COISAS DA RELIGIÃO





COISAS DA RELIGIÃO


Um olhar crítico sobre o que acontece no mundo religioso

Octavio da Cunha Botelho




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(Obs: conheça as postagens mais recentes da seção COISAS DA RELIGIÃO em:
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/category/coisas-da-religiao/)



JORNADA MUNDIAL DA “JUVENTUDE TRANSVIADA”


O Movimento Contracultura promoveu a maior transformação
cultural da juventude no Ocidente
O título desta crônica é parcialmente extraído do filme Rebel Without a Cause (1955), um clássico dirigido por Nicolas Ray, estrelado pelo lendário James Dean e pela bela Natalie Wood, lançado no Brasil com o título de Juventude Transviada. O drama mostra a rebeldia de um jovem interpretado por James Dean, numa época quando a revolta da juventude era um ato absolutamente fora dos padrões sociais, portanto inaceitável, uma vez que, até então, os jovens eram educados pelos adultos para ouvir e obedecer. De modo que, quando um jovem se comportava fora do padrão submisso da época, era considerado um transviado, daí o título do filme de Juventude Transviada. Enfim, os jovens não tinham voz ativa em nenhum setor da sociedade.
Entretanto, este panorama começou a mudar com as primeiras reações, ainda nos anos 1950, para depois alcançar sua efetividade, na década seguinte, com a deflagração da maior revolução jovem na história da civilização ocidental: o Movimento Contracultura, cuja duração se estendeu pelos anos 1960 e 1970. No centro das reivindicações destes jovens rebeldes, estava a mudança nos costumes e nos padrões culturais, em grande parte, criados e impostos pelo Cristianismo, após os seus muitos séculos de ditadura cultural no Ocidente. Ademais, esta foi a época de maior penetração de ideias e de práticas orientais (yoga, zen, etc.) no mundo ocidental, quando ficaram internacionalmente famosos gurus e grupos, tais como Sri Maharshi Maheshi Yogi, conhecido pela Meditação Transcendental (ele foi guru dos Beatles nos anos 1960, para conhecer a influência deste instrutor no quarteto de Liverpool, ouça a música Across the Universe) e o Movimento Hare Krishna, com muitas celebridades em seu séquito, inclusive George Harrison, como um dos mais ilustres adeptos.
Jovens dos anos 1950; a década seguinte
foi marcada por uma profunda transformação,
desde a moral até o vestuário.
Os jovens de hoje desconhecem o tanto que o modo de vida da juventude atual, bem como outros comportamentos adultos da atualidade, são conquistas culturais resultantes pelo Movimento Contracultura, cujos efeitos refletiram nas décadas seguintes. Conquistas que se estendem desde as transformações na mentalidade, nos costumes, no comportamento, na moral, e até no vestuário, são frutos da rebeldia dos jovens de então. Dentre as tantas conquistas, o Movimento Contracultura fez surgir “o mundo e a cultura jovem” no Ocidente. Diferente do passado, quando a vida constava apenas da infância e da vida adulta, ou seja, quando a criança ultrapassava a vida infantil, já iniciava imediatamente sua preparação para a vida adulta, em outras palavras, o jovem era um “pré-adulto”. Ao contrário, este movimento introduziu uma nova cultura no intervalo da vida infantil e da vida adulta: a cultura jovem, e o resultado disto é que hoje, diferente do passado, os jovens atuais têm a sua própria linguagem (com suas gírias peculiares), o seu próprio estilo de vida, a sua própria literatura, a sua própria música, o seu próprio vestuário, os seus próprios filmes, a sua própria culinária, etc., enfim, o Movimento Contracultura fez a juventude descobrir a sua própria identidade e, com isso, os jovens passaram a desenvolver a sua própria cultura.
Passados os anos de rebeldia, seus efeitos na cultura religiosa do Ocidente assumiram dois sentidos, que podem ser percebidos desde então. Nos países de melhor qualidade de vida (Holanda, Suécia, Noruega, Suíça e outros), a religião tende a desaparecer e a sua cultura se tornar cada vez mais laica. Já nos países na posição mediana e na lanterna do índice de qualidade de vida (Brasil, México, Honduras, Haiti, países da África e outros), a religião cresce e tende a consolidar a sua hegemonia cultural. O principal reduto do Catolicismo atual é a América Latina, sendo o Brasil o país com a maior população católica do mundo, enquanto que na Europa Ocidental, o Cristianismo se encolhe velozmente, sendo que algumas igrejas estão até à venda na Holanda e na França. Durante os anos 1960 e 1970, falou-se muito no fim das religiões tradicionais, especialmente do Cristianismo no Ocidente, pois aqueles jovens que ainda conservavam o interesse religioso buscavam os Novos Movimentos Religiosos (Hare Krishna, Sociedade Teosófica, Escola Arcana, Meditação Transcendental, Igreja da Unificação, etc. e, a partir dos anos 1980, o Rajeenishismo e Sathya Sai Baba, bem como outros grupos menores de influência oriental). Este foi o período de maior proliferação de novas religiões e o Cristianismo parecia destinado a desaparecer.
O Festival de Woodstock (1969) foi o evento apoteótico do
Movimento Contracultura
Por outro lado, os países de pior qualidade de vida no Ocidente experimentaram um ressurgimento do Cristianismo, a partir dos anos 1980, enquanto nos países de melhor qualidade de vida, o secularismo cresceu, deixando claro quais são as sociedades e as pessoas que ainda precisam da religião. Estes últimos países provaram que o bem estar é possível de ser alcançado com a ausência da religião. Já o Brasil, por exemplo, por não ter acompanhado o avanço cultural, social e econômico dos países da Europa Ocidental, é um país que ainda precisa da religião, o exemplo disto é o seu grande número de seguidores do Cristianismo, por isso o papa faz tanto sucesso por aqui. Em contrapartida, se o papa visitar a Holanda ou a Suécia, por exemplo, provavelmente a maioria da população destes países nem ficará sabendo, pois o interesse da população será pequeno e a cobertura da impressa será mínima, muito menos ainda a ocorrência de tietagem com o papa, tal como acontece aqui. Então, no caso de uma visita como esta, é provável que os brasileiros fiquem sabendo mais do evento que os próprios holandeses e suecos.
Cena do filme Hair (1979) de Milos Forman: jovens dançam
no Central Park ao som de Age of Aquarius, fusão das ideias
dos Movimentos Contracultura e New Age.
Agora, quando comparamos a mentalidade e o comportamento da juventude de antes e de depois do Movimento Contracultura, o ponto religioso que nos chama a atenção é a submissão dos jovens à educação religiosa no período pré-Movimento Contracultura e a insubordinação à mesma no período pós-Movimento Contracultura. Até os anos 1960, era inadmissível um jovem não ter recebido a Primeira Comunhão. A educação dos filhos em escolas católicas era comum, eu mesmo e meus irmãos estudamos em escolas de padres e de freiras, cujo currículo incluía o catecismo. A influência dos pais na vida religiosa dos filhos era preponderante, de modo que era muito raro um jovem contrariar a orientação religiosa dos pais. Os jovens não tinham a opção de escolher o seu destino religioso, este era traçado pelos adultos e o conservadorismo predominava. Já as gerações posteriores ao Movimento Contracultura desfrutaram de uma autonomia inédita: a liberdade do jovem escolher por si mesmo o seu destino religioso, no qual está incluída até mesmo a opção ateísta.
Com estas conquistas culturais e sociais alcançadas pelo Movimento Contracultura, resta agora refletir sobre qual é a juventude transviada de hoje. Para tanto, será preciso primeiro definir o significado da palavra ‘transviada’ que está sendo utilizada aqui. Etimologicamente, ela vem do verbo transviar, isto é, a combinação das palavras ‘trans’ (ir além, transpor) e ‘via’ (caminho), portanto, ir além do caminho, desviar, extraviar. O significado mais comum de transviada é aquela “pessoa que não obedece aos padrões comportamentais vigentes”.
O ator James Dean em uma cena do filme Juventude Transviada
(Rebel Without a Cause, 1955). 
Bem, os padrões comportamentais vigentes da juventude atual são de autonomia dentro de um contexto maior da sociedade onde está inserida, algo como dizer que a cultura jovem da atualidade está mais para uma subcultura, no sentido dado pelos sociólogos. A revolução efetuada pelo Movimento Contracultura dos anos 1960 assemelhou-se a um “Iluminismo Jovem”, quando a juventude foi capaz, pela primeira vez, de se libertar da imposição religiosa dos pais sobre os filhos. O direito dos jovens de decidir pelo seu destino religioso estava conquistado, com isso muitos jovens se tornaram laicos.
Sendo assim, as campanhas para atrair os jovens de volta para as igrejas, tal como esta Jornada Mundial da Juventude, daí lhes impor uma educação catequética, contrariam o avanço da juventude rumo à autonomia laica e promovem um retrocesso ao período pré-Movimento Contracultura, quando os padrões comportamentais dos jovens eram aqueles aprendidos com os valores do Cristianismo.  Enfim, um comportamento retrógrado não pode ser o comportamento padrão atual, portanto, uma juventude cristã hoje é a que, a rigor, seria a “juventude transviada” (extraviada) dos padrões comportamentais vigentes.  



Octavio da Cunha Botelho
25/07/2013


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DALAI LAMA MULHER, CRISE DE SENSIBILIDADE NO LAMAÍSMO GELUGPA

           
Diferente de seus antecessores, o atual Dalai Lama,
Tenzin Gyatso, esbanja extroversão.
O atual Dalai Lama, Tenzin Gyatso (1935-), declarou em uma entrevista, durante a sua visita à Austrália, nesta última Quinta Feira, 13/06/13, que o próximo Dalai Lama poderá ser uma mulher. Segundo o líder tibetano, “o mundo padece de uma crise moral de desigualdade e sofrimento”, por isso mencionou a necessidade de encontrar líderes que incorporem a compaixão em seus cargos. E mais, “neste sentido, as mulheres têm mais potencial, têm mais sensibilidade para o bem estar dos outros”. Daí exemplificou “no meu caso, meu pai era muito mau caráter. Em algumas ocasiões recebi algumas pancadas, mas minha mãe era maravilhosamente compassiva”. Estas declarações foram feitas logo após a primeira ministra australiana, Julia Gillard, acusar a oposição conservadora de comportamento misógino e de promover políticas que marginalizam as mulheres (Epoca.com, 13/06/2013). Para conhecer uma resumida história dos dalai lamas, consulte o estudo: “A Linhagem dos Dalai Lamas”, (
http://octaviobotelho.blogspot.com.br/2012/11/a-linhagem-dos-dalai-lamas-um-breve.html), postado aqui em 22/09/2012.
A atriz mirim Greishma Makar Singh no papel de Gita em uma
cena do filme O Pequeno Buda (Little Buddha), 1993,
de Bernado Bertolucci.
            A maneira sensacionalista com a qual foi divulgada estas declarações do líder da seita Gelugpa do Budismo Tibetano, pareceu até que este seu anúncio, sobre a possibilidade de um próximo Dalai Lama mulher, era uma revelação inédita. A rigor, ele já fez estas declarações anteriormente algumas vezes, não só sobre o próximo Dalai Lama mulher, mas também de que o próximo Dalai Lama poderá ser um ocidental. Um exemplo de que estas previsões já eram conhecidas há muito tempo, pode ser visto no filme O Pequeno Buda (Little Buddha), de 1993, do diretor Bernardo Bertolucci (budista e amigo do Dalai Lama), onde três crianças, dois garotos e uma garota, cujos sinais os identificavam como a reencarnação de um lama muito prestigiado, o lama Dorje. O garoto ocidental é Jesse, filho de um casal de Seatle, EUA, e a garota é Gita, interpretada pela atriz então mirim, Greishma Makar Singh. Bernardo Bertolucci se inspirou, para escrever o roteiro do filme, no já conhecido anúncio do Dalai Lama, sobre a possibilidade de um dalai lama ocidental ou mesmo de uma mulher.           
Cena do filme Die Papstin (Papisa Joana) de 2009.
O aparecimento de um Dalai Lama mulher é tão inédito e surpreendente quanto a escolha de uma papisa (papa mulher) para a liderança da Igreja Católica. Sabemos obviamente que os critérios de escolha de seus líderes são bem diferentes nestas duas religiões. O Vaticano utiliza o processo de eleição entre cardeais e o Lamaísmo utiliza a identificação de sinais que confirmem que o garoto é a reencarnação do Dalai Lama anterior. A propósito, vale a pena lembrar que existe uma lenda medieval sobre a papisa Joana, a qual exerceu o papado por três anos. As versões da lenda variam, bem como as datas do contexto. A opinião mais unânime, nos relatos lendários, faz o papado de Joana coincidir com o curto papado de Bento III, ou seja, nos anos 855-8 e.c., justamente em uma época de grande crise na Igreja de Roma. Muito provavelmente, a lenda teve sua origem em alguma sátira antipapal daquele momento de crise, pois neste período, chegou a existir três papas, cada um alegando que os outros eram falsos.
 
O atual Dalai Lama posa junto de jogadores de Rugby da
Austrália; o esporte cada vez mais presente na agenda
das religiões.
           Agora, é curioso refletir sobre o que leva o atual Dalai Lama a apontar uma mulher como apropriada afetivamente para a atual “crise moral de desigualdade e sofrimento” (dois fatos que sempre existiram, a única diferença é que a dimensão agora é maior, em vista do aumento populacional em relação ao passado), daí reconhecer que as mulheres “têm maior potencial, têm mais sensibilidade para o bem estar dos outros”. Bem, esta “crise moral”, de que ele alega existir na atual humanidade em geral, poderá então também estar presente no interior da seita Gelugpa do Lamaísmo, pois quem conhece o Budismo Mahayana (do qual o Budismo Tibetano é uma variante) sabe que uma das principais virtudes a ser alcançada pelo praticante budista, sobretudo da corrente Mahayana, é Karuna (compaixão). Esta última virtude é tão importante no Budismo, que foi um dos motivos da divisão entre o ideal Arhat e o ideal Bodhisattwa, cujo impasse provocou o surgimento das correntes Hinayana e Mahayana respectivamente. Segundo esta última, Buda renunciou à imersão no Nirvana (liberação eterna), para realizar o grande ato de Mahakaruna (grande compaixão), ou seja, renúncia do nirvana para ajudar a todos os seres a alcançarem a libertação final (Paranirvana). Portanto, a exemplo de Buda, Bodhisattwa é aquele que renunciou ao Nirvana (libertação sem retorno a este mundo) a fim de auxiliar aos outros no caminho ao Nirvana, portanto, este é o ideal do Boddhisattwa da corrente Mahayana. Então, se o atual Dalai Lama reconhece que não será possível encontrar atualmente um lama com a suficiente virtude da compaixão (Karuna) e de sensibilidade, para ocupar o cargo de líder da seita Gelugpa do Lamaísmo, de modo a ter que recorrer a uma mulher, pela primeira vez na história, então este fato é sinal que esta instituição lamaísta está atravessando uma gigantesca crise moral sem precedentes, pois nunca se pensou nisto.  

Octavio da Cunha Botelho
17/06/2013

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MULHERES DO MURO: PARA QUÊ LUTAR POR OBSOLETISMO?

           
Ativista judia do movimento Mulheres do Muro faz leitura
da Torá diante do Muro das Lamentações: muita luta pelo
direito de praticar rituais de crendice.
Jornais pelo mundo afora noticiaram, nesta última Sexta Feira, a decisão da Suprema Corte de Israel autorizando as mulheres judias a rezarem, em voz alta, diante do Muro das Lamentações, último vestígio do Templo de Jerusalém, destruído pelos romanos em 70 e.c., bem como a lerem a Torá, com a vestimenta (tallit) e os acessórios (tefillin e kippah), semelhantes aos que os homens usam para a oração. Antes, elas só eram autorizadas a orar em silêncio, separadas dos homens e sem o uso dos acessórios rituais diante do Muro das Lamentações (kotel). A conquista na Justiça foi mais um capítulo de uma luta judicial que se estende por vinte anos, por uma associação de ativistas judias denominada de Mulheres do Muro. A notícia, pela imprensa brasileira, de que foi uma decisão inédita e que estas mulheres puderam rezar pela primeira vez, foi imprecisa e sensacionalista, pois elas já foram autorizadas antes pela Suprema Corte, mas as decisões foram derrubadas em seguida pelos novos decretos dos partidos ortodoxos, portanto uma antiga queda de braço entre o Judiciário e o Legislativo em Israel, tal como será visto adiante. Esta recente decisão poderá ser derrubada também.
            O evento foi acompanhado de insultos, de xingamentos, de arremesso de objetos nas ativistas e de momentos de violência, em virtude da oposição dos judeus ortodoxos, os quais estavam em número de cerca de mil manifestantes. As Mulheres do Muro tiveram de orar protegidas pela polícia, através de um cordão de isolamento, para que o confronto fosse evitado. Alguns ortodoxos tentaram invadir e foram presos. Mais um exemplo da estupidez religiosa.
           
Judia, depois de instalar o tefilin na testa (shel rosh),
coloca o tefilin de braço (shel yad); acessórios de uso
exclusivo dos homens durante as orações.
Estas Mulheres do Muro fazem parte de uma associação, sediada em Israel, cujo objetivo é assegurar os direitos iguais das mulheres judias de orar e ler a Torá em voz alta, bem como usar o xale de oração (tallit), o tefillin e o kippah (gorro), tal como os homens, no Muro das Lamentações (kotel). Foi fundada em Dezembro de 1988, durante Conferência Internacional de Judias Feministas, em Jerusalém. Desde então, as Mulheres do Muro têm sido hostilizadas, tanto verbalmente como fisicamente, pelos judeus e pelas judias das correntes ortodoxas, sobretudo os da comunidade ultraortodoxa Haredi. Com isso, a luta foi levada à Suprema Corte de Israel. Em 22 de Maio de 2002, a Suprema Corte decidiu que era legal os grupos de oração das Mulheres do Muro efetuar e ler a Torá na ala feminina do Muro das Lamentações. Quatro dias depois, membros dos partidos políticos da seita Haredi emitiram um Decreto Lei para derrubar a decisão judicial. Então, em 06 de Abril de 2003, a Suprema Corte reverteu a decisão, numa disputa apertada, 5 x 4, daí o governo proibiu as mulheres de rezar, ler a Torá e usar os acessórios na área pública do Muro das Lamentações. Mas, a Suprema Corte exigiu que o governo estipulasse um local alternativo para as mulheres, a Arca Robinson, porém as Mulheres do Muro não gostaram, por ser um local de importância secundária, e protestaram em seguida. Agora, nesta última Sexta Feira, 10/05/2013, a Suprema Corte de Israel decidiu, novamente, autorizar as Mulheres do Muro a realizarem suas orações no Muro das Lamentações.
Judias, vestidas com o tallit (xale de oração), reproduzem o Ritual
de Leitura da Torá (Kriat ha-Torah) diante do Muro das
Lamentações; ritual efetuado somente pelos rabinos.
O Judaísmo é uma das religiões mais discriminadoras quanto ao gênero. Veja em seguida como alguns autores resumem o tratamento desta tradição com as mulheres. Adin Steinsaltz resume assim a situação da mulher no Judaísmo Rabínico: “A lei talmúdica exclui as mulheres, em muitas maneiras, de diversas esferas importantes da vida. Ela as exclui, por exemplo, daqueles positivos preceitos que dependem de uma determinada hora do dia ou do ano para a sua execução. Estes excluem muitos dos rituais familiares da vida judaica: o uso do tallit (xale de oração), do uso do tzitzit (franjas nas quatro extremidades do tallit), o uso do tefillin (pequena caixa preta contendo pequenos rolos de pergaminhos inscritos com trechos da Torá, a qual é amarrada à testa ou ao braço esquerdo com fitas pretas), a recitação da shemá (uma oração diária), o sopro do shofar (trombone), a construção da sukkah (tenda) e a peregrinação. Às mulheres não é permitido juntarem-se a um minyan (o quorum dos dez anciões) para orações, nem são atribuídas a elas atividades dentro da comunidade. Quanto ao seu status social, elas não são qualificadas para posições judiciais e administrativas. E, o mais significativo de tudo, elas são excluídas do importante mitzvoh (mandamento) de estudar a Torá, um fato que, inevitavelmente, as impedem de exercer um papel na vida espiritual e cultural judia”. Também, o resumo de Judith Baskin: “As mulheres não exerceram um papel ativo no desenvolvimento do Judaísmo Rabínico, nem lhes foi concedido um papel significativo na vida religiosa daquela tradição. (...) De fato, a definição de mulher do Judaísmo Rabínico compartilha muitas características com aquelas de outras sociedades conservadoras. Aqui, tal como em outros lugares, as mulheres não aparecem como seres inferiores aos homens, mas são, ao invés disto, uma criação completamente e necessariamente diferente do imaculado homem que, somente ele, pode servir a deus plenamente. No Judaísmo Rabínico, nenhuma mulher é considerada capaz de qualquer experiência direta do divino”. E mais: “O Judaísmo Rabínico coloca a mulher numa severa desvantagem (...) a posição da mulher é subordinada ao homem em todos os aspectos da vida social, legal e religiosa. (...) As mulheres eram, no geral, observadas como inferiores aos homens em inteligência, em função e em status”, por isso “quanto à prática, as mulheres são dispensadas da maioria das obrigações religiosas...”. E ainda mais: “O Judaísmo Rabínico foi produzido dentro de uma sociedade patriarcal por um grupo de sábios que imaginavam um mundo masculino, com os homens no seu centro. A legislação rabínica, percebida por seus autores como divinamente ordenada, considera a mulher somente em seu relacionamento com o homem, tal como ela se enquadra dentro do seu controle e pode contribuir para seu conforto”. “Em essência, todas as importantes maneiras nas quais o Judaísmo definiu o que significava ser um judeu, foram quer parcialmente ou completamente fechadas às mulheres”.
As pretensões das Mulheres do Muro são contestadas pelos
judeus ortodoxos com hostilidade; estupidez religiosa. 
Estritamente falando, o rigor destas discriminações e proibições depende da corrente judaica, que se estende desde o Judaísmo ortodoxo e ultraconservador até o Movimento Reformista mais liberal. Nesta última corrente, as mulheres já têm alcançado mais autonomina religiosa nas últimas décadas.
Bem, mas o que se pretende analisar aqui é o benefício de lutar tanto por um objetivo tão obsoleto e inútil para a cultura atual, isto é, o direito de rezar diante de um muro velho, sujo, fétido e aparentemente feio (pois trata-se de uma ruína), de ler a Torá (a Lei) em voz alta (um livro com regras e ensinamentos ultrapassados), a qual é formada pelos cinco primeiros livros da Bíblia Hebraica: Bereshit (Gênesis), Shemot (Êxodo), Vaikrá (Levítico), Bamidbar (Números) e o Devarim (Deuteronômio), com um xale (o tallit) e com os acessórios (o tefillin), este último é uma pequena caixa preta, onde se coloca no interior um pequeno rolo de manuscrito da Torá, amarrado quer na testa (shel rosh) ou no braço esquerdo (shel yad), por uma longa fita preta, para os judeus se lembrem da eterna aliança com deus (veja isto em fotos para perceber o tanto que é cômico), bem como com o kippah, um pequeno gorro usado na cabeça... pura crendice. Algumas rezas são feitas diante deste muro acompanhadas de movimentos corporais que se assemelham a um exercício abdominal.
Por outro lado, poderá ser muito mais proveitoso para as mulheres, as quais já conquistaram tantos direitos e tantos privilégios sociais, culturais e políticos nas últimas décadas, abandonarem esta luta por crendices tão ultrapassadas e inúteis para a cultura contemporânea e, ao invés disto, darem a volta por cima, olharem para o futuro e concentrarem seus esforços no aproveitamento das conquistas já alcançadas, bem como nas suas carreiras, para então desenvolver novos projetos de vida, pois nunca na história as mulheres alcançaram tanta autonomia, portanto uma era de oportunidades formidáveis; deixando de lado a continuidade destas obsoletas práticas de crendices para os judeus conservadores, com sua mentalidade entranhada no obsoletismo, para que somente eles prossigam com o “lamento pelo leite derramado” no Muro das Lamentações.

Octavio da Cunha Botelho
13/05/2013


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CRISTÃOS, DA VIDA INTRANSIGENTE À MUNDANIDADE
           
A execução de Perpétua, uma mártir cristã executada
em um anfiteatro na cidade de Cartago em 203 e.c. 
O canal de TV por assinatura National Geographic repetiu neste fim de semana três documentários, desta vez em sequência, da série Jesus, Rise to Power (Jesus, A Ascensão ao Poder), porém traduzido como O Poder do Cristianismo. Desde alguns anos, os canais de documentários têm adotado a mesma estratégia de marketing do cinema de nem sempre traduzir literalmente o nome das produções, mas sim de denominá-las de acordo com um título que cause mais impacto no público de cada país. Este é mais um sinal de como os documentários, os quais no passado eram mais científicos e didáticos, estão se transformando, cada vez mais, em produções comerciais e de entretenimento. Quem assistiu os canais Discovery, Mundo e History Channel, ainda nos anos 1990, é capar de perceber a diferença.
            Bem, mas o objetivo desta crônica não é comentar sobre a qualidade das produções dos documentários, senão sobre um tema tratado neles, ou seja, o Cristianismo primitivo como um radical modo de vida e de oposição ao estilo de vida romano, o qual contrasta flagrantemente com o modo de vida dos cristãos atuais. Em outras palavras, o Cristianismo não era, naquela época, tal como hoje (exceto os clérigos), apenas uma aceitação de fé com quase nenhum compromisso prático com o modo de vida. Ele era sim, além da fé, um modo de vida radical, isto é, uma combinação rigorosa de fé e de modo de vida.
O exemplo mais claro que atesta este rigoroso e intransigente modo de vida dos primeiros cristão está na razão por eles terem sido perseguidos pelos romanos sendo que, tal como sabemos, estes últimos eram muito tolerantes com os diferentes cultos praticados no Império Romano. Então, qual o motivo para os romanos perseguirem os cristãos? Naquela época, a religião romana era um aglomerado de cultos estrangeiros, sendo assim, por que só os cristãos foram perseguidos? A resposta está no radical e inflexível modo de vida dos primeiros cristão, os quais não aceitavam dividir seu estilo de vida com a prática de culto e de sacrifícios aos deuses da religião romana, tal como os seguidores dos outros cultos do Império faziam. Sendo a religião romana uma religião civil, a recusa em praticar os cultos e os sacrifícios do seu calendário religioso era entendida como uma desobediência civil, portanto sujeita à punição pelo Estado. De modo que, os cristãos foram perseguidos e mortos nem tanto por sua crença, mais do que isto, por sua resistência em se enquadrar no estilo de vida do cidadão romano, fazendo com que fossem percebidos como inimigos do Estado Romano. Uma vez que os praticantes dos outros cultos se alinhavam à cidadania romana, não foram perseguidos e mortos na ocasião, somente os cristãos. A acusação de que os cristãos foram perseguidos pelos romanos por cauda de sua crença, e não por causa da desobediência civil, é uma dramatização dos historiadores cristãos, os quais também exageram muito nos números de perseguidos e de mortos, sobretudo o historiador eclesiástico Eusébio de Cesareia (século IV e.c.).
Cristãos na arena para serem devorados pelos leões, punição
pela insubmissão ao modo de vida civil dos romanos e não pela
crença diferenciada, os romanos eram religiosamente tolerantes. 
A oposição dos primeiros cristão de se enquadrarem na vida romana foi tão extrema que surgiu, naquela época, a paranoica prática do martírio. Cristãos que se ofereciam à morte ao invés de se submeterem ao estilo romano. A prática do martírio se tornou tão frequente que um governador romano chegou a reclamar, através de uma carta, da quantidade de cristãos que se ofereciam para serem martirizados na sua região. A prática do martírio, através do lançamento de cristãos aos leões para serem devorados, bem como da decapitação por gladiadores, que era para a população romana um espetáculo de entretenimento, contribuiu para aumentar a imagem dos cristãos como inimigos do Império diante dos cidadãos romanos.
Agora, para efeito de reflexão, é curioso comparar este radicalismo e intransigência comportamentais dos primeiros cristãos, acima resumidos, com o modo de vida da maioria dos cristãos atuais. Enquanto muitas pessoas, sobretudo os irreligiosos, consideram que os cristãos atuais são conservadores e retrógrados, a noção mudará a partir do conhecimento dos tempos passados, quando o Cristianismo não era apenas uma “aceitação de fé”, tal como é hoje, senão, mais precisamente, uma rigorosa combinação de modo de vida e de fé. Das grandes religiões tradicionais da atualidade, o Cristianismo é a com o maior número de seguidores perfeitamente acomodados à vida secular e civil. Diferente daqueles primeiros cristãos, que se ofereciam ao martírio por oposição ao ajustamento civil romano, os cristãos atuais, não só se ajustam, bem como também se deleitam com a mundanidade da vida civil dos países onde residem, isto faz com eles levem uma vida 99% secular e apenas 1% religiosa, por isso formam a religião mais numerosa do mundo. Atualmente, basta ter fé para ser considerado um cristão, o que não era assim na Antiguidade e na Idade Média, pois das grandes religiões tradicionais, os cristãos são os que mais se separam da combinação crença/modo de vida.
Cartaz incentivando a vinda de cristão à igreja,
exemplo de como os cristãos atuais dividem suas
vidas com outros gostos e outros estilos de vida.
Existem tantos cristãos que levam uma vida tão secularizada, tão exteriorizada, tão licenciosa, tão imitativa e tão influenciada pela mídia e pela moda que não se diferenciam em nada de um ateu, fazendo com que a mundanidade seja a regra de conduta. Só somos capazes de perceber sua religiosidade, se alguma, quando tocam no assunto da religião e então professam sua fé infundida em suas mentes persuadidas. Ou seja, um cristão atual só parece um cristão quando abre a boca para falar de religião, até mesmo quando fala de outro assunto não pode ser reconhecido, agora, quando está de boca fechada, um cristão atual é confundido com os maiores dos ateus, pois seus hábitos mundanos são idênticos. Portanto, para a maioria dos cristãos atuais, a religião é apenas um pronto socorro para os momentos de angustia e de apuro, quando eles não estão nestas situações, suas mentes se dirigem para tudo que é diferente do religioso, então a religiosidade é esquecida. Isto afasta os cristãos daquilo que é considerado como o mais sagrado na prática de todas as religiões deste os tempos mais antigos e representa a essência da religiosidade: o sacrifício, que etimologicamente significa sagrado ofício, mas não no sentido de imolação (matança de animais ou de pessoas em ritual), mas sim no sentido sublime de esforço abnegado. Neste último sentido, quando praticado com sinceridade, até mesmo um ateu poderá ser mais religioso que um cristão atual, pois um fato muito raro atualmente é encontrar um cristão disposto a fazer sacrifício (esforço abnegado), e quando o encontramos fazendo um esforço, é em troca ou em pagamento por uma graça ou por um favor (procissões, romarias, etc.), nunca um esforço abnegado (sacrifício). Os cristãos atuais, com sua contaminada mentalidade mundana, absorvem bem o negócio do “toma lá, dá cá”.

Octavio da Cunha Botelho
06/05/2013


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RELIGIÃO, A “MENTIRA” MAIS DURADOURA

           
A cultura era predominantemente
 supersticiosa no passado
Esta crônica foi especialmente preparada para ser postada no Dia da Mentira, 1º de Abril. Antes de tudo, afirmar que a religião é uma mentira em seu todo é uma generalização exagerada, por isso a palavra aparece entre aspas no título deste escrito, para que seja entendida no sentido figurado de superstição, tal como será utilizada em seguida.
Conhecemos pela história que a cultura, antes do Movimento Iluminista dos séculos XVIII e XIX, era predominantemente supersticiosa, quando a crença em diferentes forças e em seres sobrenaturais dominavam as mentes e regiam as vidas das pessoas. As decisões e as atividades eram feitas a partir da aceitação da influência do sobrenatural sobre o destino, enfim, vivia-se em um mundo cercado pela superstição.  O Iluminismo (ou Ilustração, como alguns autores preferem denominá-lo) colocou em marcha o processo de ‘desencantamento do mundo’, com isso a visão supersticiosa do mundo gradativamente foi se retirando da vida dos indivíduos, para dar lugar a uma nova visão de mundo e um modo de vida inédito na história, o secularismo. Este processo de ‘desencantamento do mundo’, através da emancipação da razão e da revolução científica, levou ao reconhecimento das muitas mentiras, até então proferidas pelas religiões e pelas demais culturas supersticiosas, à medida que, cada vez mais, as novas descobertas científicas desmascaravam as concepções supersticiosas e sobrenaturais. Até as antigas especulações religiosas sobre cosmologia, sobre a natureza e sobre a alma humana, pareceram superstições diante dos resultados das novas descobertas científicas, daí foram entendidas por muitos como antigas mentiras que precisavam ser enterradas no cemitério dos enganos.
Agora, o curioso é que, de todas as modalidades de culturas supersticiosas: religião, magia, astrologia, artes de adivinhação, xamanismo, lenda, curandeirismo, simpatia, oráculo, alquimia, etc., a religião é a única que ainda sobrevive com relativo vigor. Embora não tenha mais o mesmo poder de influencia na vida privada e pública das pessoas, tal como na época da Antiguidade e da Idade Média, mesmo assim a cultura religiosa ainda mostra sua presença, com mais atuação no cotidiano, do que as outras formas de superstição.
Então, para entender o motivo da religião conseguir ainda manter a sua crença, enquanto as outras modalidades de superstição perderam muito mais credibilidade, é preciso conhecer que artifício a religião assimilou e desenvolveu, que a fez mais influente que as demais. Em outras palavras, qual o segredo da longevidade da religião, bem como da sua capacidade de ainda influir, relativamente, mesmo numa sociedade secularizada e esclarecida? Enfim, o que existe inerente à mentira religiosa que ainda a faz efetiva? Ou, num sentido mais geral, o que faz a mentira parecer verdade?
Se for verdadeiro o ditado popular de que “a mentira tem pernas curtas”, a religião será uma exceção, haja visto que, com suas pernas longas, ela percorreu uma longa trajetória, pois talvez seja a instituição cultural mais antiga da humanidade.
O Iluminismo iniciou o processo de 'desencantamento do mundo'
Entretanto, antes de apontar qual é este artifício, é preciso lembrar que, quanto mais retrocedemos na história, mais iremos encontrar a religião envolvida com a magia, com a adivinhação e outras modalidades de superstição. No passado, religião e magia se misturavam mais indistintamente do que hoje, embora, no futuro, a separação nunca fosse total, pois todas as religiões, mesmo as recentes, ainda conservam propriedades mágicas, sobretudo o encantamento, o fator mais comum entre ambas. À medida que a religião foi se direcionando, cada vez mais, para a especulação ontológica e para o objetivo soteriológico, afastou-se da magia e das outras culturas e práticas supersticiosas. Então, em linhas gerais, as religiões, assim que se transformavam, passaram a utilizarem-se menos do encantamento para, então, utilizarem de outro artifício, o qual é um desdobramento do encantamento, isto é: a comunicação persuasiva.  
            Antes de prosseguir, será útil esclarecer o que é persuasão em seu sentido técnico, tal como entendem a Retórica e a Psicologia Social. Atualmente, já está em formação uma Ciência da Persuasão. De modo que, persuasão é o ato de levar alguém ou um grupo a acreditar em uma ideia, aceitar uma sugestão e/ou fazer uma ação por meio de artifícios verossímeis ou da manipulação psicológica ou social. Por tentar influenciar através de artifícios e manipulações, persuadir se difere de convencer. Na persuasão, alguém é levado a “crer” ou a “agir” por argumentos extras racionais ou por manipulações psicológicas, enquanto no convencimento, alguém é levado a “compreender” ou a “agir” por argumentos racionais com fundamentos na demonstração. A estratégia da persuasão é a manipulação, enquanto a do convencimento é a demonstração, a prova. Em suma, persuadir é fazer crer; convencer é fazer compreender. Convencer pela demonstração é próprio das ciências e da filosofia, já persuadir é próprio dos advogados, dos políticos, dos religiosos, dos profissionais de vendas e dos publicitários. A persuasão trabalha com o provável, o possível e o crível, já o convencimento trabalha com a certeza e a prova. Em outras palavras, na persuasão forma-se a convicção pela crença (no verossímil, no possível ou no crível), enquanto que no convencimento forma-se a convicção pela compreensão na evidência (na prova, na certeza ou na demonstração).
            A persuasão busca dois objetivos: fazer crer e fazer agir. O fazer crer é próprio da manipulação da linguagem, ou seja, da Retórica, enquanto o fazer agir atua sobre a vontade e é próprio da Psicologia Social, de maneira que a arte de persuadir pode ser estudada tanto por pesquisadores da Retórica quanto por psicólogos. Veja a diferença nos exemplos abaixo:
1) Mauro persuadiu João de que sua causa era justa.
2) Mauro persuadiu João a trabalhar por sua causa.
Em (1), Mauro conseguiu levar alguém a acreditar em alguma coisa (persuasão retórica), enquanto que em (2), ele conseguiu levar alguém a fazer alguma ação (persuasão psicológica), mas não como resultado de acreditar na causa justa. Portanto, a persuasão retórica consiste em fazer crer (1), sem resultar necessariamente em levar a agir (2), e a persuasão psicológica em fazer agir (2), sem depender em acreditar ou não (1). De maneira que, a persuasão retórica (efeito sobre a crença) pode ser convincente sem ser exortativa. Exemplo: uma pessoa pode ser levada a acreditar numa doutrina religiosa, mas não ser estimulada a praticá-la, ocorrência muito comum entre pessoas que se declaram cristãs na atualidade. Assim, a persuasão psicológica (efeito sobre a vontade e atitude) pode estimular a mudança de comportamento independentemente de se acreditar na sugestão, pois esta também pode ser exercida através da ameaça, do constrangimento, da coerção, da promessa ou da chantagem. Alguém pode ser persuadido através da promessa de recompensa ou da ameaça a cometer um crime, mas este alguém pode não acreditar que o que está fazendo seja uma ação socialmente aprovável. Por outro lado, a persuasão é mais completa quando se consegue o efeito de ambas, ou seja, sobre a crença quanto sobre a atitude, mais ainda, se simultaneamente. Na história da comunicação, ninguém conseguiu melhores resultados em combinar tão bem estes recursos (fazer crer e fazer agir) do que, de início, a religião e, depois, a partir do século XX, a propaganda comercial. Isto é, a religião consegue efetuar bem a combinação de fazer o ouvinte, o telespectador ou o leitor crer (acreditar na mensagem) com o fazer agir (ingressar e praticar); o mesmo com a propaganda comercial, a qual consegue combinar bem o fazer crer (acreditar na mensagem publicitária) com o fazer agir (consumir).
A pregação é uma forma de comunicação persuasiva
Assim, com sua hábil capacidade de utilizar-se da persuasão, a religião manteve a persuasão como a ambrosia que alimentou a sua sobrevivência até hoje. Com suas técnicas de retórica, de oratória, de estratégia capciosa de argumentação, bem como o uso das frases de efeito, da exortação, da pregação, do discurso comovente, da estimulação e da manipulação psicológica, ela se distingue, formalmente, das maneiras de comunicação das demais modalidades de superstição. Por isso nunca se ouviu falar de um astrólogo pregador, de um adivinho orador ou de um curandeiro retórico. Em suma, a persuasão, com suas técnicas ardilosas, é capaz de fazer a mentira parecer verdade, e é por esta razão que a religião ainda sobrevive.
            A persuasão na religião tem os seguintes objetivos. Nas religiões proselitistas, a intenção é arrebanhar mais seguidores e estimular o aumento da devoção dos que já são adeptos. Já nas religiões hereditárias e étnicas, as quais não promovem a conversão de novos adeptos, a pretensão é criar estímulos para manter os membros, aumentando-lhes a dedicação, a fim de evitar o abandono e a apostasia. Uma vez que é muito numeroso, o Hinduísmo é a religião hereditária com o maior número de desistentes na atualidade, pois os jovens indianos estão cada vez menos interessados em seguir a tradição dos pais, daí a necessidade de criar estratégias persuasivas para conter a desistência.  
O objetivo da propaganda é persuadir
O exemplo mais notável do efeito da persuasão no público é o sucesso atual da propaganda (persuadir é o objetivo da propaganda), quer comercial ou política, a qual se transformou em um dos negócios mais milionários a partir do século XX.
Portanto, para finalizar, se for preciso apontar um exemplo para o antigo ditado que diz que “uma mentira bem contada tem mais efeito do que uma verdade mal contada”, a religião poderá ser a principal indicada. Enfim, enquanto existirem pessoas que acreditam em mentiras bem contadas, a religião sobreviverá.


Octavio da Cunha Botelho
em 01/04/2013



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CONFLITOS EM MIANMAR REMOVEM A IMAGEM DE RELIGIÃO PACÍFICA DO BUDISMO


Monge budista empunhado arma de fogo
            Quase todas as religiões possuem seus lados pacíficos e violentos. Assim como afirmar que todo o Islã é uma religião violenta é uma generalização improcedente, também dizer que todo o Budismo é uma religião pacífica é uma generalização descabida. Uma vez que a população ocidental não tem muitas informações sobre a religião de Buda, tal como possui da religião cristã, pois não temos no Ocidente países majoritariamente budistas, a imagem formada desta religião oriental é então formada através dos itens ou dos personagens que mais lhe chamam a atenção, isto é, que são destaques na mídia. De maneira que, nada e ninguém no Budismo de hoje é mais emblemático do que o atual Dalai Lama, Tenzin Gyatso, o qual se transformou numa estrela internacional. Sendo assim, muitas das informações sobre Budismo foram formadas a partir das suas interpretações e das suas atitudes, de modo que estas foram transferidas para as noções de Budismo pelas pessoas, em geral, pouco informadas. Com sua campanha pacífica de independência do Tibete, a partir do princípio da não violência (ahimsa), propagado por Mahatma Gandhi na primeira metade do século XX, ele disseminou a imagem de um Budismo pacífico. No entanto, por trás desta mensagem pacífica esconde-se uma história sangrenta do Budismo Tibetano, do qual o Dalai Lama é o líder, tal como mostrado no estudo postado nesta revista em 22/11/2012, sobre a Linhagem dos Dalai Lamas (http://octaviobotelho.blogspot.com.br/2012/11/a-linhagem-dos-dalai-lamas-um-breve.html).
Monges budistas em confronto com a polícia
            A oficialização do Budismo como religião do estado aconteceu através de um episódio que lembra o do sanguinário imperador Constantino (século IV e.c.) no Cristianismo. Trata-se do também sanguinário imperador Ashoka (século III a.e.c.) quem, depois de aniquilar e subjulgar milhares de pessoas, se converteu ao Budismo e levou sua doutrina aos quatro cantos do seu império e até para além, no século III a.e.c. Assim como Constantino foi o grande patrono do Cristianismo, Ashoka foi o grande patrono do Budismo na Índia. Ambas as religiões alcançaram sua oficialização pelas mãos de guerreiros sanguinários. Portanto, o Budismo, além do caráter pacífico, tem também um gene violento que se instalou nos tempos de Ashoka.
            A história do Budismo no Tibete, na China, no Japão, em Sri Lanka, em Mianmar (antiga Birmânia) e em outros países budistas está pautada com muita violência. Na China, o envolvimento é antigo, pois lá ficou conhecido o mosteiro budista Shaolin, onde monges praticavam as artes marciais, sobretudo o Kung Fu. Na tradição Wuxia (heróis guerreiros), a qual depois foi transferida para a literatura, para o teatro, para as artes plásticas e, mais recentemente, para o cinema, muitos de seus heróis eram monges budistas praticantes de artes marciais. No Japão, também são conhecidos os Sohei (monges guerreiros), os ancestrais dos Samurais, os quais lutaram nas guerras Jokyu, Onin e Genpei, para defender os senhores feudais. Na atual Sri Lanka, os budistas se envolveram numa guerra contra os tamis (imigrantes hindus do sul da Índia), a qual já matou milhares de pessoas, ademais já ficou conhecido o “Yellow Robe Terrorism” (Terrorismo da Túnica Amarela), referindo-se a cor amarela da tradicional túnica dos monges Theravada, corrente budista predominante naquela ilha. Estes são apenas alguns poucos exemplos na história, para mostrar que o Budismo tem DNA violento.
Nas regiões mais hostis, até as crianças budistas estão armadas
            O mundo se chocou com a notícia do ataque terrorista com gás venenoso Sarin efetuado por uma seita japonesa, de caráter terrorista, a qual também incorpora doutrinas budistas, no metrô de Tóquio em 20 de Março de 1995. Na ocasião, 13 usuários perderam suas vidas, 54 ficaram seriamente feridos, mais 980 foram afetados e, estima-se que, no total, cerca de 5 mil pessoas foram afetadas pelo gás venenoso.
            Embora ainda não tão popularizado, o assunto começou a chamar a atenção dos acadêmicos, sobretudo em razão da necessidade de corrigir esta imagem deformada do Budismo no Ocidente, prova disto são as recentes publicações de dois livros sobre a violência budista. O primeiro é “Buddhist Warfare” (Guerra Budista), editado por Michael Jerryson e Mark Juergensmeyer, Oxford University Press, 2010, o outro “Buddhism and Violence: Militarism and Buddhism in Modern Asia” (Budismo e Violência: Militarismo e Budismo na Ásia Moderna), editado por Vladimir Tikhonov e Torkel Brekke, Routledge, 2013.
            No conflito noticiado recentemente em Mianmar, entre budistas e muçulmanos, na cidade de Meiktila, 32 pessoas morreram e mais de 8 mil pessoas fugiram do local. Os jornais e sites anunciaram que era possível ver monges budistas armados pelas ruas. O Budismo é maioria em Mianmar. Outros conflitos entre budistas e muçulmanos em Mianmar, no ano passado, no estado de Rakhine, deixaram cerca de 180 mortos e 110 mil abandonaram a região. Mianmar está no 150º lugar no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) medido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2012, considerado desenvolvimento baixo.
Um enfurecido monge budista durante protesto
            Agora, para aqueles que, desde muito tempo, sempre cultivaram a imagem de um Budismo pacífico, é chocante acompanhar o crescimento da violência praticada por budistas em diversas partes do mundo. Com isso, o mito do Budismo sem violência começa a se desfazer no Ocidente, para dar lugar a uma visão mais realista do caráter budista.
            Por outro lado, é preciso lembrar que nem todo o Budismo é violento, portanto é importante saber separar o joio do trigo, e não começar a transformar a imagem do budismo em uma religião inteiramente violenta, tal como acontece atualmente com a imagem generalizada do Islamismo como religião violenta e terrorista. Bem... mais uma das coisas da religião.

Octavio da Cunha Botelho
25/03/2013



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ESCOLHA DE UM PAPA LATINO-AMERICANO HOMOLOGA A TRANSFORMAÇÃO DO CATOLICISMO EM RELIGIÃO DOS PAÍSES ATRASADOS


O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio (76) é o novo
papa Francisco
            Recentemente assistimos a uma decisão inédita na história, isto é, a escolha de um papa não europeu, após quase dois mil anos de papado. Entretanto, por trás dos inúmeros elogios, sobretudo dos governantes, por este ato de descentralização, acontece uma tendência que vem se desenvolvendo ao longo das últimas décadas: a decadência do Catolicismo na Europa e seu crescimento nos países nas piores posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), sobretudo na América Latina.
            O quadro abaixo mostrará o panorama atual entre os países que estão no topo do ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e os países da América Latina (ranking 2012 do IDH do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD - divulgado em 14/03/2013).

Os 12 países no topo do ranking do IDH com as respectivas populações católicas, porcentagem e suas posições no levantamento de 2012:

País                    população católica       % de católicos    posição IDH 2012
- Noruega           514 mil                          1,1%                     1º
- Austrália           5 milhões                      26%                      2º
- EUA                  70 milhões                    24%                      3º
- Holanda            5 milhões                      31%                      4º
- Alemanha         25 milhões                    31,4%                   5º
- Nova Zelândia  5 milhões                     12,6%                    6º
- Irlanda               3 milhões                      88%                       7º
- Suécia              145 mil                           1,6%                     8º
- Suíça                3 milhões                       41,8%                   9º     
- Japão               509 mil                           0,4%                     10º
- Canadá             13 milhões                   42%                       11º
- Coréia do Sul   3 mil                              6,6%                      12º

Os 12 países latino-americanos com maior população católica e as posições no IDH de 2012:

País                     população católica         % de católicos     posição IDH 2012
- Brasil                 123 milhões                    64,6%                  85º
- México               83 milhões                      76%                     61º
- Colômbia           38 milhões                      90%                     91º
- Argentina           36 milhões                      92%                     45º
- Venezuela         24 milhões                       95%                    71º
- Peru                   22 milhões                       81%                    77º
- Equador            12 milhões                       95%                     89º
- Chile                  11 milhões                      70%                     40º
- Guatemala         11 milhões                      75%                    133º
- Bolívia                8 milhões                        95%                    108º
- Honduras           7 milhões                        97%                    120º
- Haiti                   6 milhões                        80%                    161º

           Dos 1,2 bilhão de católicos no mundo, 524 milhões estão nas Américas, ou seja, 48,5%, sendo 351 milhões na América Latina.  Assim, podemos dizer que, com o tempo, o Catolicismo se transformou numa religião com muitos seguidores latino-americanos. Daí a pressão para a eleição de um papa desta região. A escolha de um papa brasileiro bateu na trave, mas acabou ficando com um argentino, o cardial Jorge Mario Bergoglio (76), que a partir de agora se chamará papa Francisco I. Sabemos que a Argentina é o país mais europeu da América Latina, enquanto o Brasil está mais para a África. Será que estas características pesaram na decisão dos cardiais?
O mapa da miséria na América Latina
            Ademais, é preciso levar em conta que, os países da América do Norte com grande população católica, Canadá e EUA, são regiões com grande número de imigrantes latino-americanos (mexicanos, brasileiros, etc.), o que contribui para o aumento no número de católicos. Uma curiosidade, o Brasil é o país com maior população católica do mundo (123 milhões), porém tem a menor porcentagem (64,5%) dentre os países latino-americanos relacionados acima. Agora, num país com 97% de católicos, tal como em Honduras, certamente a população não conhece outra religião que não seja o Catolicismo, em contrapartida, no Japão, onde a porcentagem é de 0,4%, muitos cidadãos devem conhecer a religião cristã apenas através de literatura, de noticiários, de reportagens e de filmes estrangeiros.
            A América Latina está caminhando na contra mão de alguns países onde a religião está ameaçada de acabar. Veja em seguida os nomes dos países onde a religião é uma “espécie em extinção”: Austrália, Áustria, Canadá, Finlândia, Estônia, Holanda, Nova Zelândia, Suíça e Republica Tcheca. Estes são os com as maiores quedas no número de pessoas que se declaram religiosas nos censos realizados nas últimas décadas. Todos eles estão entre os 35 melhores ranqueados no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nos países bem colocados, onde a população religiosa cresce, são principalmente aqueles que vem recebendo muitos imigrantes estrangeiros nas últimas décadas (EUA, Canadá, Austrália, França e Alemanha). 


 Octavio da Cunha Botelho
 15/03/2013


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A RENÚNCIA DE BENTO XVI, “MUITO BARULHO POR NADA”


Bento XVI, alegando fragilidade da saúde, pediu arrego

            Embora alguns poucos já previam esta possibilidade, no entanto não era possível saber quando, então a ocorrência agora pegou muitos de surpresa. Então, fui obrigado, obviamente, a interromper o que estava escrevendo (um estudo sobre bibliolatria, o qual será postado em breve no blog), para assim me dedicar a este assunto, pois não é possível deixá-lo sem um comentário.
Bem, em um país com um tão numeroso séquito de católicos é natural que o recente e raro acontecimento cause uma repercussão estrondosa, afinal o Brasil abriga a maior população católica do mundo, ou seja, aproximadamente 70% dos questionados nas pesquisas respondem que são adeptos ou simpatizantes deste seguimento cristão, o que corresponde a cerca de 130 milhões de brasileiros.  De modo que, o barulho que a imprensa brasileira fez com este incidente deve ter sido, muito provavelmente, o maior de todos os países.
Praça de S. Pedro no Vaticano, a história do papado é muito
mais tumultuada do que imagina a maioria dos católicos
Agora, existe uma diferença muito grande, no meio religioso, em se declarar cristão e, efetivamente, ser um praticante de uma religião. Ou seja, afirmar que acredita numa religião é muito distinto de levar uma vida regida por ideias e regras religiosas. Para entender este fenômeno, nada melhor que comparar religiões, bem como nenhuma experiência é mais esclarecedora desta distinção do que a oportunidade de viver em um país, sobretudo no seu meio religioso, que preserva ainda uma rigorosa religiosidade, tal como a Índia.  Para ilustrar isto, relatarei em seguida, uma experiência pessoal que passei durante o período em que residi naquele país. Aconteceu, em 1984, quando estava com o meu visto de permanência próximo do vencimento, então comuniquei, com algumas semanas de antecedência, ao meu instrutor sobre a necessidade da renovação. No entanto, ele não me levou ao tal local imediatamente, sempre prorrogando a nossa ida até lá. Comecei a ficar angustiado, à medida que se aproximava a data do vencimento e não entendia o motivo da demora. Quando estava quase na data do vencimento, ele finalmente me levou até o órgão de renovação de vistos. Depois de realizados os procedimentos legais, tive a curiosidade de lhe perguntar o motivo de deixar a renovação para em cima da hora, ele me respondeu que o período em que eu tinha solicitado para realizar a renovação não era uma momento propício para tal tarefa, segundo o calendário hindu, então, consequentemente, se tivéssemos feito naquele período, não seríamos bem recebidos pelos atendentes daquele órgão. Citei este episódio para exemplificar como as decisões na vida dos hindus ainda são orientadas por ideias e princípios religiosos. Este é apenas num exemplo, pois a religiosidade impregna o dia a dia do hindu de uma maneira total, tudo é regido pela religião, o hindu tem regras religiosas, mantras e cerimônias para tudo.
Santa Teresa de Ávila (1515-1582), vivência
de um Catolicismo muito diferente do atual 
No Hinduísmo, não existe a possibilidade de alguém ser hindu, apenas declarando-se, e não praticá-lo. Ou seja, alguém pode proclamar e gritar aos quatro cantos que é hindu, fazer os mais eloquentes discursos de fé e de louvor ao Bhagavad Gita (um dos principais livros sagrados do Hinduísmo), mas se ele deixar de praticar os ritos diários obrigatórios e os deveres da casta, não é considerado mais um hindu. Pois, ser hindu está no modo de vida, na prática da tradição e dos costumes, em suma, ser hindu está no caráter. Frequentemente encontramos santos e iogues (exemplos: Ramakrishna Paramahamsa, Swami Ramalinga, Swami Vivekananda, Ramana Maharshi, etc.) criticando o excessivo apego às escrituras sagradas em detrimento da prática (sadhana), e mesmo assim são os mais venerados santos e iogues da Índia Moderna, em razão do exemplo de espiritualidade que deixaram. O Cristianismo equilibrava fé e modo de vida na Antiguidade e na Idade Média. De maneira que, aos olhos de são Antão (Antônio) do Deserto, de são Francisco de Assis, de santa Teresa de Ávila e de são João da Cruz, o atual Cristianismo de padre Marcelo Rossi parece um teatro de comédia, o qual agora se transformou numa religião em que seus seguidores (excluído os ordenados: padres, feiras, bispos etc.) tomam 99% das suas decisões com base em ideias e regras seculares e apenas 1% a partir de ideias e regras cristãs.
             Então, sendo assim, precisamos refletir sobre a justificativa de se atribuir tanta importância à renúncia de alguém que lidera uma religião (Catolicismo) onde quase todos os seguidores regem suas vidas a partir de ideias e princípios seculares, ao invés de religiosos. Para quem já residiu na Índia e conviveu intensamente com hindus e iogues, portanto frequentando templos, ashrams, etc, ao regressar, a impressão que se tem é de que as igrejas cristãs (católicas e protestantes) hoje estão mais para “clubes sociais” do que centros de espiritualidade.
            O Cristianismo atual só tem tamanho, semelhante a um gigante impotente (com o tempo, se transformou na maior religião do mundo com quase 2 bilhões de seguidores, sendo quase 1 bilhão de católicos), portanto é uma multidão de crédulos que confunde crença com espiritualidade, isto é, com base apenas no sentimento de fé intensa, sem a mudança no modo de pensar e agir, imaginam que só com isso (fé) conseguirão sucesso, de modo que as suas vidas (exceto padres e freiras) não correspondem ás suas crenças. Em suma, muita crença para pouca prática.
Papa Gregório XII (1327-1415), último papa a renunciar
antes de Bento XVI, em 1415 e.c.
            Resultados de pesquisas, em países de predominância cristã, já mostraram que é muito pequeno o número de casos em que as pessoas tomam decisões importantes na vida a partir de ideias e/ou regras religiosas. Portanto, ao decidir sobre o que estudar, sobre a profissão, sobre os negócios, sobre o que comprar e como, etc., uma esmagadora maioria se orienta por ideias, raciocínios e regras seculares, deixando de lado a influência religiosa, sendo que, até mesmo os cristãos tomam as decisões desta maneira. Isto porque o estilo de vida dos cristãos atuais, em sua maioria, excluindo os ordenados, é 99% secular e apenas 1% religioso. Estes casos são exemplos de que mesmos os crentes de hoje não confiam inteiramente nas ideias e nos mandamentos da religião. A razão disto é que, com o avanço das culturas e da moral seculares, as religiões foram, aos poucos, perdendo seu espaço de influência para a cultura secular, de modo que, no caso do Cristianismo, aquela antiga influência sobre a vida pública (política, economia, arte, moral, direito, educação, costumes, etc.) foi perdida para a emergente cultura secular, até que, finalmente, a religião se encolheu para os restritos domínios da influencia somente na vida privada das pessoas.
            Sendo assim, voltemos à reflexão sobre a justificativa de atribuir tanta importância à renúncia do líder de uma igreja (Catolicismo), que nos impressiona pelo número de crentes, mas que quase a totalidade de seus seguidores toma decisões e orienta sua vida a partir de ideias e de princípios seculares. Portanto, qual a utilidade para tanto alarde, tal com fez a imprensa brasileira? Com base na perspectiva acima, parece um “muito barulho por nada”. Ademais, esta decisão de renúncia do atual papa, apesar de rara, não representa tanto, quando consultamos a história papal, diante dos inúmeros outros casos alarmantes de assassinatos, traições, brigas, rixas, cismas, casamentos clandestinos, incesto, etc., ocorridos no passado. Por exemplo, na época do Grande Cisma do Ocidente (1378-1417) existiram três papas simultâneos (Gregório XII de Roma, Bento XIII de Avignon e o antipapa João XXIII), período no qual aconteceu a última renúncia papal, a de Gregório XII em 1415, logo em seguida a fragmentação foi desfeita. Também, outros papas anteriores renunciaram: Ponciano (230-5 e.c.), Silvério (536-7), Bento IX (apenas 2 meses no papado), Gregório VI (poucos dias no papado, teve que renunciar) e Celestino V (apenas 4 meses de papado).
            Bem, se o Cristianismo perdeu a influência na vida pública das pessoas (política, educação, arte, moral, direito, economia, costumes, negócios, etc,.) e o que restou foi apenas a restrição à influência na vida privada, sendo que, mesmo esta última, não é capaz de orientar os fiéis na maior parte de suas decisões pessoais, tal como foi mostrado acima. Sendo assim, não sobra quase espaço nenhum, deste lado da vida, no qual esta religião possa nos influenciar, a não ser que, para retomar o antigo domínio, tão poderoso no passado, ela se volte para a sua orientação exclusivamente para o outro lado da vida, isto é, para a vida depois da morte, se abdicando dos assuntos do lado de cá da vida. Fazendo assim, ela estará se abrigando naquilo que as religiões sempre souberam fazer de melhor, qual seja, se esconder nas regiões desconhecidas e inacessíveis da experiência humana, para então permanecer protegida pelo mistério e daí não precisar fornecer muitas explicações, deixando assim o caminho livre para, em seguida, lançar o seu programa de doutrinação persuasiva sobre aqueles ingênuos que, diante do mistério e da incerteza das suas pregações, são aliciados para o seu seio.
            Enfim, só mesmo partindo exclusivamente para a vida do lado de lá para o Cristianismo voltar a ter influência sobre as vidas das pessoas, pois em assuntos sobre a vida do lado de cá, ele não ‘apita’ mais nada.

Octavio da Cunha Botelho
13/02/2013


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UMA ANÁLISE HUMORADA DAS CONSEQUÊNCIAS DA INVERSÃO DOS POLOS MAGNÉTICOS DA TERRA EM 21/12/2012


A inversão dos polos magnéticos da Terra já aconteceu
  e poderá se repetir

            Dentre as catástrofes anunciadas por aqueles que acreditam no cataclismo de 21/12/2012, está o fenômeno da inversão dos polos magnéticos da Terra. Um fato astronômico que já ocorreu e que poderá se repetir. Se isto acontecer, o polo norte passará a ser o polo sul e vice versa. Portanto, consequentemente, parecerá como que o planeta passasse a estar de cabeça para baixo.  
            Diante de tal mudança astronômica, a pergunta mais imediata, se o fenômeno acontecer, é quanto as suas consequências. O que mudará na Terra e na vida após este evento? A resposta não é fácil de ser respondida, mas podemos conjecturar que, tal como os fantasiosos crédulos nesta hipótese costumam fazer nas suas comparações entre Ciência e Religião, se a natureza é regida por leis tão exatas e rigorosas, os mesmos rigores e proporções serão transferidos para a vida civil e social. De maneira que, a partir de 21/12/2012, tudo assumirá sua propriedade inversa, ou seja, os ricos se tornarão pobres, as pessoas bonitas se transformarão em feias, os ateus em religiosos, os homossexuais em heterossexuais, os gordos em magros e vice versa para todas as condições, bem como na mesma proporção.
Se a inversão acontecer, será que algumas coisas também se inverterão?
Se assim for, então o Bill Gates se tornará um dos homens mais pobres do mundo, talvez um sem-teto. A Gisele Bündchen numa das mulheres mais feias, talvez parecida com a Catifunda, o Messi em um perna-de-pau, talvez um peladeiro de campinho de terra e Richard Dawkins num cristão fervoroso, talvez um líder da Igreja Anglicana. O Papa será um pedófilo assumido, o atual Dalai Lama um inescrupuloso invasor sem-terra e assim por diante.  A inversão se estenderá para além da vida das pessoas, também para o mundo dos negócios. Por exemplo, a Microsoft se transformará numa fábrica de ábaco, a Dell numa fábrica de máquina de escrever, a HP numa fábrica de fotolito para impressora offset e a Apple numa fábrica de pinball machine. O mundo dos esportes também será afetado, o vencedor da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, será a Etiópia, classificada na última colocação da repescagem; já os maiores medalhistas nos Jogos Olímpicos de 2016, no Brasil, serão os atletas do Butão, das Ilhas Maurício e do Nepal.
No mundo religioso, os efeitos serão curiosos, pois com as transformações dos religiosos em céticos, o planeta ficará inundado de ateus, em vista do grande número de crentes da atualidade.  As igrejas serão transformadas em residências, tal com já acontece hoje na Holanda.  A Bíblia se transformará em livro de fábulas para a educação infantil, tal como deveria ter sido desde a sua composição. O Alcorão se transformará num livro de entoação para estudantes de canto, uma vez que a musicalidade da sua recitação é a única coisa admirável, e o Bhagavad Gita num discurso de exortação militar para o momento antes de qualquer batalha, por ser o único propósito para o qual ele serve hoje.
O Bill Gates poderá ser tornar um mendigo da informática.
Agora, o leitor poderá estar perguntando se existe um meio de driblar o efeito desta inversão. Existe sim, o que tem de ser feito é se converter naquilo que é o seu oposto antes de 21/12/2012. Por exemplo, um ateu deverá se batizar ou se iniciar em qualquer religião, se quiser ser transformado em ateu novamente depois da inversão do campo magnético da Terra. Os ateus ativistas de hoje, que fizerem assim, verão os seus sonhos realizados após o fenômeno astronômico, pois a imensa quantidade de religiosos da atualidade será transformada em céticos, com isso teremos um mundo majoritariamente ateu. De modo que, Richard Dawkins e Sanal Edamaruku, se realizarem a conversão religiosa antes de 21/12/2012, logo passarão a serem líderes de um grande séquito de ateus do Ocidente e do Oriente respectivamente.
Por outro lado, como uma peça do destino, os atuais partidários do apocalipse maia de 21/12/2012 serão transformados em ateus após o evento cataclísmico, daí que todo aquele trabalho de preparação para a grande revolução espiritual pós-cataclismo, pregada por eles, será como um tiro disparado pela culatra. 
Páginas do Códice de Dresden, uma das referências ao fim
do calendário maia
Bem... tudo acima é uma brincadeira, com algumas informações imprecisas a fim de aumentar o impacto humorístico do texto e fazer com que a mensagem  tenha “aparência de verdade”. Porém, é exatamente assim que trabalha a maioria dos pregadores da hipótese do apocalipse maia de 21/12/2012; ou seja, através da comunicação de informações científicas superficiais e imprecisas sobre a iminência de certos fenômenos astronômicos, as quais são transmitidas através de um discurso com “aparência de verdade”, suficiente para convencer o público pouco informado sobre o assunto, uma vez que são fenômenos possíveis de acontecer, alguns até já aconteceram há milhares de anos, mas não significa, de modo algum, que irão acontecer agora. Enfim... somente com humor é possível lidar com estas ‘coisas da religião’.


Octavio da Cunha Botelho
10/12/2012



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MADONNA E A CABALA MERCANTILIZADA


O Kabbakah Centre de Nova York,
frequentado pela cantora Madonna
            Tal como a crônica sobre o Dia da Ashura (26/11/12), o assunto abaixo precisaria, na verdade, é de um estudo na forma de artigo. No entanto, não há tempo para tanto, se a urgência é postar ainda durante a passagem da cantora Madonna pelo Brasil, a cabalista mais famosa do mundo. Outra razão é que estudos críticos sobre a Cabala são muitos raros, portanto existe uma carência de publicações de trabalhos mediante esta perspectiva.
            Não haverá espaço aqui para informar sobre a Cabala, de maneira que esta crônica se limitará a atender a curiosidade daqueles que, conhecendo um pouco sobre esta corrente do misticismo judaico, desejará saber como uma mulher com a personalidade tão irreverente, extrovertida e libertina, tal como Madonna, foi aceita numa instituição cabalista, sendo que, o ingresso nesta última é tradicionalmente reservado aos judeus somente, segundo algumas correntes cabalísticas, ou apenas aos homens, de acordo com outros grupos. Bem como, a Cabala sempre foi conhecida por seu conservadorismo, disciplina e sigilo, portanto um local tão incompatível com o perfil espalhafatoso desta roqueira. Assim, esta crônica se restringirá a informar e analisar a variante cabalística que aceita Madonna e outras celebridades no seu séquito, diante da reação desaprovadora dos judeus e cabalistas tradicionais.
            A Cabala surgiu e se desenvolveu no meio judeu, mas com o tempo surgiram os grupos de estudantes não judeus, exemplo: a OKRS (a Ordem Kabalista da Rosa Cruz), de Stanislas de Guaita e Papus (Gerard Encausse), e outros grupos. Os maçons, os rosa cruzes, os teósofos e os esoteristas em geral sempre se interessaram pela Cabala. Quer seja judaica ou não judaica, a Cabala sempre foi uma tradição exclusivamente estudada e praticada por homens. Não existiram mulheres cabalistas no passado.
Madonna usando o bracelete vermelho,
sinal de filiação ao Kabbalah Centre
            Então, que variante é esta da Cabala que aceita mulheres e tem como um de seus líderes uma mulher, Karen Berg? Trata-se do Kabbalah Centre, um grupo cabalista fundado inicialmente por Yeshivah Kol Yehuda em 1922, depois reorganizado por Philip Berg e sua esposa Karen Berg em 1965, nos EUA. A atual sede principal está em Los Angeles, EUA. A instituição aceita membros judeus e não judeus e não exige o prévio conhecimento dos textos judeus (Tahakh, Talmude, Mixná, etc.) como pré-requisito, está aberta ao ingresso de todos, algo como uma “Cabala Popular”. Tal como os outros grupos reconciliadores de doutrinas dos Novos Movimentos Religiosos (Sociedade Teosófica, Escola Arcana, Sai Baba, New Age e muitos outros), associa as especulações cabalistas com os ensinamentos e as práticas de outras tradições religiosas e com as seguintes teorias atuais: Teoria do Big Bang, Teoria das Cordas, Mecânica Quântica.  Michael Berg e Yehuda Berg, filhos do casal fundador, são instrutores e ministram cursos presenciais e online sobre temas cabalísticos, inclusive no Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo (http://www.kabbalahcentre.com.br/kabbalah-cabala/agenda-cursos-kabbalah-online.html).  Karen Berg propôs uma interpretação muito revolucionária em seu livro “Deus Usa Batom: Kabbalah para Mulheres”. Enfim, o Kabbalah Centre é uma combinação de doutrinas tradicionais com inovações modernas.
            Assim, ao mesmo tempo em que aproveita as especulações da Cabala Tradicional, esta variante inovadora introduz concepções estranhas à tradição cabalística, extraídas de outras tradições, tal como a teoria da reencarnação, a qual não é concebida pela Cabala Judaica, pois o Judaísmo não aceita tal fenômeno sobrenatural. Karen Berg escreveu um livro sobre este assunto. Enfim, a Cabala Judaica, os outros grupos cabalísticos tradicionais e os judeus consideram a interpretação do Kabbalah Centre uma deformação da Cabala, para outros, é uma Cabala mercantilizada.
Paris Hilton usando o bracelete vermelho do
Kabbalah Centre, depois desligou-se
            Tal como as outras correntes da Cabala em geral, a doutrina do Kabbalah Centre é amplamente envolvida com o sobrenatural. Para ela, tudo é regido por forças sobrenaturais que guiam nosso destino, de modo que seus instrutores cultivam um forte interesse pela Astrologia, com o oferecimento de frequentes cursos dobre o assunto.
             Bem, não há espaço para informar muito sobre a doutrina do Kabbalah Centre aqui, mas o que pode se dizer resumidamente é que, quando a lemos, sentimos transportados para a época do Humanismo Renascentista (século XV e.c.), algo como uma viagem no tempo que nos leva à oportunidade de uma visita ao cabalista João Pico de Mirândola (1463-94) e a outros intelectuais da época interessados no Ocultismo. A forte crença no sobrenatural inundou este período. Em suma, a doutrina do Kabbalah Centre é extremamente supersticiosa.
            Ao invés de deus, a ontologia do Kabbalah Centre fala da Luz (Light), a qual é tudo, mas não podemos vê-la em razão da nossa cegueira espiritual. Uma das doutrinas principais é a que afirma que o mundo concreto é apenas 1%, enquanto o mundo sobrenatural é 99% do universo total, portanto para alcançarmos a Luz (Light) é preciso penetrar neste “mundo 99%”. Isto é feito com as doutrinas e as práticas fornecidas pelo Kabbalah Centre.
Madonna chegando ao Kabbalah Centre de NY
            Alem da cantora Madonna, outras celebridades são adeptas desta variante mercantilizada da Cabala: Lindsay Lohan, Ashton Kutcher, Demi Moore, Mick Jagger, Rosie O’Donnell, Naomi Campbell e Lucy Liu. A cantora Britney Spears, Paris Hilton e Jerry Hall (ex-esposa de Mick Jagger) já foram associadas, mas se afastaram em seguida, esta última após lhe solicitarem o pagamento mensal de 10% da sua renda. O jogador de futebol, David Beckham, já foi visto usando o bracelete vermelho do Kabbalah Centre.
            A fortuna da instituição levanta muitas suspeitas, bem como a vida luxuosa dos seus líderes. O fundador, Philip Berg, leva uma vida de milionário. Reportagens publicadas em 2005 pela BBC News, por jornalistas disfarçados que se infiltraram na instituição, mostraram que o Kabbalah Centre de Londres vende um pacote de cura para doenças por 860 Libras (R$ 2.920,00 no câmbio atual), o qual inclui água curativa e livros do Zohar (livro sagrado do Cabala). Um pacote de 10 estojos de água curativa custa 400 Libras (R$ 1.360,00). A sede de Londres está avaliada em 3,7 milhões de Libras (R$ 12,5 milhões). Desde alguns anos, as autoridades em Israel se recusam a fornecer um Certificado de Gerenciamento Correto à instituição por causa das irregularidades contábeis.
Philip Berg e Karen Berg, fundadores do Kabbalah Centre
nos EUA, vida de milionários
            Uma acusação comum é a de que “o Kabbalah Centre é uma ramificação oportunista da fé, com líderes carismáticos que tentam atrair os ricos e os vulneráveis com promessa de cura, riqueza e felicidade” (BBC News, 09 de Janeiro, 2005). O líder da sede de Londres, Eliyahu Yardeni, fez em 2005 uma afirmação bombástica sobre a cauda das mortes dos seis milhões de judeus no Holocausto, que provocou a revolta dos judeus e de alguns intelectuais: “a questão foi que a Luz (Light) estava bloqueada. Eles (os judeus) não usaram a Kabbalah”.
Bem... depois de uma justificativa idiota como esta, não é preciso falar mais nada, pois já é possível dimensionar o tamanho da idiotice que é este Kabbalah Centre. Mais uma destas coisas da religião. 


Octavio da Cunha Botelho
03/12/2012

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O DIA DA ASHURA, VIOLÊNCIA ATRAI VIOLÊNCIA


Em vista da ocupação com a preparação do estudo “A Linhagem dos Dalai Lamas”, postado em 22/11/12, não foi possível encontrar tempo para que o assunto tratado abaixo fosse preparado na forma de artigo, portanto o mesmo, para não passar em branco, é apresentado nesta coluna de crônicas.
A mesquita de Kerbala, Iraque, aqui estão os restos de
Hussein, morto, com seus familiares, em 680 e.c.
            Neste último Sábado, 23/11/12, os muçulmanos xiitas comemoraram mais um Dia da Ashura, uma das datas comemorativas mais importantes no calendário desta corrente muçulmana. Ashura significa “décimo”, trata-se da comemoração, no décimo dia do mês muçulmano de Murarram, do aniversário do massacre de Hussein Ibn Ali (626-80 e.c.) e de seus familiares, na Batalha de Kerbala (agora no Iraque), em 680 e.c., pelas tropas de Yazid, então califa (sucessor), este último não reconhecido pela tradição xiita. Este dia encerra um período de dez dias de lamento pelo martírio de Hussein. O apogeu da comemoração, no décimo dia, é a procissão da autoflagelação, quando os fiéis se chicoteiam ou se cortam com espadas, deixando o sangue escorrer, a fim de exibirem o seu lamento pelo sofrimento de Hussein.
Muçulmanos xiitas se altoflagelando durante a procissão
da Ashura, Paquistão, oportunidade para o exibicionismo.
            O antigo cisma sunita/xiita tem sua origem no desentendimento sobre os primeiros califas (sucessores de Maomé). Os sunitas reconhecem que os quatro primeiros califas são: Abu Bakr (exerceu o califado em 632-4 e.c.), sogro de Maomé, Omar (exerceu o califado em 634-44 e.c.), Otman (644-56 e.c.) e Ali (656-61 e.c.), primo e genro de Maomé. Nenhum dos filhos de Maomé sobreviveu até a idade adulta. Os xiitas não reconhecem os três primeiros (Abu Bakr, Omar e Otman), pois para eles o verdadeiro e primeiro califa (sucessor) é o genro de Maomé, casado com sua filha Fátima, Ali ibn Abi Talib. Já os três primeiros califas ou imãs na linhagem xiita são: Ali ibn Abi Talib (genro de Maomé), seu filho mais velho Hassan ibn Ali (624-70 e.c.) e seu filho mais jovem Hussein ibn Ali (626-80 e.c.), este último foi vítima no massacre de Kerbala, portanto todos são familiares de Maomé. Os xiitas insistem que a linhagem sucessória (califado) deve ser priorizada pelos parentes de sangue de Maomé. Os três primeiros califas da linhagem sunita (Abu Bakr, Omar e Otman) não são parentes consanguíneos de Maomé.
Xiita do Líbano com a cabeça ensanguentada durante
 a procissão da Ashura, suspeita de sangue artificial.
            As comemorações, nos dez primeiros dias do mês muçulmano de Muharram, acontecem para lamentar o martírio e o sofrimento de Hussein ibn Ali e de seus familiares durante a Batalha de Kerbala em 680 e.c., quando alguns foram estrangulados e decapitados pelos soldados de Yazid. Este evento consolida o definitivo rompimento entre as seitas sunita e xiita do Islã.
            Além das demonstrações de violência, com a prática da autoflagelação por fiéis, o Dia da Ashura é tradicionalmente marcado por outras ocorrências de violência, em geral atentados terroristas, dos quais os principais foram:
- Em 20 de Junho de 1994: a explosão de uma bomba, no salão de orações do santuário do Imã Reza em Mashha, Irã, matou pelo menos 25 pessoas.
- Em 27 de Dezembro de 2002: dezenas de féis foram mortos e centenas ficaram feridos, quando uma bomba explodiu numa procissão em Karachi, Paquistão.
- Em 2004: a procissão xiita à Kerbala, Iraque, foi marcada por ataques de bombas, que mataram e feriram centenas de fiéis.
- Em 19 de Janeiro de 2008: nove mortos no Iraque após um ataque de foguetes. Também, um conflito entre soldados iraquianos e membros de um culto xiita, os Soldados de Céu, deixou 263 mortos em Basra e Masiriya, Iraque.
- 05 de Dezembro de 2011: trinta peregrinos que participavam da procissão de Ashura foram mortos por uma série de ataques com bombas em Hilla e Bagdá, Iraque.
06 de Dezembro de 2011; um ataque suicida matou 63 e feriu 160 num santuário em Kabul, Afeganistão. 
- Em 23 de Novembro de 2012: 34 mortos por um homem bomba de um grupo sunita militante, durante a procissão na cidade de Chabahar, Irã.
Xiita se autoflagelando, o espetáculo é importante para
comover o público assistente. 
            Agora, uma curiosidade durante a prática de autoflagelação, na procissão da Ashura, é a ocorrência de simulações, ou seja, a grande quantidade de sangue escorrido, durante o açoite nas costas pelos participantes, é sangue artificial, a fim de aumentar a comoção do público assistente, conforme situações já flagradas pela imprensa. De modo que, em alguns casos, a tão comovente prática da autoflagelação, na procissão de Ashura, transformou-se, com o tempo, em espetáculo e em oportunidade para exibicionismo, sobretudo após o aumento da cobertura do evento pela imprensa e a transmissão pelos canais de TV nos países de numeroso séquito muçulmano. Enfim, existe uma intenção exibicionista por trás da procissão de autoflagelação, que pode ser percebida nas imagens em vídeo e nas fotos das reportagens, quando atentamos aos detalhes.
Bem... interessante encontrar ainda pessoas que se satisfazem com esta modalidade de exibicionismo, numa época quando pensamos que esta prática tinha vigorado apenas até a Idade Média... só pode ser mais uma destas Coisas da Religião.

Octavio da Cunha Botelho
26/11/2012

  

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3 comentários:

  1. Muito bom! Conheci o site hoje e adicionei aos meu favoritos!

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  2. Botelho: você é um "mal amado"! Fofoqueiro! Crítico ignorante! Na sua minúscula existência, não transformará "nada"!!! Se ame e deixe cada um ser o que quiser. Acreditar no que quiser. Não se meta! Se não é ilegal ou imoral...bola pra frente"...Qual é a tua frustração? BOBAO!!!

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  3. Parabéns pela sobriedade, coerência e lógica das suas criticas.
    Eu pessoalmente acho que religião deveria ser tratada como doença mental.
    E uma doença que contamina e interfere diretamente na nossa vida.
    Escreva sobre os evangélicos e sobre a força da bancada evangélica no Congresso Nacional Brasileiro.
    Grande abraço.

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