por Octavio da Cunha Botelho
O ator Christian Bale vive o papel de um coveiro que finge ser um padre para ajudar um grupo de adolescentes de um convento em Flores do Oriente (The Flowers of War, 2011), do diretor Zhang Yimou |
Este período do ano, em virtude da
diminuição das ocupações profissionais, é favorável para assistir aqueles
filmes que não puderam ser assistidos durante o ano. Então, na minha lista de
pendências estava a obra Flores do Oriente (The
Flowers of War, 2011), do talentoso cineasta
chinês Zhang Yimou, autor dos consagrados Lanternas Vermelhas, Herói e Clã das
Adagas Voadoras, quem considero ser um dos melhores diretores de filmes de arte
da atualidade. O filme é baseado no livro 13
Flowers of Nanking (As 13 Flores de Nanquim) do autor Geling Yan, história
passada durante a guerra Sino-japonesa, mais especificadamente, em um episódio
historicamente conhecido como O Massacre de Nanquim, em 1937.
Embora esta seja a produção de Zhang
Yimou que mais se aproxima ao estilo hollywoodiano, os admiradores do seu
trabalho não devem deixar de assisti-la. Com um orçamento abastado de US$ 94
milhões, o maior da história do cinema chinês, o resultado nas bilheterias foi
lucrativo, uma vez que apenas no território chinês rendeu US$ 95 milhões. O
filme estreou na China apenas poucos dias após o 74º aniversário do Massacre de
Nanquim e nos primeiros quatro dias de exibição já tinha alcançado US$ 24
milhões em bilheteria.
Tal como será visto abaixo, esta é
uma história nem tão agradável para o público cristão, pois mesmo acontecendo
no interior de um convento católico, os heróis não são personagens cristãos. Diferente
do que o espectador cristão espera, são as adolescentes religiosas que são
ajudadas e salvas por descrentes mundanos e irreverentes à religião no final do
filme, após uma reviravolta no relacionamento entre eles. Daí a explicação para
a grande arrecadação de bilheteria nos cinemas da China e uma bem menor
arrecadação nos cinemas do Ocidente.
Estrelado pelo ator Christian Bale, que vive
o papel do coveiro John Miller, um beberrão esperto e bon-vivant, encarregado de providenciar
o sepultamento do padre Engelmann, antes de falecer ele era o líder de um
convento de adolescentes na cidade de Nanquim, na China. Em meio a um intenso tiroteio
entre as tropas japonesas e chinesas, com muita dificuldade, Miller consegue
chegar até o seu destino para executar sua tarefa. Ao chegar lá, ele percebe a
segurança do local, em virtude da neutralidade da Igreja Católica e dos
ocidentais no conflito sino-japonês, então decide estender sua permanência. Sua
decisão de partir é adiada ainda mais quando um grupo de prostitutas, em fuga
de um bordel por conta da onda de violência e de estupros praticada pelos
soldados japoneses, consegue pular o portão do convento e se refugiar no seu
interior. Em vista do contraste no estilo de vida, elas logo entram em
desentendimento com as adolescentes do convento, estas últimas não permitem que
as prostitutas sequer utilizem o banheiro, dando início a um relacionamento
hostil. Então, as prostitutas se escondem no porão.
Um grupo de prostitutas se refugia em um convento a fim de fugir da violência dos soldados japoneses, a diferença no estilo de vida resulta imediatamente em conflitos com as internas. |
Agora, o leitor poderá estar
perguntando em que este filme interessará ao cético e ao ateu para merecer um
comentário em um espaço sobre crítica religiosa. Bem, o interessante desta
história é que, embora aconteça em um ambiente cristão, ou seja, um convento, os
heróis da solidariedade na história não são pessoas religiosas, senão um
coveiro esperto e bon-vivant, que finge
ser um padre para ajudar outras pessoas, e um grupo de prostitutas vaidosas que
passa a se preocupar com o futuro das adolescentes, a fim de que as mesmas não
tenham o mesmo destino abominável que cada uma teve, ou seja, de serem
estuprada ainda na adolescência e daí serem levadas ao caminho da prostituição.
Em suma, a lição que o filme deixa é a de que não é preciso ser religioso para
sentir piedade e se entregar ao sacrifício pelo próximo em um ato de
solidariedade, pois a experiência mundana é suficiente para levar alguém à
sensatez de perceber a necessidade da piedade e da solidariedade em circunstâncias
dolorosas. Em nenhum momento do filme alguém foi levado à sensatez de se
ajudarem, em meio a uma angustiante guerra, em função de crenças cristãs ou de
fé, ao contrário, o coveiro espertalhão usou da sua esperteza e as prostitutas das
suas experiências de vida e da coragem, para auxiliarem o grupo cristão de
adolescentes inocentes e ingênuas. Deus e a religião não são invocados nos
momentos mais angustiantes de apuro e de sofrimento, mesmo estando todos eles
no interior de um convento com uma enorme catedral, rodeados por uma violenta e
aterrorizante guerra, diferentemente, tudo é resolvido a partir da
sensibilização e da sensatez. A mensagem laica que o filme deixa é a de que
deus e a religião são desnecessários até mesmo nos momentos de maior angustia
no meio de uma guerra, ninguém rezou ou pediu a ajuda de deus, nem mesmo as
adolescentes religiosas.
O ator Christian Bale ao lado do diretor Zhang Yimou |
Em outras palavras, não é preciso ser
cristão, acreditar em deus, ser batizado, ter recebido a primeira comunhão, frequentar
igreja ou acreditar em um livro religioso para ser levado à pratica da piedade
e da solidariedade; basta, ao contrário, apenas entender que elas são
resultados da sensatez que qualquer laico pode descobrir quando percebe que a
família, a sociedade, a humanidade ou mesmo qualquer grupo, sobretudo, em
circunstâncias de dificuldade e de apuro, sobrevivem com mais paz e com mais justiça
quando a solidariedade é praticada.
Enfim, a solidariedade não é uma virtude religiosa que fará o praticante
ganhar o céu ou a benção de deus, mas sim uma solução sensata para a sobrevivência
humana.