Por Octavio da Cunha Botelho e André Luzardo
(Obs: este estudo está disponível em versão mais atualizada em:
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/07/a-cientologia-e-a-pseudocientificidade-da-dianetica/)
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/07/a-cientologia-e-a-pseudocientificidade-da-dianetica/)
O ator Tom Cruise discursando em um auditório da Igreja da Cientologia; um dos adeptos mais ilustres. |
Dentre as tantas maneiras de classificar as
religiões, os historiadores as dividem naquelas que surgiram no período da
“plena escuridão da história”, e aquelas que nasceram na “plena luz da
história”. As primeiras, obviamente, são aquelas que foram formadas nos tempos mais
antigos, ocasião quando a prática de registros era precária, ou até mesmo
inexistente, bem como a escrita e a documentação um privilégio de poucos
alfabetizados. Assim, o que conhecemos delas
limita-se, quase na totalidade, aos relatos da tradição, cuja confusão com
mitos e lenda, dificulta a identificação dos fatos históricos. Por outro lado,
nas religiões surgidas na “plena luz da história” o registro é farto e bem
documentado, de maneira a nos transmitir uma clara ideia de como uma religião
surge e se desenvolve em seus primeiros anos, com base em fontes de fora do
relato tradicional.
A partir do momento quando as religiões
começaram a surgir com uma mensagem dirigida para toda a humanidade, diferente
do passado, quando a mensagem era dirigida para um povo exclusivamente, estas
modalidades de religiões passaram a ser denominadas pelos historiadores de
Novos Movimentos Religiosos (alguns autores preferem o termo ‘cultos’, enquanto
outros desaprovam, em vista do sentido pejorativo que a palavra culto adquiriu
com o tempo). As datas divergem, porém o mais coincidente é apontar o
surgimento da Sociedade Teosófica, na segunda metade do século XIX, cujo
ensinamento era dirigido para toda a humanidade, portanto a primeira religião
de escopo universal, como o ponto de partida. Do mesmo modo, a Igreja da
Cientologia é um destes Novos Movimentos Religiosos, curiosamente fundada por
um escritor de livros de ficção científica, L. Ron Hubbard (1911-86), depois do
fracasso da tentativa de promover a sua grande descoberta, a Dianética, como
uma ciência, daí foi obrigado, para sobreviver, a inserir a Dianética em um
contexto religioso, então fundou a Igreja da Cientologia, episódio que será
relatado adiante. Cercada de polêmicas,
ela é conhecida internacionalmente pela sua capacidade de atrair grandes
celebridades, pois reúne em seu séquito estrelas de grande reputação como Tom Cruise,
John Travolta, Kirstie Alley, Kelly Preston e outros figurões.
O estudo abaixo é mais um trabalho em
parceria, desta vez com André Luzardo da Sociedade Racionalista-USP. Ele
contribuiu com a segunda parte do artigo, a qual explica ao leitor o que é a
Dianética, doutrina central na Cientologia, com suas teorias, isto é, a Mente
Reativa e os Engramas; bem como a sua terapia, a Auditoria e o E-meter, e
conclui com uma avaliação crítica da sua cientificidade. Gostaria de lhe
agradecer pela gentileza em colaborar.
Considerações iniciais
L. Ron Hubbard (1911-86), criador da Dianética e fundador da Igreja da Cientologia |
Um relato do que é a Cientologia é
incompreensível sem o conhecimento da personalidade e do caráter da sua figura
central, o seu fundador, o carismático e controvertido L. Ron Hubbard. Nas
palavras do historiador da religião, Dorthe R. Christensen: “Ele não é uma
figura sem significado, ele é a única fonte suprema e o recurso legitimador das
alegações terapêuticas e religiosas da Igreja. L. Ron Hubbard e Cientologia
sempre foram e sempre serão, muito provavelmente, inseparáveis” (Christensen,
2004: 227). Entretanto, suas biografias são enormemente divergentes, pois de um
lado ele é retratado, por seus seguidores e admiradores, como um explorador
dedicado, que realizou distantes viagens, inclusive para o Oriente, como um
engenheiro brilhante, bem como um humanista, um educador, um administrador, um
artista e um filósofo. Também, como um herói militar e um estudante com uma bem
sucedida carreira acadêmica, e que a sua grande descoberta, a Dianética,
“solucionou o enigma da mente humana” (Urban, 2012: 335 e 338). Por outro lado
L. Ron Hubbard é descrito por seus críticos, por jornalistas, por ex membros e
por algumas decisões judiciais como um mentiroso, um charlatão e um insano, com
a acusação de que quase tudo que ele escreveu sobre si mesmo era falso
(Gardner, 1991: 246 e Urban, 2011: 26 e 2012: 335). Ademais, tal como o seu
próprio filho, L. Ron Hubbard Jr., revelou: “mais de 90 por cento do que meu
pai escreveu sobre si mesmo é mentira” (Urban, 2011, 26). Os relatos de suas
viagens e de suas proezas foram tão exagerados que um membro dissidente da
Cientologia observou: “ele contou tantas histórias de suas façanhas, na América
do Sul, nas Índias Ocidentais e em lugares, que ele teria de ter pelo menos 483
anos para ter tempo para fazer todas aquelas coisas” (Urban, 2011: 33). Os sinais
de fraudes eram tão claros que o também cientologista dissidente, Gerald
Armstrong, designado para ajudar a escrever a biografia de Hubbard, descobriu
durante a sua pesquisa que “virtualmente tudo que Hubbard tinha dito sobre sua
vida era falso” (Urban, 2011: 26-7). Enfim, o relato oficial da Igreja da
Cientologia sobre a vida de Hubbard é considerado pelo pesquisador D. R.
Christensen, não como um conjunto de fatos históricos, mas sim como uma
“mitologia hagiográfica”, isto é, uma narrativa idealizada e composta, bem auto
conscientemente, a partir de temas míticos (Christensen, 2004: 227-58 e Urban,
2011: 27-8). Enfim, L. Ron Hubbard inventou sua própria mitologia.
Alguns autores desmentem as suas
façanhas da seguinte maneira. “Ele nunca foi um aventureiro fanfarrão ou um
destacado oficial naval. Embora ele alegasse ser um físico, seu conhecimento de
ciência era desprezível (...) sua miopia o manteve fora de Annapolis (uma
importante academia naval nos EUA). Sua única educação superior foi na escola
de engenharia da George Washington University, onde ele se afastou após dois
anos de notas horríveis. Seus quatro anos na Marinha, durante a Guerra, são
resumidos em um relatório dizendo que ele ‘carecia de qualidades essenciais de
liderança (...) não considerado qualificado para o comando e promoção’. O mais
próximo que ele chegou de um combate foi no comando de um caça submarino. Em
seu cruzeiro experimental, Hubbard confundiu um depósito magnético com um
submarino e sua batalha contra um inimigo inexistente lhe custou a perda do
comando”. E também, “Hubbard foi um covarde fingido que tinha feito tudo para
evitar estar em ação (de combate)” (Gardner, 1991: 246 e mais detalhes em
Melton 2009: 20).
Sua personalidade é também avaliada
de modo divergente. Alguns o descrevem como uma figura carismática, envolvente
e sedutora. Para aqueles que o conheceram pessoalmente, ele tinha uma
personalidade envolvente, ele dominava a cena com sua perspicácia e seu
inesgotável estoque de anedotas, era um charmoso inescrupuloso e persuasivo,
não só em um grupo social, mas também com as mulheres. Com seu imponente cabelo
vermelho, sua boca grande e um rosto gorducho, Hubbard é descrito por aqueles
que o conheceram como uma personalidade que, quer encantava ou repudiava
imediatamente, dominando as conversas e encantando com as anedotas e sua
inteligência vívida. Quando ele falava, ninguém conseguia lhe roubar o espaço. “Até
mesmo os mais ferozes críticos de Hubbard, tal como o ex cientologista Jon
Atack reconheceu que ele (Hubbard) tinha um impressionante e quase inexplicável
poder carismático; era quase impossível, Atack relata, escrever um convincente
quadro do carisma de Hubbard ou explicar a notável devoção que seus seguidores
sentiam por ele” (Urban, 2011: 54).
Prédio da Igreja da Cientologia em Los Angeles, EUA. |
Por outro lado, já os que o detestavam, estes
afirmavam que Hubbard era “um vigarista e obviamente um impostor. Mas ele não
era um idiota. Ele conseguia encantar qualquer pessoa. Ele transpirava maldade,
malícia e estupidez, mas perfeitamente amistoso para se conversar” (Urban,
2011: 30). Alguns autores da época descreveram Hubbard como não apenas um
vigarista, mas na verdade como o maior vigarista do século. O seu ex biógrafo
Gerald Armstrong afirmou que “ele foi uma mistura de Adolf Hitler, Charlie
Chaplin e Barão Munchhausen” (Urban, 2011: 54). O escritor científico Martin
Gardner diagnosticou Hubbard como “um homem profundamente perturbado, um
mentiroso patológico que se deteriorou de um trapaceiro charmoso para um
egomaníaco paranoico, incapaz de distinguir entre fato e sua própria ficção
fantástica” (Gardner, 1991: 246).
Por outro lado, de acordo com o seu
próprio relato, Hubbard alegava ter explorado as incontáveis minúcias das
tradições espirituais do mundo, do curandeiro de Sioux aos místicos orientais,
da psicanálise à hipnose, da cura pela fé e magia à experimentação com drogas.
Tentativas foram feitas para descobrir quais escolas e sistemas eram viáveis.
Então, suas ideias misturavam Freud, acupuntura, cristais de cura mágica,
santuário de milagre, cura pela fé, vodu e narcosíntese. O resultado desta
eclética pesquisa foi a Dianética (Dianetics),
a sua “revolucionária nova ciência da mente humana” (Urban, 2011: 29). De modo
que Hubbard reuniu uma grande quantidade de diversos elementos científicos,
ocultos, psicológicos, filosóficos e de ficção científica, remendando-os
grosseiramente juntos numa única, nova e surpreendente bem sucedida síntese
(idem, 29). De modo que, para milhares de cientologistas pelo mundo afora, que
ainda seguem seus ensinamentos hoje, entretanto, Hubbard foi nada menos que um
explorador heroico, que revelou os mistérios mais antigos, não só de todos os
cantos da Terra, mas também da mente humana (Urban, 2011: 54). Toda esta miscelânea
lhe rendeu formidáveis resultados financeiros, pois quando faleceu em Janeiro
de 1986, ele somava um patrimônio de US$ 600 milhões (Dehsen, 1999: 90).
Em razão de tudo isto, o historiador da
religião Hugh B. Urban definiu Hubbard mais como um empresário americano e um bricoleur espiritual, este último termo francês
no sentido de um criativo reciclador de produtos culturais com a habilidade de
encaixá-los em um conjunto coerente, do que propriamente um líder religioso,
levando-nos a projetar paralelamente uma dedução de que a Cientologia está também
mais para uma “empresa religiosa” do que uma religião no sentido convencional
(Urban, 2011: 26 e 29).
Da ficção científica à
religião
Na história das religiões conhecemos
casos de tradições religiosas que foram fundadas pelos mais estranhos
personagens, porém, uma religião fundada por um autor de livros de ficção
científica é um fato muito excepcional. Pois, antes de sua carreira como
fundador de uma das mais controvertidas entre as novas religiões do mundo, L.
Ron Hubbard era mais conhecido como um autor de pulp fiction altamente prolífero. Começando seu trabalho no início
dos anos 1930, ele escreveu um número verdadeiramente estonteante de obras de
ficção científica, de fantasia, de mistério e de contos de aventura, se
tornando uma das figuras chaves na era dourada da pulp fiction (Urban, 2011: 33). Os anos 1930 e 1940 foram os anos
dourados da ficção científica e Hubbard soube aproveitar o momento.
Ademais, havia, naquela época, uma
clara afinidade entre ocultismo e ficção científica, desde a era dourada até os
anos 1970, de maneira que os fãs de ficção científica também tendiam a se
interessarem pelos reinos sobrenaturais da magia, dos fenômenos psíquicos e das
habilidades paranormais. Todos estes temas apareceram na ficção de Hubbard e no
início da Cientologia. Ele escrevia de 70 mil a 100 mil palavras por mês,
despontando-se entre os mais prolíferos escritores da era pulp fiction. Ele era capaz de escrever sobre aparentemente
qualquer assunto e sobre qualquer gênero, dos exploradores de floresta aos
mergulhadores das profundezas do mar, do G-men e gangsters, cowboys e azes
voadores até alpinistas, detetives e espiões, usando muitos pseudônimos. Pelo
menos duas de suas primeiras obras são ainda consideradas clássicas do gênero:
o conto de horror pulp, Fear, e sua novela pós-apocalíptica, Final Blackout (Melton, 2009: 19 e Urban,
2011: 33-4).
Entretanto, Hubbard não saltou
diretamente da ficção científica para a religião, antes disto, ele anunciou sua
nova “descoberta científica”, a Dianética (Dianetics),
o resultado de sua exploração e síntese de uma grande quantidade de diferentes
tradições espirituais, psicológicas e filosóficas, para chegar a tanto, ele
alegou ter examinado todas as perspectivas conhecidas da mente humana.
Capa da revista Astounding Science Fiction onde foi publicado o primeiro artigo sobre a Dianética de L. Ron Hubbard, em 1950. |
Bem, quem ouve os elogios de Hubbard e os dos
cientologistas dirigidos à cientificidade da Dianética, pensa logo que a
divulgação desta “nova ciência” foi feita em alguma das mais prestigiadas revistas
científicas da época: na Nature, na Science, na Scientific American ou em outra revista de uma importante
universidade. Nada disto, muito pelo contrário, esta “nova ciência” de Hubbard
inicialmente foi publicada, como um artigo, numa revista popular chamada Astounding Science Fiction (Ficção
Científica Espantosa), da qual Hubbard tinha sito um colaborador constante, em
Maio de 1950. A capa desta edição exibia uma criatura alienígena, com a
aparência de um gorila cabeludo e com olhos amarelos de gato, em outras
palavras, um monstro. A capa anunciava o artigo de Hubbard com o título de “Dianetics, A New Science of the Mind”
(Dianética, Uma Nova Ciência da Mente), o qual não foi apresentado como “ficção
científica espantosa”, mas sim como uma nova ciência revolucionária da mente
humana, ou seja, uma obra com pretensão de ciência publicada numa revista popular
de ficção... uma incompatibilidade. Uma versão expandida desta obra foi então
impressa na forma de livro no mesmo ano com o título de “Dianetics: The Modern Science of Mental Health” (Dianética: A
Ciência Moderna da Saúde Mental), a qual se transformou, nos anos seguintes, em
um best seller (Robinson, 2001: 380 e
Manca, 2012: 80). Esta “nova ciência” foi anunciada como nada menos que uma
radical revolução para a humanidade, foi comparada à descoberta do fogo e
superior à invenção da roda e do arco (Urban, 2011: 43). Isto é, através de uma
propaganda acompanhada de sensacionalismo, aparentando mais com o lançamento de
um produto atrativo de consumo, portanto muito diferente da discrição habitual
da divulgação científica. O escritor científico, Martin Gardner, definiu a
Dianética como uma “hilária paródia da Psicanálise” (Gardner, 1991: 247).
”Não foi por acaso que a nova “ciência” da
mente de Hubbard foi publicada pela primeira vez numa revista de ficção
científica, uma vez que seus clamores e retórica apelavam para o mesmo público
que tinha devorado seus contos de ficção por uma década. Astounding Science Fiction não classificou o texto de Hubbard como
ficção, mas sua linguagem foi claramente confeccionada para o fã de ficção
científica (...) Dianética prometia transformar o cérebro normal do leitor em
um cérebro ótimo e assim ajudar o homem em seu processo de evolução rumo a um
organismo superior” (Urban, 2011: 43). O próprio Hubbard alegou também que o
objetivo da Dianética não era outro que criar uma espécie de novo homem ou Homo Novis com habilidades sobrehumanas.
“A pessoa deixa de responder como Homo
Sapiens e adquire uma fantástica capacidade de aprender e agir” (Urban,
2011: 43-5 e Rothstein, 2004: 110-1).
Hubbard definiu a Cientologia como “o estudo
e o manejo do espírito no relacionamento consigo mesmo, com os universos e com a
outra vida”. Para ele “Dianética é uma precursora e um subestudo da
Cientologia. Dianética vem das palavras gregas dia (através) e nous
(mente ou alma). Dianética é o que a alma está fazendo com o seu corpo”
(Hubbard, 2007: 05). Também, ele definiu que os objetivos da Cientologia são
formar “uma civilização sem insanidade, sem criminosos e sem guerra, onde o
apto possa prosperar e os seres honestos possam ter direitos, e onde o homem é
livre para se erguer até às maiores alturas” (Robinson, 2001: 379).
O nascimento da Cientologia
Em seguida, por nunca ter sido reconhecida
como ciência, no meio científico, esta nova pseudociência de Hubbard, a
Dianética, teve de redirecionar seu objetivo, apesar de nunca ter deixado de
ser anunciada como ciência pelos cientologistas. Então, ele tratou de
transformá-la em religião, daí iniciou os trabalhos da fundação da Igreja da
Cientologia (Church of Scientology).
Em razão disto e também pelo descontrole que tinha se transformado a prática da
Dianética, quando se transformou numa moda nacional nos EUA, logo após a sua
divulgação, Hubbard decidiu organizar a Cientologia, para poder ter controle
sobre a sua disseminação.
Hubbard experimentado o E-meter nos tomates, mais um de seus experimentos pseudocientíficos. |
Então, sua pesquisa o conduziu ao reino
espiritual e, em 1952, a “filosofia religiosa aplicada” da Cientologia nasceu.
Ela foi descrita como um assunto separado da Dianética, uma vez que não tratava
apenas da mente, mas também da própria natureza espiritual da pessoa. O
objetivo da Cientologia era reabilitar totalmente a natureza espiritual de um
indivíduo, incluindo a reabilitação de todas as habilidades e a realização do
pleno potencial da pessoa. Daí então, em 1954, a primeira Igreja da Cientologia
foi fundada em Los Angeles, California (Robinson, 2001: 380). A religião
continuou a crescer durante os anos 1950 e 1960, e muito mais igrejas foram
fundadas no mundo. Em 1966, Hubbard afastou-se da sua posição de diretor
executivo da Igreja a fim de dedicar-se às pesquisas no nível mais alto de
espiritualidade. Em Agosto de 1967, ele formou a “Sea Organization”, um grupo de membros dedicados da Igreja e
continuou suas viagens e pesquisa a bordo de vários navios adquiridos pela
Igreja (Gardner, 1991: 248). Deste esta época até sua morte em 1986, Hubbard
escreveu e publicou materiais sobre os assuntos da Dianética e da Cientologia,
como também um número de obras de ficção científica (Robinson, 2001: 380). A
Igreja da Cientologia possui atualmente mais de 700 centros em 65 países
(Urban, 2012: 335).
Cientologia, um resumo
A prática principal da Cientologia é a Dianética,
uma forma de psicoterapia extraída em grande parte da Psicanálise, com a
mistura de ingredientes religiosos e da ficção científica. A Igreja da
Cientologia acredita que o homem é basicamente bom, que está buscando
sobreviver e que sua sobrevivência depende de si mesmo e de seus companheiros,
e da conquista da fraternidade com o universo. Isto é alcançado na Cientologia
por dois métodos conhecidos como “auditoria” e “treinamento”. A “auditoria”
(aconselhamento de um indivíduo pelo outro) da Dianética e da Cientologia
consiste de um “auditor” que orienta alguém através de vários processos
mentais, a fim de livrar o indivíduo dos efeitos da “mente reativa” e então
alcançar plenamente a natureza espiritual da pessoa. A “mente reativa” é aquela
parte da mente que opera com base no estímulo-resposta, e é composta de
memórias residuais de dor e incidentes desagradáveis (denominados “engramas”),
os quais exercem controle involuntário e inconsciente sobre o indivíduo.
Durante esta prática é utilizado um aparelho para detectar e medir a
manifestação dos “engramas”, conhecido como E-meter (detector de “engramas”),
do sujeito que está sendo submetido à “auditoria”.
Quando o indivíduo está livre destes
efeitos indesejáveis, diz-se ter alcançado o estado de “limpo” (clear), que é a meta do aconselhamento
da Dianética. Um indivíduo então passa para níveis superiores de
aconselhamento, lidando com sua natureza com um ser espiritual imortal
(conhecido na Cientologia como um “thetan”).
Os cientologistas acreditam que um “thetan”
já viveu muitas vidas anteriores e viverá muitas outras vidas após a morte do
seu corpo atual (a doutrina da reencarnação).
O treinamento da Cientologia
consiste de muitos níveis de cursos (1) melhoria da vida diária dos indivíduos
fornecendo-lhes várias ferramentas e (2) aprendizado das técnicas de
“auditoria”, de maneira que uma pessoa possa aconselhar outras. Os
cientologistas falam da presença de um ser supremo como representando o
infinito, mas não adoram divindade alguma, ao invés disto, gastam seu tempo na
aplicação dos princípios da Cientologia nas atividades diárias. Reuniões
regulares na igreja acontecem, contudo, ocupam-se em discutir os princípios da
Cientologia e sua aplicação (Robinson, 2001: 380-1).
Controvérsias
A Igreja da cientologia tem se
envolvido em um considerável número de episódios controvertidos desde 1958,
tais como as batalhas relativas às questões de impostos, uma batalha de dez
anos com a Food and Drug Administration (FDA),
quanto ao e-meter usado para assistir
a “auditoria” e um conflito com o governo australiano. Também, as controvérsias
sobre cultos dos anos 1970 levaram a um número de processos judiciais.
A mais notável série de eventos na
igreja começou em Julho de 1977, quando o FBI realizou uma busca nas igrejas de
Los Angeles e de Washington e prendeu muitos arquivos de documentos. A busca
foi declarada ilegal, mas os documentos permaneceram na posse do governo e
foram abertos à investigação pública. De acordo com os documentos, a igreja estava
mantendo arquivos sobre pessoas que ela considerava inimigas, e tinha havido
várias tentativas de infiltrar nas organizações anticultos. Como resultado da
busca do FBI, alguns membros foram acusados e condenados por roubo de
documentos do governo. Os membros condenados foram liberados de seus cargos na
igreja, a qual iniciou uma reorganização e o fechamento do Guardian Office.
As estrelas hollywoodianas Kirstie Alley (esq.), John Travolta e Kelly Preston em uma festa no Celebrity Centre de Los Angeles, EUA. |
Em 1991, a revista Time publicou um ataque à Cientologia
numa matéria de primeira página, a qual respondeu com uma grande campanha de
relações públicas e com uma extensa série de anúncios no US Today. No início de 1992, a igreja entrou com um processo contra
a revista Time, após descobrir que o
criador do Prosac, um remédio
psiquiátrico que a Cientologia combatia ativamente, tinha sido o principal
incentivador da agressão da revista Time
à Igreja. Apesar destas controvérsias e de muitas outras, a Igreja da
Cientologia destaca-se como uma das religiões que mais cresceu no número de
seguidores nestes últimos anos (Robinson, 2001: 381-2 e para aprofundamento:
Lewis, 2009: 209-322).
O Project Celebrity
A Cientologia é mundialmente
conhecida pelas celebridades que fazem parte do seu séquito. Dentre as mais
conhecidas estão Tom Cruise, John Travolta, Priscilla Presley, Kirstie Alley,
Issac Hayes e Nancy Cartwright. No entanto, a Igreja da Cientologia não
conseguiu arrebanhar estas celebridades por acaso, ao contrário, foi um trabalho
planejado. Nas palavras do historiador da religião Hugh B. Urban: “é facilmente
possível ver porque a filosofia básica da Cientologia atraiu os atores em
particular. Pois, a Cientologia promete nada menos que desencadear o poder
ilimitado do individuo, para libertar o potencial infinito do Thetan, na verdade, despertar a
habilidade de criar o seu próprio universo. Se a ideia de criar a sua própria
realidade foi atrativa aos leitores de ficção científica dos anos 1950, foi
ainda mais atrativa para os atores, para os músicos e para os artistas na
esperança de despertarem seu próprio potencial criativo. Em segundo lugar,
existe dinheiro envolvido, nem todos podem gastar US$ 400 mil para chegar até
os níveis OT (Operating Thetan), mas
para um Tom Cruise e um John Travolta, esta importância de dinheiro é
provavelmente trivial” (Urban, 2011: 140).
Sede luxuosa do Celebrity Centre em Los Angeles, EUA. |
Para se ter uma ideia da fortuna envolvida,
de acordo com o New York Post, os
maiores doadores à Cientologia são: Nancy Cartwright (atriz de voz), a qual
doou US$ 10 milhões, seguida de Tom Cruise e Kirstie Alley (atriz) com US$ 5
milhões cada, John Travolta e Kelly Preston (atriz) com US$ 1 milhão cada e
Priscilla Presley (ex-esposa de Elvis Presley) com US$ 50 mil (Urban, 2011:
141). O plano de Hubbard de cortejar as celebridades data desde aos anos 1950.
“Hubbard explicitamente alvejava as celebridades como potenciais convertidos e
instruiu os cientologistas para cortejá-las” (Urban, 2011: 140). Este esforço
foi anunciado em 1955 na revista Ability
com o título de “Project Celebrity”.
O artigo relacionava uma lista de celebridade incluindo Ed Sullivan, Orson
Welles, Ernest Hemingway, Greta Garbo e até mesmo Billy Graham. Estas
celebridades foram apontadas como “alvos” a serem “caçadas” como um “jogo” por
cientologistas ambiciosos. Hubbard prometeu aos seus seguidores que “se vocês
os trouxerem para casa, vocês conseguirão uma pequena placa de comemoração como
recompensa” (Urban, 2011: 140). No entanto, nenhuma destas celebridades foi
atraída para a Cientologia, mas a igreja conseguiu atrair um número de outras
celebridades a partir do final dos anos 1960 em diante. O primeiro Scientology Celebrity Centre foi fundado
em Los Angeles, no ano de 1960, e foi seguido pela fundação de centros
similares em Nova York, São Francisco, Boston, Toronto e outras grandes cidades
(Urban, 2011: 140). De lá para cá, a Igreja da Cientologia só acumula aumento
no número de celebridades em seu séquito (para aprofundamento: Cusak, 2009:
389-409).
A Dianética
Em 1950, o escritor de ficção científica
Lafayette Ronald Hubbard publicou o livro Dianética: a Moderna Ciência da Saúde Mental (exceto
quando indicado, todas as citações a seguir são deste livro). Sem qualquer
qualificação em pesquisa científica, Hubbard acreditava ter feito uma série de
descobertas (“mais importantes que a roda e o fogo”, tal como exalta a
contracapa) sobre o funcionamento da mente humana. De acordo com a sinopse, a
Dianética é “muito mais simples do que a física ou a química, se compara com
elas na exatidão dos seus axiomas e está em um escalão consideravelmente maior
de utilidade.” Afirmações bombásticas e contraditórias aos fatos (a física e
química não contém axiomas) abundam: “a fonte escondida de todas as mazelas
psicossomáticas e aberrações humanas foi descoberta e técnicas foram
desenvolvidas para uma infalível cura”.
Apesar das repetidas alegações de que testes
e experimentos foram realizados provando definitivamente as conclusões da
Dianética, o livro não contém demonstrações matemáticas, descrições de
experimentos científicos ou resultados obtidos por outros pesquisadores. A
única fonte é a mente do autor. Este afirma que descobriu os axiomas básicos da
Dianética em 1938, e que passou os 12 anos até a publicação dedicando-se a pesquisa.
Porém, “muitos dos seus amigos insistem, contudo, que esses 12 anos de pesquisa
são inteiramente míticos e que não foi antes de 1948 que a Dianética eclodiu”
(Gardner, 1957).
A Dianética e os Engramas
O E-meter (Detector de Engramas) utilizado nas sessões de Auditoria (Auditing) |
Em que consiste então a Dianética? Ela
fundamenta-se basicamente no conceito de Engrama, “a
única fonte de doenças mentais inorgânicas e doenças psicossomáticas
orgânicas”. Os Engramas são gravações, distintas da memória, que recordam de
maneira exata todos os estímulos vinculados às situações estressoras. Eles são
os resultados da ação da mente
reativa,
definida como sendo a parte inconsciente, mas sempre alerta da mente humana. Ao
contrário da mente consciente (batizada de mente
analítica por Hubbard e dita análoga a um computador), a mente
reativa é uma imbecil, não pensa e nem age racionalmente, ela se limita a
gravar e usar as gravações para produzir ações. Mesmo depois de criados, os
Engramas só geram problemas se forem digitados; o
que faz um Engrama ser digitado varia, mas geralmente uma situação estressora
semelhante a original é suficiente. Uma vez gravado e digitado, um Engrama pode
ser reativado por qualquer estímulo externo semelhante aos que ele contém e,
também, causar todo tipo de inconveniência: “ele desliga a mente consciente em
maior ou menor grau, assume os controles motores do corpo e causa
comportamentos e ações que a mente consciente, o próprio indivíduo, jamais consentiria”.
Hubbard fornece o seguinte exemplo de
gravação engrâmica: “Uma mulher é derrubada por um golpe. Ela fica
‘inconsciente.’ Ela é agredida e chamada de falsa, que ela não presta, que está
sempre mudando de ideia. Uma cadeira cai no processo. Uma torneira está aberta
na cozinha. Um carro passa na rua lá fora. O Engrama contém uma gravação de
todas essas percepções: visões, sons, tatos, gostos, odores, sensações
orgânicas, sensações cinéticas, posição das juntas, sede, etc. O Engrama
consistiria de todas as afirmações feitas a ela quando estava ‘inconsciente’:
os tons de voz e emoções na voz, o som e sensação do golpe original e
seguintes, a sensação táctil do chão, talvez o gosto de sangue na sua boca ou
qualquer outro gosto presente, o odor da pessoa que a ataca e os odores do
ambiente, o som do motor e pneus do carro passando lá fora, etc.”
Esta é, em resumo, toda teoria Dianética. Há
capítulos intitulados “o objetivo do homem”, “as quatro dinâmicas”, “a mente
analítica e os bancos de memória padrão”, “os ‘demônios’”, “contágio das
aberrações”, “digitando o Engrama” entre outros, mas praticamente tudo depende
dos Engramas e da influência destes no organismo. A partir destes elementos,
Hubbard tenta explicar a origem de todas as doenças mentais, assim como de
muitas outras não normalmente associadas à mente como resfriados, artrite,
alergias, problemas nos olhos e tuberculose. Hubbard nos informa que há razões
para crer que o câncer e a diabete também são causados por Engramas, mas tem o
cuidado de advertir que isso é apenas teoria e que os devidos experimentos
ainda não foram realizados. Essa não seria, contudo, uma tarefa difícil, pois
como veremos a seguir, usando a metodologia Hubbardiana, é possível demonstrar
que todas as doenças têm origem em ou são agravadas por Engramas.
Os Engramas aparentemente exercem grande
influência sobre a fisiologia humana. O efeito é ainda mais abrangente, ou
assim diz a teoria, se informações verbais estiverem gravadas, pois estas serão
interpretadas pela (estúpida) mente reativa. Mas isso não é tudo, Hubbard
revela outra descoberta revolucionária: os Engramas podem ser gravados antes
mesmo do nascimento. “Onde houver células humanas,” afirma, “há Engramas em
potencial.” Questões claramente urgentes como ‘qual seria o correlato
fisiológico do Engrama?’ ou ‘como poderia uma célula zigótica desprovida de
receptores gravar qualquer estímulo externo?’ são convenientemente ignoradas. A
vida no útero revela-se muito perigosa: “Mamãe espirra, bebê fica
‘inconsciente’. Mamãe corre leve e alegremente contra a mesa e bebê amassa sua
cabeça. [...] Mamãe fica histérica, bebê forma um Engrama. Papai bate na mamãe,
bebê forma um Engrama.” O maior de todos os perigos intrauterinos são as
tentativas de aborto: “uma grande proporção de crianças supostamente débeis
mentais são realmente casos de tentativas de aborto cujos Engramas colocam-nas
no medo-paralisia ou paralisia regressiva e as comandam a não crescer, mas a
estar onde estão para sempre”.
O ator John Travolta durante uma sessão de Auditoria, com o uso do E-meter |
O seguinte exemplo ilustra como um Engrama pré-natal
pode causar problemas mais tarde: “Engrama 105, digamos, foi um momento de
‘inconsciência’ quando o feto foi nocauteado via mãe, pelo pai. O pai, ciente
ou não da criança, exclama ‘sua puta suja desgraçada; você não presta!’ Esse
Engrama [...] pode jazer lá por setenta anos e nunca ser digitado. Contém uma
dor de cabeça e uma queda, e o ranger dos dentes e ruídos intestinais da mãe.
[...] Um dia, contudo, o pai fica angustiado com a criança. A criança está
cansada e febril, o que quer dizer que sua mente analítica pode não estar
desempenhando bem. [...] E o pai esbofeteia a criança e diz ‘seu desgraçado;
você não presta!’ A criança chora. Aquela noite ela tem uma dor de cabeça e
está muito pior fisicamente. E ela sente um intenso ódio e medo do seu pai. O
Engrama foi digitado.”
A eficiência da Dianética
A “infalível cura” encontra-se na
terapia
Dianética. O objetivo desta é “produzir um Liberto [Release] ou um Limpo [Clear].” O Liberto é o
indivíduo que se encontra no meio do processo de cura e não tem mais estresses
e ansiedades. Já o Limpo foi completamente curado e tornou-se quase um
super-homem. Sua memória agora é fotográfica, seu raciocínio é rápido, ele é
física e moralmente superior. Indivíduos incríveis assim destacam-se
facilmente. Se a terapia Dianética consegue atingir tal prodígio, onde estariam
os Limpos? Um deles foi apresentado por Hubbard em frente a uma grande
audiência em Los Angeles em 1950. Era uma moça chamada Sonya Bianca, uma Limpa
que supostamente atingira uma memória perfeita. Gardner (Gardner, 1957) relata
o evento: “na demonstração que se seguiu, contudo, ela falhou em lembrar sequer
uma fórmula de física (a graduação que ela estava cursando), ou a cor da
gravata de Hubbard quando este virou as costas. Nesse momento uma grande parte
da audiência levantou e deixou o evento. Hubbard mais tarde produziu uma
explicação Dianética elegante para o fiasco. Ele tinha chamado-a para o palco
dizendo ‘Pode vir aqui agora,
Sonya?’ O ‘agora’ deixou-a presa no momento presente.” Até hoje não há
registros da existência de Limpos.
A Auditoria (Auditing)
O processo terapêutico é chamado de Auditoria e o
papel de quem o pratica, o Auditor, é
remover os Engramas. Isso só é possível travando uma espécie de guerra com o
Engrama. Primeiro é necessário fazer o paciente regredir na sua linha do tempo até
encontrar uma situação que o auditor identifique como um possível Engrama. O
auditor pode pedir que o paciente repita várias vezes essa situação. Atacado, o
Engrama revida de maneira emocional; o paciente tende a praguejar, chorar e
barganhar. Finalmente atinge-se o momento primário de dor ou inconsciência na
vida do paciente, chamado de básico-básico.
Nesse momento, o Engrama desaparece e o paciente experimenta grande alívio e
felicidade.
Uma sessão de Auditoria com o emprego do E-meter (Detector de Engramas) |
Um dos ramos da Dianética é a Dianética
Preventiva. Mulheres grávidas são as que devem ter o maior cuidado: “Se ela
cair, deve ser ajudada – mas silenciosamente.
Ela não deve carregar peso. E não deve ser forçada ao coito. Pois cada
experiência de coito causa um Engrama
na criança durante a gravidez.” O parto deve ser feito sob pouca luz
e em absoluto silêncio. “E silêncio não quer dizer uma barragem de ‘Sh’s’ pois
estes causam gagueira.” Durante a vida pós-natal, silêncio completo também deve
ser observado durante as cirurgias ou em qualquer outra situação em que o
indivíduo se machuque ou esteja inconsciente.
Reflexão final
No capítulo final, intitulado “Dianética no
século 21”, os seguidores de Hubbard apresentam a história oficial do
movimento. Repleta de exaltações ao líder e seus feitos incríveis, um deles é
particularmente digno de nota: “dentro de dois anos da autoria deste livro que
você segura em suas mãos, L. Ron Hubbard tornou-se o primeiro a isolar
cientificamente e identificar o espírito humano.” Chave para esta descoberta
está o instrumento conhecido como e-meter.
Apesar de originalmente ter sido inventado pelo quiropraxista Volney Mathison
nos anos 1940, o nome na patente é o de Hubbard. Segundo Ronald, filho de
Hubbard: “meu pai obteve os direitos do e-meter em 1952 de Volney Mathison da
mesma maneira que obtém todas as coisas – através de fraude e coerção”
(Carroll, n.d.). Trata-se de uma versão extremamente simplificada de um medidor
da resistência elétrica da pele. Hubbard e seus seguidores, porém, acreditam
que o e-meter mede os efeitos de uma energia humana desconhecida associada ao
espírito. Com essa descoberta Hubbard eleva-se ao status de líder espiritual e
funda a religião conhecida como Cientologia, da qual a Dianética é agora apenas
uma doutrina.
É impossível ler as elucubrações de Hubbard
sem deixar de notar a influência de outro clássico exemplo de pseudociência: a
Psicanálise. Há várias semelhanças, vejamos:
Psicanálise
Experiências
infantis emocionalmente traumáticas seriam reprimidas e armazenadas no
inconsciente. Ao longo da vida esses traumas poderiam ressurgir de maneira
distorcida causando os transtornos mentais. Freud acreditava que poderia
identificar estes eventos traumáticos infantis dialogando com o paciente e
interpretando seus relatos e sonhos (análise). Uma vez identificados e
re-elaborados, estes traumas desapareceriam e o paciente melhoraria.
Dianética
Experiências
pré e pós-natais, física e emocionalmente traumáticas são gravadas em Engramas
na mente reativa. Ao longo da vida esses Engramas poderiam ser ativados e seu
conteúdo distorcido pela mente reativa, então causaria transtornos
psicossomáticos. Hubbard acreditava que poderia identificar estes Engramas
dialogando com o paciente e interpretando seus relatos (Auditoria). Uma vez
identificados e repetidos, os Engramas desapareceriam e o paciente melhoraria.
As famosas interpretações freudianas eram, na
linguagem de Karl Popper, infalsificáveis, pois não havia experimento possível
que pudesse testá-las. O mesmo ocorre com as hubbardianas; basta encontrar uma
interpretação adequada e todos os problemas podem ser atribuídos a Engramas.
Além disso, assim como Freud, Hubbard criou uma teoria completamente
desconectada do conhecimento científico da época, outra característica típica
de uma pseudociência. A Dianética, com seu repertório próprio de conceitos e
nomes, é fechada em si mesma e ignora (várias vezes até contradiz) quase tudo
que já se conhecia em psicologia e neurociência em 1950.
Movimentos como esses tendem a seguir um de
dois caminhos possíveis: 1) após a exaltação inicial, seus seguidores se
desiludem, vão aos poucos desaparecendo e o movimento finalmente morre; ou 2)
frente às críticas, o movimento se fecha ainda mais até chegar no limite máximo
da infalsificabilidade, tornando-se uma religião.
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