em uma dúzia de balcões de salada em
restaurantes localizados no condado de Wasco, envenenando pelo menos 750
indivíduos. Este foi um teste para incapacitar um grande número de eleitores anti-Rajneesh no dia da eleição (Usborne,
1995: 02). Já, a cumplicidade de Rajneesh
nestes crimes ainda não foi provada, logo sua culpa permanece uma dúvida
(Goldman, 2011: 310). Em seguida ao colapso, Rajneesh também abandonou Rajneeshpuram
e enfrentou uma experiência vergonhosa, pois viajou por mais de vinte países
tentado refúgio, mas todos negaram seu visto, inclusive o Brasil, até que,
finalmente, o governo da Índia aceitou recebê-lo. Então, ele se reestabeleceu
no antigo ashram de Pune. Chegando lá, uma das primeiras
iniciativas que fez foi, mais uma vez, alterar seu nome, desta vez para Osho, nome que manteve até sua morte em
1990. Em Janeiro de 1986, Rajneeshpuram
foi colocada à venda, hoje o que funciona lá é o acampamento Young Life Camp, um retiro para jovens de propriedade de uma igreja cristã,
algumas construções da época Rajneeshpuram
foram aproveitadas, mas com alterações (Welch, 2003).
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O espirito mercantil era dominante em Rajneeshpuram,
observe a mensagem da faixa ao fundo: "Não fique apenas
em pé aí, compre alguma coisa". |
Uma curiosidade no destino do
movimento foi que, mesmo depois dos eventos criminosos nos EUA, inclusive com a
prisão de Rajneesh-Osho e da sua
secretária, Ma Amand Sheela, a
organização continuou bem estabelecida e próspera em Pune, na Índia, onde, após algumas alterações estruturais, ela foi
transformada em um retiro, magnificamente belo e luxuoso, que mistura centro
espiritual com SPA para ricos, o Osho
International Meditation Resort. O historiador da religião Hugh B. Urban
analisa assim o destino do movimento: “Talvez o mais surpreendente aspecto do
fenômeno Rajneesh não esteja tanto em
sua carreira escandalosa na América, mas em sua notável apoteose e em seu
renascimento após seu retorno à Índia. Um guru tântrico verdadeiramente global,
Rajneesh fez a viagem da Índia à
América e de volta à Índia novamente, para, finalmente, alcançar ainda mais
sucesso na sua terra natal, em grande parte, por causa de seu status de figura que tinha um numeroso
séquito nos EUA e na Europa. Mais incrível ainda foi que, os seus seguidores
não foram capazes apenas de racionalizar o escândalo desastroso nos EUA, mas até
mesmo de fazer de Rajneesh um mártir
heroico, o qual tinha sido injustamente perseguido pelo governo imperialista e
opressivo dos EUA” (Urban, 2003: 242). Enfim, por esta curta análise de H.
Urban é possível se ter uma ideia do alto grau de fanatismo alcançado pelos
seguidores de Rajneesh-Osho, ao ponto
de não se incomodarem com os graves eventos criminosos ocorridos anteriormente.
Mesmo assim, ele conseguiu renascer das cinzas após os escândalos, portanto é
muito curioso notar como Rajneesh-Osho,
ao longo da sua carreira, conseguiu atrair tantos seguidores ricos para seu
séquito, ele parecia ser um imã de dinheiro.
Marion Goldman, que esteve em Rajneeshpuram e se tornou hoje uma das
principais pesquisadoras do Rajneeshismo, explica assim a sobrevivência e o
posterior sucesso do movimento, mesmo após os escândalos nos EUA. “É possível
distinguir o progresso no Movimento Osho
e sua sobrevivência contínua, embora com uma diluída autoridade central e uma amorfa
influência cultural. Primeiro, Rajneesh
desprezou Sheela, atribuindo todos os
crimes e dificuldades a ela e aos seus auxiliares. Segundo, o movimento
desocupou o local da maior controvérsia, dispersou seus membros para outros
centros e reivindicou suas sedes originais longe da cidade comunitária
abandonada em Oregon. Terceiro, Rajneesh
renomeou a si mesmo, o movimento, e as suas sedes. Quarto, ele criou um
conselho para cuidar das obrigações organizacionais. Quinto, ele e o círculo
interno, que governou após sua morte, redefiniu o movimento como um movimento
de meditação e de desenvolvimento pessoal instruído pela filosofia de Osho, Finalmente, após a morte de Osho, o movimento reenfatizou e reforçou
seu foco na difusão organizacional, inclusive espiritualidade” (Goldman, 2004:
134). Da explicação acima é possível perceber que, mais do um sincero instrutor
espiritual, Rajneesh-Osho foi um
esperto ‘empresário espiritual’, cuja esperteza foi passada para seus
sucessores, daí o contínuo sucesso financeiro do movimento até hoje.
Os ensinamentos
Muitos samnyasis (renunciantes), seguidores de Rajneesh-Osho, o caracterizaram como uma mistura de louco,
salvador, charlatão e santo (Goldman, 2004: 122). Estritamente falando, em si
mesmos, os ensinamentos de Rajneesh-Osho
não eram originais, melhor dizendo, eles foram extraídos de uma diversificada
mistura de diferentes fontes, sobretudo, Tantra,
Yoga, Zen, Sufismo, Budismo, Taoismo,
Hassidismo, bem como de pensadores, de instrutores e de autores mais recentes:
Nietzsche, Gurdjieff, Crowley, Krishnamurti
e de ideias dos movimentos Contracultura e New
Age. Hugh B. Urban resumiu assim: “Mais do que promover uma religião no
sentido convencional, Rajneesh
ensinou uma marca de espiritualidade radicalmente iconoclasta, uma filosofia
antinomiana e um anarquismo moral.
Como uma religião ‘sem religião’, ou anti
religião, a religião dele era o caminho além da moralidade convencional, além
do bem e do mal, e fundada na explícita rejeição de todas as tradições, de
todos os valores e de todas as doutrinas. ‘Moralidade é uma moeda falsa, ela
engana as pessoas’ ele advertia. ‘Um homem de real compreensão não é nem bom
nem mal.
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A prática da Medição Dinâmica em Rajneeshpuram, os
praticantes foram instruídos a praticá-la com roupas,
em razão da presença de fotógrafos, porém observe que
alguns poucos estão nus. |
Ele transcende ambos’. Para Rajneesh,
a causa de todos os nossos sofrimentos é a deformante socialização ou o
processo de programação de indivíduos pelas instituições culturais, tais como
família, escola, religião e governo. Todas as metanarrativas e teorias
predominantes sobre o universo são apenas ficções, criações imaginárias usadas
por aqueles no poder para dominar as massas. A liberdade só pode ser alcançada
através da desprogramação de tais narrativas, libertando-se das limitantes
estruturas do passado. As pessoas devem ser desprogramadas e deshipnotizadas.
‘Vocês são programados pela família, pela educação e pelas instituições. Sua
mente é como um quadro negro, no qual as regras estão escritas. Bhagavan escreve novas regras sobre o
quadro negro. Ele diz a vocês uma coisa e em seguida o oposto que também é
verdadeiro. Ele escreve e escreve no quadro negro da sua mente, até que ela se
torne um quadro branco. Então, vocês não terão mais nenhum vestígio de
programação nas suas mentes’” (Urban, 2003: 239). Ele tinha um estilo jocoso de
criticar: “Vocês certamente sofreram uma lavagem cerebral, eu uso uma máquina
de secar. E o que há de errado em sofrer uma lavagem cerebral? Lave seu cérebro
todos os dias, mantenha-o limpo. Ele é apenas uma lavanderia religiosa de
atualização” (Urban, 2003: 329).
Em razão de palestrar quase sempre e de escrever
tanto, e tão afoitamente, os seus ensinamentos são flagrantemente
contraditórios. Tanto que, até ele mesmo reconhecia e procurou se justificar: “Por
que eu digo contradições? Eu não estou ensinando filosofia aqui. O filósofo
precisa ser muito consistente, perfeito, lógico e racional. Eu não sou um
filósofo. Eu não estou aqui dando para vocês um dogma consistente ao qual vocês
podem se prender. Meu inteiro esforço é dar a vocês uma ‘não-mente’” (Urban,
2003: 241). Sendo assim, torna-se difícil sistematizar os ensinamentos de Rajneesh-Osho, ou seja, escrever um
compêndio ou um manual sistematizado de suas doutrinas parece ser uma tarefa
complicada. Ou como David G. Bromley e Susan J. Palmer explicam: “Rajneesh desenvolveu um complexo
conjunto de ideias que desafia a elaboração de um simples resumo, porque Rajneesh acreditava na prioridade da
experiência sobre as ideias e que o mundo incorpora inconsistência e um
inter-relacionamento dinâmico de opostos” (Bromley, 2007: 140).
Enfim, ao mesmo tempo em que a sua sortida
mistura de doutrinas religiosas atraiu muitos admiradores e seguidores, outros
intérpretes a consideram uma deformação de todas estas doutrinas. Enquanto que,
para os céticos, o Movimento Rajneesh-Osho
foi mais um surto de religiosidade do século XX, com uma nova formatação e um
novo arranjo, para atrair os crédulos, em uma época e para um público
escolarizado que, cada vez mais, tornava-se secular, portanto na contra mão do
sentido das sociedades com melhor qualidade de vida e dos indivíduos mais
esclarecidos respectivamente.
O guru do sexo
Embora não fosse tudo, o elemento sexual era
uma ênfase nas ideias e nas práticas do movimento, daí que Rajneesh-Osho ficou conhecido como o “guru do sexo” (Urban, 2003: 235s).
Para o historiador H. Urban, quanto ao Tantra,
“a versão de Rajneesh-Osho é a
transformação em mercadoria e a comercialização da tradição” (Urban, 2003:
236). A prática da sua ‘meditação dinâmica’ é entendida, por muitos de fora do
movimento, como uma orgia sexual.
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A Meditação Dinâmica no ashram em Pune, Índia,
nos anos 1970, a desinibição fazia parte do
treinamento espiritual. |
Para este pesquisador, Rajneesh-Osho “foi um dos primeiros indianos a viajar para a
América e importar sua própria marca de ‘neo-tantrismo’, vendida para a cultura
consumidora americana no final do século XX”. O que ele fez foi uma “transformação
do sexo em mercadoria”, bem como uma “espécie de transformação do êxtase em
mercadoria”. Para este historiador das religiões, ele foi “o mais notável guru
do sexo do século XX”. E mais, “Rajneesh
oferecia tudo que os ocidentais imaginavam que o Tantra fosse: um culto de amor livre que prometia a iluminação, uma
excitante comunidade radical. Rajneesh
encaminhou-se confortavelmente para o papel de Messias do Tantra. Em grande parte por causa de Rajneesh, o Tantra
ressurgiu como um culto New Age nos
anos 1970 e 1980” (Urban, 2003: 237).
Rajneesh
definia e interpretada o Tantra
assim: “O Tantra é a suprema ‘não religião’
ou ‘antireligião’, uma prática espiritual que não exige ritual e moralidade
rigorosa, mas, ao invés disto, livra o indivíduo de tais repressões. O Tantra é liberdade – liberdade de todos
os construtos mentais, de todos os jogos mentais, o Tantra é libertação. O Tantra
não é religião. Religião é um jogo da mente. O Tantra descarta todas as disciplinas” (Urban, 2003: 239-40). Rajneesh dizia: “O Tantra é rebelde. Eu não o chamo de revolucionário, porque não
existe nada de político nele. É uma rebelião individual. É uma escapulida individual
das estruturas e da escravidão. O futuro é esperançoso. O Tantra se tornará cada vez mais importante...” (Urban, 2003: 240).
No mais forte contraste com as instituições
sociais estabelecidas, o Tantra não
nega a vida e o corpo, melhor dizendo, ele é a suprema afirmação da paixão,
fisicamente, do prazer. Ele é a suprema religião ‘apenas faça-o’, que celebra a
vida em toda sua transitoriedade e contingência: o Tantra aceita tudo, vive tudo. Rajneesh-Osho
declarava: “Isto é o que o Tantra
diz: o Caminho Majestoso – comporte-se como um rei, não como um soldado. O Tantra celebra a natureza humana em suas
dimensões mais defeituosas, fracas e mesmo aparentemente perversas. Se você é
ganancioso, seja ganancioso, não se importe com a ganância”. E mais; “a aceitação
tântrica é total, ela não separa você. Todas as religiões do mundo, exceto o Tantra, têm criado personalidades
divididas, têm criado esquizofrenia. Elas dizem que o bem tem que ser alcançado
e o mal negado, e que o demônio tem de ser negado e deus aceito. O Tantra diz que uma transformação é
possível. A transformação vem quando você aceita o seu ser total. O ódio é
absorvido, a cobiça é absorvida” (Urban, 2003: 240).
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Fotos policiais de Rajneesh-Osho e de sua secretária Ma Anand Sheela |
Sobretudo, o Tantra gira em torno do sexo, um poder que é, ao mesmo tempo, a
mais intensa força na natureza humana e também a mais severamente distorcida
pela sociedade ocidental. Porque o Ocidente Cristão Tradicional suprimiu a
sexualidade, Rajneesh-Osho argumentava:
“é a sexualidade que deve ser libertada se os discípulos modernos desejarem
atualizar completamente seu eu interno. A repressão cristã tem criado muitos
bloqueios no homem, onde a energia se tornou encolhida dentro de si mesma, se
tornou estagnada, não é mais atuante. A sociedade é contra o sexo, ela criou um
bloqueio...”.
Em oposição à atitude ocidental que nega a
vida, o Tantra é o caminho que aceita
tudo, sobretudo, o impulso sexual. Como o poder mais forte na natureza humana,
o sexo torna-se a energia espiritual mais forte quando é plenamente integrada e
absorvida. De modo que, muitas práticas ensinadas por Rajneesh-Osho envolviam sexo grupal. “Terapias intensivas”, tal
como ele as chamava, as quais eram efetuadas para realizar uma catarse seguida
pela transformação da consciência. Assim, o supremo objetivo das práticas
tântricas é precisamente alcançar esta plena autoaceitação, amar a nós mesmos
intensamente e completamente, com todos os nossos pecados, vícios, cobiças e
desejos sexuais, e reconhecer que nós já somos perfeitos. Nas palavras de Rajneesh-Osho: “Esta é a coisa mais
fundamental no Tantra, isto é, você
já é perfeito... A perfeição não tem de ser alcançada. Ela simplesmente precisa
ser percebida, uma vez que ela já está aí, O Tantra oferece a você a iluminação aqui e agora, sem prazo, sem
adiamento...” (Urban, 2003: 240-41).
Antes de terminar este estudo, é preciso
esclarecer que esta interpretação do Tantra
de Rajneesh-Osho é extremamente
controvertida. Nem todos os intérpretes admitem que o Tantra seja tão focado no sexo. Ademais, o Tantrismo é uma tradição
multiplamente dividida em distintas correntes (hindu, budista, jainista, lamaísta,
Shingon, etc.), a qual, mesmo dentro
de cada uma destas correntes, desdobra-se em inúmeras subdivisões, portanto a
versão deste extravagante e manipulador guru tântrico acima é mais uma dentre
tantas muitas outras (Kaviraj, 1966; Waddell, 1972; Chattopadhyaya, 1978; Bhattacharyya, 1987; Urban, 2003 e Einoo, 2009).
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